ENTREVISTA A BOLA «Estrutura do Sporting é aquilo com que qualquer treinador sonha»

INTERNACIONAL10.06.202510:00

Técnico português abordou a sua passagem pelos leões, com Jesualdo Ferreira, em 2013, e também um possível regresso a Portugal, comentando ainda o Mundial de Clubes, afirmando que gostaria de ver uma final entre FC Porto e Benfica

Rui Almeida, treinador do Difaa El Jadidi, em Marrocos, esteve à conversa com A BOLA e abordou vários temas, entre eles o Mundial de Clubes, em que vão participar FC Porto e Benfica, mas também uma equipa marroquina, o Wydad. Para além disso, também se mostrou satisfeito pela temporada do Sporting, no qual já foi treinador-adjunto de Jesualdo Ferreira, em 2013, e recordou a passagem pelo Gil Vicente, garantindo que está disponível regressar ao seu país.

- Sente-se tentado em trazer jogadores portugueses ou da Liga portuguesa para Marrocos? Ou essa não é a sua forma de trabalhar?

- Essa é sempre uma pergunta interessante. Já os levei para vários locais. Há sempre uma adaptação. Eu, sinceramente, aproximo-me sempre à questão... pode ser português, pode ser francês, pode ser brasileiro, naturalmente, ou de qualquer país. Eu acho que a questão da competitividade é importante, a adaptação, e depois a questão financeira. Pode não ser possível. O jogador português tem qualidade, muita qualidade, e às vezes não é possível levar um jogador português para o nível de qualidade e competitividade de Marrocos, porque é alto. Já temos que levar jogadores também de um nível alto, e aí não é fácil, porque os melhores jogadores portugueses ou estão na primeira Liga Portuguesa, nos melhores clubes, ou estão na Europa. E na Europa também, em termos financeiros, é muito competitivo. Portanto, só por isso, não teria problema nenhum em levar. Naturalmente, seria um prazer.

- Marrocos vai ter uma equipa no Mundial de Clubes, precisamente o Wydad, que ainda não defrontou, mas o que espera que eles possam fazer num grupo com Manchester City, Juventus e Al Ain?

- O Mundial de Clubes é como o Mundial e o Europeu. O primeiro jogo vai ser muito importante, naturalmente. Fazer um bom resultado no primeiro jogo. Não tenho dúvida nenhuma que eles vão ser competitivos. Naturalmente, num grupo com a Juventus e com o Manchester City, não é fácil. Não passando mais que dois clubes, fica muito difícil, sendo realista. Agora, os jogos vão ser competitivos. Não só pela qualidade deles, mas também pela ambição deles. Eles vão estar muito motivados nos jogos, naturalmente, as equipas europeias também. As equipas africanas e asiáticas vão estar tão ou mais motivadas que as equipas europeias nos primeiros jogos. Nem para mais num primeiro jogo, que vai ser muito interessante, mas esse grupo e todos os outros grupos vão ser muito competitivos.

- E já agora também o que espera do FC Porto e do Benfica no torneio. O FC Porto que vai defrontar uma equipa africana, o Al Ahly, do Egito.

- O Mundial de Clubes, sinceramente, espero o melhor para as equipas portuguesas, naturalmente, que cheguem à final. Se possível, seja uma final Benfica-FC Porto... era interessantíssimo. Mas vai ser interessante mesmo para as pessoas que não acompanham tanto o futebol africano ou o asiático. Eu já estive dos dois lados e, naturalmente, na Europa, em Portugal e em França, tem um bocadinho o barómetro da competitividade. Vai ser interessante para as pessoas que seguem menos esses mercados verem os jogos. Agora, há uma coisa que eu sei que aconteceu um bocadinho no jogo do FC Porto com o Wydad. O Wydad teve ali momentos em que poderia ter marcado e a equipa europeia não necessita de três ou quatro oportunidades para marcar um golo. Essa é a grande diferença entre uma equipa africana e asiática, que tem um bocadinho menos de maturidade e aí, as equipas europeias, em duas ou três ocasiões, vão fazer. 

- O Sporting não vai participar, mas como antigo adjunto leonino, como tem visto a reestruturação no clube e como viu a temporada que terminou com o primeiro bicampeonato em 71 anos e a dobradinha em 23?

