Argentino deveria ser caso de estudo sobre o que não se deve fazer na gestão de uma jovem promessa do futebol mundial. Mesmo com eventuais condicionantes que existam
Há um plano para Prestianni!» As palavras são de Bruno Lage, ditas convictamente há semanas. Soubemos, entretanto, através de A BOLA, que o processo estipulado para o jovem não está concluído, que o treinador principal e a restante equipa técnica continuam a poli-lo, a fim de que se transforme no belo diamante de muitos quilates que viram quando o descobriram nas Pampas argentinas, depois de um garimpo com investimento de 9 milhões de euros.
Nos intervalos da execução do planeado, Prestianni pontuou aqui e ali na B e jogou as duas mãos das meias-finais da Taça com o Tirsense. Não foi titular. Entrou no decorrer dos dois jogos e, mesmo assim, acabou entre os melhores. Depois de Barcelos e do golo e da assistência, voltou à sombra. Agora, muito provavelmente, para lá novamente voltará. E talvez já não o voltemos a ver esta época.
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Esta é, normalmente, a altura em que relativizamos: o Tirsense compete no quarto escalão, o que facilita e potencia melhores exibições. Só que o contexto do miúdo que aprendeu a dar os primeiros pontapés nas canchas de Ciudadela é aqui o mesmo que tiveram Tiago Gouveia, Dahl, António Silva, Florentino, Barreiro, Schjelderup, Bruma, Arthur Cabral, Belotti e Amdouni, só para citar os mais habituados às chamadas de Lage. Algum deles terá sido melhor?
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Além disso, com a eliminatória mais do que resolvida, o treinador resolveu brindar os adeptos com um absolutamente desnecessário 4x4x2 raso, com dois médios de contenção, ainda que com algum usufruto de liberdade por parte do luxemburguês, mas sem qualquer lampejo de criatividade. Juntou-lhes dois avançados-centro parecidos, nada associativos, e alas e laterais com ordem para subir.
Os ataques esbarraram em bolas perdidas no corredor interior e os cruzamentos, para os quais a equipa estava naturalmente condicionada pelo onze elaborado, foram com maior ou menor dificuldade controlados pelos de Santo Tirso. Uma ou outra bola em profundidade, as individualidades, as bolas paradas e o desgaste físico nos visitantes acabaram por criar o resultado, porém não a exibição ou sequer o conceito de utilidade para as águias. É claro que Hugo Félix, Tiago Gouveia, João Veloso e outros agradecem os minutos, mas estes não significam necessariamente que passaram a ser aposta. Ficarão até ver apenas como memórias.
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Em vez de aproveitar para trabalhar o ataque posicional, problema de há muito, ou testar jogadores diferenciados, o técnico das águias escolheu um caminho que só ele vislumbrou e entende. A segunda mão da meia-final com o Tirsense serviu sim para constatar os problemas de sempre, agravados pelo menor número de soluções no relvado.
Atenção, não acho que La Pulga deva ser favorecido em relação aos demais jovens do Seixal – tanto a formação como a prospeção têm andado um pouco à sua sorte nos últimos anos no clube –, no entanto, também aqui há diferenças. Prestianni era titular no Vélez, um dos principais clubes argentinos, e só perdeu esse estatuto depois de problema disciplinar. Já tinha, vale o que vale, rótulo de novo Messi e vários tubarões europeus atentos.
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O Benfica antecipou-se e o argentino viajou antes dos 18 anos para se ambientar à cidade e ao clube e, por fim, assinar legalmente. Entretanto, lesionou-se, somou alguns jogos pela equipa B até que Roger Schmidt, durante a última pré-temporada, começou a acreditar que poderia ser ele a desempenhar o papel de ligação entre meio-campo e ataque, como segundo avançado.
Não resolveu todos os problemas da equipa, porém também não foi apenas por ele que o arranque foi trémulo. Schmidt saiu após o empate com o Moreirense, o seu último enquanto titular. Perdeu o lugar para Rollheiser na estreia de Lage e depois foi Aursnes a ocupá-lo, ainda que tenha entrado nos três jogos. Lesionou-se, falhou quatro partidas e ainda voltou ao banco em três da Liga, sem pisar todavia o relvado. Caiu finalmente no esquecimento. O mesmo foi acontecendo com o compatriota, também ele alguém em que Schmidt depositava confiança.
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Admito que Prestianni peque pela personalidade. Em campo, das poucas vezes, vimo-lo algo fechado em si mesmo, sem falar, preferindo dialogar com combinações e passes decisivos, e irreverência ainda na altura de atirar de longe. Quando festeja também se sente a arrogância de quem sabe o que vale. Somam-se as tatuagens. Eventualmente lgum comportamento fora de campo. É possível, já o tinha tido na Argentina. Se houve, será que em vez de se tentar formatar, não se pode canalizar essa personalidade, essa necessidade de se expressar, essa arrogância positiva, de forma útil?
Não vemos tudo, não sabemos tudo, mas o que parece óbvio é que não há um plano ou se há não é para que todos o percebam. Tenho dúvidas de que esta seja a melhor gestão de uma grande promessa em que o clube realmente acredita, que vê explodir no próximo ano, por exemplo. Prestianni não é um jogador de equipa B, nunca deveria ter por lá passado, a não ser que fosse para recuperar de lesão ou o ritmo.
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Chateia-me o preconceito, o não saber lidar com a diferença. Best, Maradona, Cantona, Garrincha, o futebol tem mil e um exemplos de jogadores que não só pensavam fora da caixa como tinham de viver todos os minutos foram dela, num mundo só eu, para que pudessem ser geniais. No caso de Prestianni, e depois de vários erros de análise no passado, o Benfica tem de voltar a perguntar-se: o que é que o argentino tinha de especial quando o contrataram? Perdeu-o irremediavelmente? Deram-lhe todas as condições para desenvolver o potencial? Tomaram todas as decisões mais indicadas? Integraram os treinadores no processo? Traçaram, agora sim, em conjunto, o tal plano?
Nem todos os jogadores cumprem as expetativas, mas na Luz nunca esteve um, que me lembre, que recolhesse tantas, sobretudo no seu país e na Europa, ainda que sobretudo para lá das fronteiras de Portugal. Será que Rui Costa e Bruno Lage já desistiram? Acreditam que Prestianni já veio assim ou entretanto ganhou bicho?