Noronha Lopes avalia Rui Pedro Braz e Bruno Lage

«Não foi por Lage que o Benfica perdeu este campeonato»

Noronha Lopes reduz responsabilidade do treinador, mas não esclarece se este tem a sua confiança

No dia em que João Noronha Lopes formaliza a (nova) candidatura à presidência do Benfica, A BOLA publica uma entrevista com o gestor e empresário de 58 anos. Neste excerto da conversa, o candidato fala do treinador, do papel do diretor desportivo, e também de Di María, Otamendi, Bernardo Silva e João Félix.

- No seu programa de 2020 definia a figura do diretor desportivo como, digamos, um pilar de toda a estrutura do futebol. Mantém essa ideia? Já tem um nome escolhido?

- Mantenho, mas relativamente à estrutura do futebol, acho que é importante dizer o seguinte: qualquer pessoa que esteja na estrutura do futebol tem de saber responder a três perguntas: Quem é que nós somos? Para onde vamos? Como é que lá vamos chegar? Todos, incluindo o diretor desportivo, devem ser pessoas que percebam o que é o Benfica, que percebam a necessidade de ter uma organização clara, com definição de competências, em que as responsabilidades estejam bem definidas e, principalmente, não basta também ter as melhores pessoas... Porque o Benfica tem de ter as melhores pessoas: na área desportiva, scouting, análise de dados, análise de desempenho, no gabinete médico, na área da comunicação, que é uma área absolutamente fundamental para o Benfica e que não tem tido, na minha opinião, a relevância e o papel que poderia ter. Mas, depois de termos as melhores pessoas, é preciso ter a capacidade de as pôr a trabalhar em conjunto, que as pessoas percebam que os interesses do Benfica estão acima dos interesses pessoais, sabendo o que se espera de cada uma delas. E isso não tem acontecido, porque existe falta de liderança.

- Mas já tem esse nome escolhido? Quer revelar?

- Não, será revelado na altura própria. O que posso, mais uma vez, garantir aos benfiquistas, é que esta estrutura está pronta a trabalhar e no primeiro dia a seguir às eleições arregaçará as mangas. E sabe exatamente aquilo que tem de ser feito para tornar o Benfica mais ganhador e mais competitivo.

-  Pedro Ferreira, Diogo Boa Alma... algum destes é essa escolha?

- Não vou confirmar quaisquer nomes nesta altura do campeonato. Neste momento o Benfica está a disputar competições importantes. Está a disputar um Mundial de Clubes, que é uma competição importante. E, portanto, não contem comigo para desestabilizar o clube quando ainda está a disputar esta competição, que pelo seu prestígio, por ser a primeira vez que se organiza, é fundamental. E, portanto, não vão ouvir nenhuma palavra sobre nomes, e muito menos me ouvem, ou ouvirão algum membro dos órgãos sociais, fazer comentários sobre a valia de um jogador na véspera de um jogo muito importante como já aconteceu com membros destes órgãos sociais [referências à críticas de Nuno Magalhães, presidente da MAG da SAD, a Schjelderup, no programa ‘Grandes Adeptos’, da Antena 1].

- Que medidas é que te teria tomado quando isso sucedeu?

- Eu acho que um presidente dos órgãos sociais da Benfica que faz comentários sobre a valia de um jogador na véspera de um jogo importante é alguém que não tem o sentido de responsabilidade para continuar a pertencer aos órgãos sociais do Benfica.

-Temos falado aqui do papel de diretor desportivo e já apontou algumas críticas também ao planeamento, nomeadamente da última temporada. Como é que avalia o trabalho de Rui Pedro Braz?

- Não sou eu que avalio, são os resultados que falam por si. Repare: quando nós temos o plantel mais caro de Portugal mas ganhámos um campeonato em quatro, ganhámos três competições em 16, temos uma situação de falta óbvia de coordenação entre as pessoas que trabalham no departamento de futebol. E, portanto, os resultados falam por si. O Benfica precisa de ser mais ganhador, precisa ter mais cultura de vitória e precisa que as pessoas que estão dentro da estrutura percebam que os interesses do Benfica estão acima de tudo.

- Bruno Lage é o treinador certo para essa estratégia, para essa filosofia, para essa cultura de vitória que quer implementar?