- Eu fico muito contente. Para já, porque eu gosto muito do clube e, naturalmente, trabalhei lá. Segundo, porque o presidente é uma pessoa que eu estimo muito e que era o nosso médico na altura, o Dr. Frederico [Varandas]. Portanto, fico muito feliz. Acima de tudo, é aquilo que qualquer treinador sonha. É ter um clube estruturado, da direção ao diretor geral, ao diretor desportivo. E o treinador faz aquilo, participa em tudo que é a estruturação ou a organização de um clube, mas faz, fundamentalmente, aquilo que tem que fazer, que é treinar e gerir os recursos humanos que têm à sua disponibilidade. Não só os jogadores, mas todas as partes técnicas e médicas e tudo mais. Mas o clube, eu acho, que deu um passo gigante nesse ponto e, naturalmente, os resultados estão à vista. É muito claro o que aconteceu no clube e está organizado. Tem um plantel com enorme valor de mercado, recheado de jovens também, que é uma coisa importantíssima para a questão do futuro. Portanto, muito feliz por eles, mas não tenho dúvida nenhuma que vai ser um passo em frente também para os outros clubes, porque perceberam que é o único caminho para o sucesso.

- Jesualdo Ferreira esteve consigo no Sporting, na época em que terminaram no sétimo lugar. Quão difícil foi essa passagem, qual foi o momento mais complicado?

- Dar um passo atrás em relação a esse momento... foi um momento interessante, porque nós estávamos no Panathinaikos e o professor disse-nos um dia que íamos regressar a Portugal. E nós estávamos um clube gigante, no Panathinaikos, um clube interessantíssimo, mas, claro, ele queria treinar os três grandes. Faltava-lhe na altura o Sporting e voltámos. Só que o Sporting, na altura em que nós entrámos, estávamos a dois lugares da descida. Era uma coisa inacreditável. Um momento difícil. A direção do Godinho Lopes para a entrada do presidente Bruno Carvalho, um momento de alguma instabilidade. A Juve Leo não ia ao estádio, era um panorama difícil. Alguns jogadores tiveram que sair por questões financeiras e, portanto, nós montámos naquela segunda fase uma equipa de muitos jovens. Se olhar um bocadinho assim, de repente, o Bruno, o Eric Dier, o Tiago Ilori, o Ricardo Esgaio, o João Mário. Só de repente. Nós tínhamos ali dois ou três jogadores mais maduros. O Rui estava. O Cédric também era muito novo. O Adrien era muito novo. Portanto, era uma equipa muito jovem e, mesmo assim, ficámos a dois pontos da Europa. Infelizmente, não nos qualificámos, mas foi uma aventura. É um clube que eu, quando entrei e quando treinámos o Sporting, eu percebi que não podemos recusar nunca um clube grande.

- Trabalhou em vários clubes portugueses, alguns de grande nível, ganhou muita experiência em França. Porque é que não funcionou no Gil Vicente? Até se estreou a vencer, estava invicto nos primeiros três jogos e depois sofreu quatro derrotas consecutivas, embora tenham sido com FC Porto, Sporting, Vitória de Guimarães e, por fim, Nacional. Não lhe deram tempo suficiente? 

- A história do Gil é uma história daquelas que eu mais gosto, que é quando uma pessoa vai para um clube com um diretor desportivo, neste caso, um diretor-geral, que era o Dito. Infelizmente, aconteceu a fatalidade que aconteceu e depois deixou-se de fazer sentido, digamos assim. O projeto era sentido no Dito. A minha vinda, eu estava em França, em plena época. Depois surge o Covid. Estamos a falar de 2020, é o ano do Covid. Eu, a par do Ruben Amorim, fomos os primeiros treinadores a ter Covid na Liga, tanto que o nosso jogo é adiado. Era o primeiro jogo de campeonato e foi adiado. Portanto, eu acho que há circunstâncias, às vezes, difíceis de explicar. A questão do Dito. Eu conheci o Dito há muitos anos e o convite veio por conhecimento próprio, até porque ele tinha sido atleta do professor. E, claro, quando ligou para o professor a perguntar por mim, foi muito fácil a questão. Já me conhecia e depois, quando ligou para o professor, teve, digamos, a certeza do que queria fazer. Mas depois, também da forma como eu cheguei tão rapidamente, deixou-me de fazer sentido a minha presença no clube. E foi isso que levou um bocadinho à saída também. O não estar é uma questão de oportunidade só, mais nada. É uma questão de chegar no clube certo, com as ideias certas. Eu não falo projeto, porque a palavra projeto é um bocadinho... com as ideias certas. A pergunta que fez relativamente ao Sporting é a questão certa. A estrutura certa, com as ideias certas, e que quer aquela pessoa, porque acha que tem as ideias certas, também, para o clube e que entende. Porque o resto está tudo lá, não é? Experiência internacional, experiência nacional, fora, dentro, mercados assim, mercados assado. Isso a pessoa tem. É uma questão só mesmo de chegar às pessoas certas, no momento certo, com as ideias certas. Digamos, no momento certo, que é o futebol, que é tudo a ver com oportunidade. 

