Hulk e Gyokeres na mesma equipa
Tantos anos a ver futebol e ainda consigo ser surpreendido com a mestria dos artistas em campo, arregalar os olhos de espanto com o mesmo entusiasmo daqueles verdes anos em que a transmissão de um desafio em direto na TV, anunciada em cima da hora, era festejada como se fosse o primeiro prémio da lotaria.
Nem tudo está perdido, portanto, o desporto-rei — aqui fica a minha vénia à realeza — continua a ser mágico, embora já consiga antecipar a maior parte dos truques e ver alguns coelhos antes de saírem da cartola.
No sábado, 20 de julho, ao fim da noite, enquanto espreitava o Palmeiras-Atlético Mineiro, da 15.ª jornada do Brasileirão, não suspeitei sequer que o senhor Givanildo Vieira de Sousa fosse capaz de tirar um coelho da cartola no momento em que ajeitava a bola e se preparava para marcar um livre direto, em posição frontal, descaído para a esquerda, a cerca de duas dezenas de metros do alvo.
Certo é que Hulk, o super-herói cuja pigmentação original é verde mas em Portugal fazia estragos de azul e branco, disparou de pé esquerdo e a bola entrou no ângulo superior direito da baliza do verdão à guarda de Weverton.
Uma ode à estética que misturou técnica, precisão e potência, atributos que garantiram ao avançado internacional brasileiro o segundo da conta pessoal, de livre, claro, este desferido da meia lua igualmente com destino às redes dos locais a selar o 3-2 final a favor da equipa de Abel Ferreira.
Na sexta-feira, 25 de julho, Hulk celebrou o 39.º aniversário, dia de festa também para Viktor Gyokeres, que, finalmente, viajou para Londres, onde prosseguirá a carreira ao serviço do Arsenal, partida assinalada com fotografia em jato privado a cumprimentar o empresário Hasan Çetinkaya. Ao cuidado, pois, de quem só quis fazer do agente o mau da fita no deplorável e tóxico processo que conduziu à saída do sueco pela porta dos fundos de Alvalade...
Mas que fazem Hulk e Gyokeres juntos nesta prosa? Um e outro, quando foram manchete por reforçarem FC Porto (2008) e Sporting (2023), ambos oriundos de escalões secundários, fizeram-me torcer o nariz ao mérito das contratações, talvez culpa do preconceito de chegarem da segunda divisão do Japão e de Inglaterra. Agora, inúmeros coelhos tirados da cartola depois, Hulk e Gyokeres ganharam o direito a figurar na (minha) lista dos melhores da história do futebol nacional. Uma distinção justificada pelos registos pessoais, medidos em golos e assistências, e coletivos, tal o impacto que tiveram nas conquistas coletivas de dragões e leões. Em 170 encontros de azul e branco, Hulk assinou 77 golos e 51 assistências, percurso abrilhantado por 4 Ligas, 3 Taças de Portugal, 3 Supertaças Cândido de Oliveira e 1 Liga Europa. E que dizer de Gyokeres? 97 tiros certeiros e 27 passes decisivos em 102 partidas, que contribuíram para 2 Ligas e 1 Taça de Portugal.
Com ou sem falhas tectónicas por perto, Hulk e Gyokeres provocam terramotos com uma força bruta que acompanha um talento único e indiscutível. E é tudo isto que me fascina neste jogo que parece ter já mostrado tudo, mas que guarda surpresas para os que não deixam morrer o olhar de criança. O relvado continua a ser um palco no qual heróis improváveis se transformam em lendas. Quem será o próximo?