- Eu não vou fazer quaisquer comentários, mais uma vez, sobre nomes. Aquilo que eu lhe digo é: não foi seguramente por Bruno Lage que o Benfica perdeu este campeonato. O Benfica perdeu este campeonato porque houve mau planeamento, porque houve má gestão ao longo da época e o grande responsável é aquele que é o número um do clube. O grande responsável é o presidente Rui Costa.

- Mas faço-lhe a questão de outra forma, talvez assim possa responder: se, em outubro, for eleito presidente do Benfica, e Bruno Lage nessa altura for o treinador, contará com a sua confiança?

- Mais uma vez: não vou fazer nenhum comentário ou nenhuma observação que contribui para desestabilizar o Benfica quando temos um treinador que está à frente da equipa a disputar uma competição importante.

- Como é que olha para este processo de saída de Di María para o Rosario Central, após disputar o Mundial de Clubes? Tentaria renovar com ele?

- Olho como mais um exemplo de falta de liderança e de falta de coordenação entre a estrutura do futebol e o presidente. Nós não podemos ter um jogador que diz uma coisa e o presidente depois afirma o seu contrário. Acho que Di María, pelo seu passado, por aquilo que representa no futebol mundial, e por aquilo que representou no Benfica, merece sair com o reconhecimento de todos, que no fundo é aquilo que nós fazemos com os grandes jogadores que passaram pelas nossas equipas.

- Se fosse já presidente, renovaria com Otamendi?

- Não vou fazer quaisquer comentários sobre os jogadores. O que mais uma vez lhe garanto é que tenho uma equipa pronta, sabemos o que é o Benfica, temos uma estrutura preparada para começar a trabalhar e essas decisões serão tomadas na altura própria, quando se justifiquem, e não teremos uma situação em que as pessoas adiam e não decidem. E vamos procurar fazê-lo em todas as instâncias, incluindo não só com as contratações, como com as renovações com os jogadores.

- Coloca muito o foco na vontade de segurar os jogadores da formação, jogadores com cultura do clube, e também de eventuais regressos de jogadores que estão identificados com o clube. Há dois nomes que têm sido falados com vista a um eventual regresso: Bernardo Silva e João Félix. Mais do que perguntar se é favorável ao regresso destes jogadores, perguntava-lhe se será viável, a curto prazo?

- Todos os grandes jogadores são bem-vindos ao Benfica, principalmente aqueles que começaram connosco, como os dois exemplos que deu. Eu estarei à espera de qualquer grande jogador - uma estratégia, uma estrutura - para o fazer campeão pelo Benfica. É isso que eu quero e é isso que eu farei com qualquer grande jogador que entre para defender as cores do nosso clube.

- Mas financeiramente será viável, dentro do seu projeto?

- O problema do Benfica não é gastar mais ou menos. O problema do Benfica é que gastou mal. O Benfica tem condições financeiras para atrair bons jogadores. Agora, tem de existir bom senso e sentido de responsabilidade. Aquilo que não existiu muitas vezes no passado, como já tivemos oportunidade de ver, pois foram contratados jogadores como se fosse uma lista de supermercado, sem perceber que valor acrescentado é que eles tinham, se encaixavam dentro do modelo de jogo de um treinador. E isso é uma coisa que vai ter de mudar e que comigo mudará no Benfica.

- O Bernardo vive muito também o seu papel de adepto e de sócio. Espera contar com o apoio dele enquanto associado?

- O Bernardo Silva é um enormíssimo jogador e um grande benfiquista e aquilo que eu lhe desejo é toda a sorte do mundo do ponto de vista profissional e ele merece-a.

- Qual é o seu jogador preferido do plantel atual?

- Eu vou ser presidente do Benfica em outubro e, portanto, não vou estar a fazer avaliações individuais. Para mim, todos os jogadores que fazem parte do plantel do Benfica são importantes. E é com todos eles e os que forem jogadores na altura que eu vou contar e vou criar as condições para que esses jogadores sejam campeões no nosso clube e que ganhem muito mais do que aquilo que tem sido nos últimos quatro anos.

- Qual foi o melhor momento que viveu na última temporada? E o pior?

- Acho que o melhor momento que eu vivi na temporada não foi um, foram todas as deslocações que eu fiz para apoiar o Benfica, juntamente com a minha família. Estive em Munique, no Mónaco, Arouca, Aves, Faro... São sempre momentos muito especiais que vivo com a minha família e vivo-os também com todos os benfiquistas. E é extraordinária, por exemplo, em alguns desses locais, a receção que os adeptos fazem ao autocarro da equipa. Apoiarem a equipa do primeiro ao último minuto, mesmo quando a equipa não está a ganhar. São os momentos que eu guardo na minha memória.