- E teve novas propostas para regressar a Portugal? Está nos seus planos?

- Sim. Portugal tem que estar. Eu sou português e tem que estar. Eu, como português, estando aberto a trabalhar no mundo inteiro, desde que seja algo que me mantenha a minha paixão. A minha paixão pelo futebol que vem desde criança quase. É quase um vício. A paixão no futebol dos treinadores, da minha paixão, é quase um vício, portanto, enquanto essa paixão estiver muito acesa, como está, trabalhar em Portugal, claro que terá de ser um objetivo, naturalmente. Havendo esse convite, havendo esse ponto. Portanto, o mercado que é o global, não seria lógico excluir o meu país, naturalmente. Pode ser possível, havendo o projeto certo, as ideias certas, com as pessoas certas. 

- Após sair do Gil Vicente, fez uma pausa de quase dois anos na carreira. Isso deveu-se a motivos pessoais, profissionais ou foi um pouco da frustração pelo que aconteceu em Barcelos?

- Não, eu acho que foi um bocadinho... até porque achei aquele momento do Covid... Sabe que eu estava há muito tempo fora? Desde quase 2012, com aquela interrupção no Sporting e SC Braga. Estive sempre fora. Aquele momento do Covid foi um momento diferente para todos, e eu aproveitei e fiquei. Aproveitei a família. Já estava há tanto tempo fora de Portugal. Acabei por entrar no Gil Vicente. Depois houve ali, normal, um ou outro convite que eu acabei por não aceitar.

- Depois foi para a Argélia e também para a Arábia Saudita. Queria-lhe perguntar mais sobre o panorama na Arábia Saudita. Esteve lá há pouco tempo. Mas como é que viu, visivelmente, o futebol no país? E também se houve problemas na questão de salários, como aconteceu agora em Marrocos, ou não?

- Não, a Arábia Saudita é outro ponto. Também é um bocadinho público em relação às questões. Não tem a ver com essa questão, porque o problema do dinheiro tem a ver com os clubes do Rei, e isso é que são realidades absolutamente diferentes. Dentro do mesmo campeonato são campeonatos diferentes, e isso é público em relação a todos os treinadores. Estavam muitos treinadores, tanto na 1ª como na 2ª Liga da Arábia Saudita, que são campeonatos competitivos pela dimensão e quantidade de jogadores estrangeiros que estão. E treinadores estrangeiros que estão. Portanto, isso é muito claro. A qualidade dos estádios é elevada, a qualidade dos terrenos é elevada. Naturalmente, a vida é muito diferente. Se comparar isso com Marrocos, não tem comparação. A qualidade de vida que eu tenho em Marrocos não é comparável com a da Arábia Saudita. Portanto, é muito diferente. Quando estamos a falar da competitividade da liga marroquina, estamos a falar da competitividade com os jogadores marroquinos. Não com os estrangeiros. É com os jogadores marroquinos. E aí vê-se a qualidade verdadeiramente do futebol marroquino. Ali não. Estamos a falar de competitividade com os jogadores estrangeiros e alguns de primeira linha da Europa. Portanto, estamos a falar de algo muito diferente. Muito, muito, muito diferente. A Argélia é muito à parte. Aceitei só por uma razão. É o clube com mais títulos na Argélia. O objetivo era, naturalmente, chegar ao título. Não foi possível, mas é só por isso. Fui para o clube com mais títulos na Argélia e tentar fazer crescer o clube. Seguimos. Depois disso, fui à Arábia Saudita e agora a Marrocos.

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