Revolução em França. E por aqui?
Vale a pena estarmos atentos ao que se passa em França: políticos e dirigentes desportivos estão na iminência de provocar uma revolução nas competições profissionais de futebol, aproximando-se do modelo inglês, com a extinção da atual Liga e substituindo-a por uma empresa da qual todos os clubes serão acionistas, mas não donos. Uma Premier League à gaulesa, cuja Direção não é eleita, mas nomeada.
A diferença relativamente ao modelo atual estará precisamente aqui e merece uma reflexão: os clubes não parecem oferecer resistência, mesmo que percam poder. Transpondo para a realidade portuguesa, seria algo do género: Benfica, Sporting e FC Porto (só para citar os grandes) seriam acionistas de uma sociedade e quanto mais lucro desse a empresa, mais ganhavam; nem Benfica, nem Sporting nem FC Porto iriam andar num pé de vento para eleger o presidente da Liga porque esta nova entidade teria um conselho de administração nomeado e não eleito; as assembleias gerais da Liga para aprovar regulamentos (disciplina ou de competição) pura e simplesmente desapareceriam e essa responsabilidade passava para a Federação, com um papel verdadeiramente regulador.
Pode soar estranho, mas é precisamente isso que os franceses se preparam para fazer: colocar os clubes como donos do espetáculo mas não donos da organização; acabar com a autorregulação e entregar esse papel à Federação Francesa de Futebol (FFF) no seu papel de mediador entre as competições e o Estado.
Muitos dirão que uma mudança tão radical só acontece em caso de desespero ou por um estado elevado de maturidade. Não parece ser nenhum dos casos: há um óbvio problema na Ligue 1 de desequilíbrio face ao poder do PSG, mas é um campeonato que continua a formar grandes jogadores e tem estádios cheios; por outro lado, maturidade é relativo quando vemos o dono do Lyon a aparecer de chapéu de cowboy como resposta a provocações do homólogo do PSG ou a invasões de campo muito piores que a do senhor do Benfica no final do dérbi, coitado, só quis desabafar.
O que realmente fez a diferença neste processo foi a existência de uma visão, arrojo e iniciativa. Aquilo que, no fundo se pede a quem dirige, seja na política ou no desporto. Aqueles que têm a responsabilidade de fazer alguma coisa perante os sinais de preocupação.
O mais curioso é verificar que projeto não é original, mas uma adaptação (para não lhe chamar mesmo uma cópia) do modelo da Premier League. Quem conhece os franceses e a sua história sabe o quão difícil é engolir o sapo e admitir que os ingleses fazem algo muito melhor do que eles, mas assumem-no sem problemas. Um problema que não se coloca aos portugueses, cujo orgulho nacional é muito mais baixo relativamente ao dos gauleses e que adora copiar o que vem lá de fora. Estranhamente, no entanto, no futebol luso teima-se em continuar a ignorar as boas práticas europeias, mantendo-se um modelo datado há muito tempo: regulamentos criados à medida dos clubes e não em prol de um interesse comum, modelos de gestão arcaicos e um permanente sectarismo.
Vamos apenas imaginar o seguinte: se no final de um Liverpool-Man. United um adepto entrasse no relvado e fizesse ameaças físicas ao juiz, tudo ficaria reduzido a uma multa? Quando tivermos um real alcance da resposta talvez entendamos o quão necessária é uma revolução à francesa.
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