- E o que é que os sócios mais lhe diziam, nesses jogos?

- Diziam ‘vamos todos ganhar, vai ganhar o Benfica’. Quando estou a ver os jogos do Benfica, não estou lá para fazer promoção pessoal, estou lá para apoiar o Benfica. E é isso que faço juntamente com eles, tornando estes momentos aquilo que eu mais gosto de fazer, que é ir ao futebol, sentar-me no meio dos adeptos. Eu não vou para camarotes, não vou para lugares privilegiados, tenho os bilhetes ao pé dos sócios e vivo o futebol como qualquer outro benfiquista. Relativamente ao pior momento: para mim foi o jogo com o Sporting em casa, em que eu estava perfeitamente convencido que nós íamos ser campeões, foi o pior momento que vivi.

- Vamos olhar aqui também para outras equipas, como a de futebol feminino: como é que encarou esta opção da passagem do futebol feminino para SAD? É algo que subscreve?

- Acho que o futebol feminino está, hoje em dia, a ter uma relevância cada vez mais importante e com um potencial em termos desportivos também, mas também em termos de adeptos, extraordinário. Todas as mudanças que contribuam para centralizar o futebol feminino no local onde merece estar, ou seja, numa estrutura do futebol, para mim são positivos. Mas deixe-me só referir uma coisa, que tem a ver com a nossa formação, e eu há bocado não referi, mas quero reforçar: dar os parabéns aos nossos jogadores dos sub-17, que tiveram uma vitória extraordinária, e temos, inclusive, aquele que foi considerado o melhor jogador do torneio. É um enorme orgulho ver aqueles jovens a jogar como jogam. E eu espero, enquanto presidente do Benfica, dar-lhes todas as condições para que eles evoluam e para serem ídolos do Benfica e evoluam para a equipa principal. Porque, mais uma vez, e como eu já disse, o Benfica é o melhor a formar, mas não pode vender jogadores à pressa para depois a seguir ir comprar jogadores mal e por preços que não se justificam.

- Como é que olha para o trabalho que está a ser feito na formação e as condições que hoje em dia são oferecidas à formação? São boas ou há algo significativo a fazer?

- O Benfica tem uma das melhores formações do mundo, quanto a isso não há dúvida. Agora tem de criar condições exatamente para que os jogadores sintam que podem evoluir e ser ídolos e tornarem-se jogadores da equipa principal, com aqueles dois pontos que eu já lhe referi anteriormente. Temos de aproveitar os jogadores da formação, temos de lhes criar condições para ficar mais tempo connosco e temos, obviamente, no meio de tudo isto, ter esta ideia muito simples, que é formar os jogadores para que eles ganhem. O nosso objetivo não é formar jogadores para que eles sejam vendidos à primeira oportunidade.

- A filosofia para as modalidades continua a ser um vice-presidente único, com esse pelouro, e depois um diretor-geral, acima dos team managers de cada equipa?

- Nas modalidades temos um problema que é transversal a todo o clube, que é falta de liderança e de competência. Eu tenho um vice-presidente dedicado a tempo inteiro às modalidades. Acho que o ecletismo do Benfica é demasiado importante para ter alguém em part-time. É alguém que vai estar completamente dedicado ao clube, que perceba a importância que as modalidades têm para a nossa identidade, que consiga criar uma estrutura profissional em que cada um sabe aquilo que se vai fazer, e que tenha também capacidades de gestão e de angariação de patrocínios e de receitas para as modalidades, estando em cima de um diretor-geral das modalidades que vai, no fundo, ser o primeiro executor dessa estratégia.

- E esse nome já podemos saber?

- É um nome que já está escolhido, já está a trabalhar comigo e vai corporizar tudo aquilo que eu lhes disse. Identidade e competência.

- É alguém com experiência na área das modalidades?

- É alguém que tem um conhecimento daquilo que é a importância do ecletismo no Benfica e que tem importância da cultura de vitória, mas também com capacidade de organização e de gestão, que é fundamental ter nas modalidades. E deixe-me só acrescentar mais um ponto que é muito importante e que tem a ver com a transparência. É preciso que os sócios do Benfica percebam aquilo que nós estamos a gastar com cada uma das modalidades. E isso é algo que não acontece, hoje em dia. Obviamente que precisamos de competência, precisamos de reganhar identidade e cultura de vitória, mas também precisamos de transparência. Nós temos de perceber como é que estamos a gastar o nosso dinheiro e onde.

- Que balanço faz desta época, ao nível das modalidades também? Algumas competições acabam mais tarde, mas já consegue fazer um balanço?

- O balanço é negativo. Devo, em primeiro lugar, dar os parabéns, nomeadamente às modalidades femininas, que conseguiram ganhar. Mas a nível das modalidades masculinas, ainda não estando terminada a época, arriscamos ter uma das piores épocas de sempre. E o Benfica nas modalidades tem de ser um Benfica que não está apenas a criar equipas para competir, mas equipas para ganhar. E, portanto, o balanço que eu faço é naturalmente negativo.

- Pretende recuperar algumas modalidades ou, eventualmente, até lançar secções novas?

- Antes de mais temos de arrumar a casa. Definir para onde é que queremos ir nas modalidades, definir quem é que são as pessoas que estão melhor capacitadas para ajudar a fazer isso, definir o investimento certo para cada uma das modalidades. Aquilo que eu quero garantir aos benfiquistas é que as nossas modalidades terão condições para ganhar. E para isso vamos ter também nas modalidades os melhores, e que possam interpretar esta filosofia.

- O Estádio da Luz já apresenta alguns obstáculos. Falou há pouco até da experiência do adepto em dia de jogo. O estádio já questões como a relação entre a procura e a oferta de lugares anuais, a própria oferta da experiência do adepto. Que ideias em concreto é que tem para esta vertente do estádio e daquilo que oferece aos adeptos?

- Eu estudei profundamente a realidade que se passa no Benfica e também passei estes meses a estudar aquilo que se passa noutros clubes lá fora. A melhoria da experiência de dia de jogo é muito importante. E isso, como eu tinha dito, passa por duas coisas, na minha opinião. Essa melhoria da experiência pode começar fora do estádio. Acho que a zona envolvente do Estádio da Luz tem uma capacidade enorme de dinamização e de trazer receitas acrescidas ao Benfica, muito para além daquilo que acontece hoje. Para isso é preciso ter vontade de organizar, escolher os melhores, ter uma série de atrativos tanto na área digital como na área do entretenimento, que podem perfeitamente ter lugar, até tendo em conta os nossos patrocinadores. Esta é uma área na qual eu tenho alguma experiência, porque eu trabalhei muitas vezes com a UEFA e com a FIFA, nomeadamente na ativação das fan zones, e portanto há aí um mundo de oportunidade para o Benfica e que pode gerar mais receitas. E depois acho que a experiência dentro do estádio também pode ser melhorada. A experiência não tem de ser duas horas, acho que o Benfica tem de criar mais dinamização dentro do estádio, com mais eventos, que façam com que as pessoas, inclusivamente, estejam lá mais tempo e que desfrutem do Estádio da Luz de uma forma completamente diferente.

Mas relativamente à ligação com os adeptos, eu gostava de acrescentar que é fundamental que o Benfica conheça melhor os seus adeptos. E há um grande investimento que tem de ser feito também na área digital. Os adeptos do Benfica não podem ser inundados de SMS a prometer a compra de produtos sobre os quais não temos qualquer interesse. Para isso o Benfica tem de perceber melhor quem são os seus sócios. O que é que eles querem? O que é que aquela família pode querer. E para isso nós temos de investir na área digital, naquilo que se chama o CRM. E isto leva-me a outro ponto, que é muito importante que o Benfica, ao lado de uma estratégia desportiva, tenha também uma estratégia comercial. E elas não são separadas. Qualquer clube de topo da Europa – e já nem vou aos Estados Unidos - faz com que estas duas áreas convirjam. Sem prejudicar, obviamente, o balneário, que tem de estar blindado. Mas temos de criar uma maior ligação aos adeptos. Conteúdos digitais muito mais frequente, os jogadores estarem mais disponíveis. Isto faz parte daquilo que é a forma moderna de gerir e a forma moderna de gerar essa ligação em momentos, não só durante o jogo, mas depois. E também nesta área eu vou estar acompanhado das pessoas certas para o fazer e que têm uma grande experiência também em ativar este tipo de ferramentas e este tipo de ações entre os adeptos e a equipa.

- Imagino que, neste campo, também não queira já revelar nenhum nome...

- Não, a pessoa será conhecida a seu tempo.

Veja a entrevista na íntegra: