«Quero deixar marca no futebol português»
Com a eleição de Pedro Proença como presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ficou livre a principal cadeira na Liga Portugal. Depois de ouvirmos as propostas do candidato José Mendes Gomes, é agora altura de darmos a palavra a Reinaldo Teixeira, que com ele disputa a liderança da Liga. Algarvio de 60 anos, com vasta experiência profissional, aposta numa equipa de gestores de topo para devolver pujança ao futebol profissional. Centralização e quadros competitivos são temas incontornáveis numa conversa onde se falou muito de honra e respeito pela palavra...
— O que é que o leva a candidatar-se a presidente da Liga de Clubes?
— Tenho uma história empresarial de 42 anos, os quase 30 anos em que estou na Liga, onde já assisti a mais de 1500 jogos, fazem com que perceba as Sociedades Desportivas (SAD), e entendi que, nesta fase tão importante do futebol profissional, poderia acrescentar valor. Fui incentivado e desafiado, e achei por bem abrir essa porta. E cá estou, muito satisfeito pelo que vivi ao longo destes últimos meses, nas conversas com as várias SAD.
—Em que momento iniciou os contactos com os clubes, visando a Liga?
—Quando me coloquei a questão de poder concorrer à Liga, já era claro que Pedro Proença...
—Esse era o segredo mais mal guardado em Portugal...
—...ia concorrer à Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Em fins de outubro, princípios de novembro do ano passado, começou a tornar-se realidade a possibilidade de concorrer à Liga.
—E qual é o sentimento?
—Nas viagens que já fiz pelo País, do meu Algarve a Trás-os-Montes, passando pelas Ilhas, colhi sinais de enorme incentivo, o que me reforça a confiança de que serei vencedor nestas eleições.
— Chegou até a ter um consenso muitíssimo alargado nas intenções de voto das SAD. Surpreendeu-o a chegada de um novo concorrente, agora já na fase final do processo?
—Como sabe, nesta caminhada surgiram vários candidatos, que foram desistindo da ideia e, sinceramente, esta era uma candidatura que não estava prevista, a do professor universitário José Mendes, atual presidente da Assembleia Geral (AG) da Liga. Longe disso. Tinha, inclusivamente, falado comigo, dizendo-me que iria permanecer na AG e que depois haveria uma intenção de Pedro Proença, para que fosse para a Football School da FPF. Por isso, para mim, o aparecimento da candidatura de José Mendes foi uma surpresa. Inclusivamente, para estas eleições, uma série de clubes manifestaram-se no sentido de serem realizadas mais cedo.
CONVICTO DA VITÓRIA
—Estas são eleições especiais: para ser eleito, um candidato precisa de ter, pelo menos, 27 votos, num colégio eleitoral que tem um máximo de 52. O seu adversário afirma acreditar que já tem os votos suficientes para ganhar. Qual a sua reação?
—Na próxima sexta-feira logo se verá. Naturalmente, quem concorre tem essa linguagem. Eu, sinceramente, estou muito convencido de que no dia 11 sairei vencedor.
—De onde deriva essa convicção?
—Simples. Entreguei, na quarta-feira passada, o dossier da candidatura com 17 subscritores, ou seja, metade das SAD com presença na Liga, que, como sabe, são 34. Mas, à parte disso, várias SAD garantiram-me o seu apoio, mesmo sem terem subscrito a candidatura. Tenho razões, pois, para estar muito confortável e confiante de que no dia 11 de abril sairei vencedor.
—Mas com tantos anos de Liga sabe, com certeza, que em eleições anteriores houve surpresas, em circunstâncias análogas...
—Na vida há sempre surpresas, mas também seria injusto se não dissesse que estou habituado a que as pessoas tenham palavra. Pode ter havido um caso ou outro, pontual, mas nestes meus 60 anos de idade, com 42 anos de atividade profissional, e quase 30 anos na Liga, estou habituado a que tenham palavra. Ao contrário do que querem fazer crer, irá confirmar-se o valor da palavra. Quando digo que estou convicto da minha vitória, não me baseio em suposições, mas sim em atos, objetivos, muito frontais, muito diretos, que mostram quem está com a minha candidatura. Será por isso que têm surgido situações que apenas visam desestabilizar.
ATAQUES PESSOAIS
— A propósito do que acaba de dizer, como é que entende os comunicados que saíram, começando pelo do SC Braga, que diz que devia suspender a sua atividade de Coordenador dos Delegados das competições profissionais durante a campanha eleitoral?
—É a opinião do SC Braga. Só estranho é que não diga isso de igual forma quanto ao meu adversário, o académico, José Mendes, ex-presidente da AG bracarense, e atual presidente da AG da Liga, cuja equipa irá averiguar se os dossiers de candidatura estão conformes, ou não. Só estranho isso. Se se mantém nessa função é porque na Liga assim o permitem. Mas muito antes destas conversas, eu, antecipadamente, disse dentro da Liga, e, em particular, aos delegados, que iria apresentar a demissão antes do ato eleitoral. Disse-o e irei fazê-lo. Assim como, também, ao longo destes últimos três meses, não fui a mais nenhum estádio, como Coordenador dos Delegados. Fui sempre como candidato.
— Qual foi, nesse período, a sua atividade como Coordenador dos Delegados da Liga?
—O que fiz? Simples: as nomeações normais dos delegados. E fico muito honrado e satisfeito pelo mérito deles neste percurso de dez anos, sem reclamações das SAD. É o departamento da Liga com mais recursos humanos, com maior dimensão, e as SAD reconhecem o bom desempenho que teve. No fundo, este bom desempenho valorizou, e facilitou muito o meu cargo.
—Está à espera de mais ataques pessoais?
—Com tudo o que aconteceu nos últimos dias, estou preparado para que até às eleições surja tudo e mais alguma coisa. Entristece-me que seja esse o caminho, porque nós queremos dar uma imagem diferente do desporto e, neste caso, do futebol.
—Mas como é que é possível ter uma imagem diferente se verificamos que as novas gerações adotam velhos procedimentos?
—Respeito as decisões de cada um, vivemos em democracia, e há que registar, analisar, e responder. Mas sinto-me honrado pela solidariedade que me chegou, dos mais diversos clubes e adeptos. Tenho a certeza de que a seguir irá perguntar-me sobre a minha vida profissional e questões com mais de 20 anos...
SC BRAGA E FC PORTO
—Deixe-me então citar o comunicado do FC Porto, porque é a isso que está a referir-se, que, a página das tantas, lhe pergunta, se «reúne condições de credibilidade e independência para concorrer à presidência da Liga Portugal e para exercer livremente as suas funções sem limitações ou ónus», tendo tudo isto como pano de fundo, a questão de se manter como Coordenador dos Delegados, e ainda um negócio que terá realizado, no seu âmbito profissional, há 20 anos, com Rui Costa, quando este ainda era jogador do AC Milan.
—A Liga tem as suas regras, a que temos de responder anualmente. Se houvesse alguma incompatibilidade, eu não estaria lá, como estou. Percebo que a intenção seja criar desestabilização, e estou preparado para que venham com tudo. Mas ao nível da ética, dos valores, e da moral, o meu passado fala por si. Espero, até o fim da minha vida, continuar a honrar os princípios que os meus pais me deram desde o berço.
—André Villas-Boas e António Salvador, que agora procuram desacreditá-lo, declararam-lhe, em algum momento, o seu apoio?
—Reunimo-nos em novembro com quatro clubes, SC Braga, FC Porto, Benfica e Sporting, para que ouvissem o nosso projeto e as nossas ideias. Depois, a seguir, no dia 13 de dezembro, na inauguração do Arena Liga Portugal, estiveram reunidos os quatro, e declararam-me apoio. Surpreendentemente, SC Braga e FC Porto decidiram apoiar outro candidato. O que disseram depois é público, nós sabemos, a vida é assim.
—O seu adversário, José Gomes Mendes, diz que a sua lista, embora tenha gestores de topo - e isso ele não coloca em causa - carece de pessoas que sejam realmente do futebol e que percebam de futebol. Como é que rebate esta acusação?
—Essa é uma grande diferença entre nós. Enquanto o professor José Mendes diz que percebe o futebol, e está no futebol há dois anos, no meu caso ando cá há 30...
—Ele tem ao lado uma pessoa que conhece profundamente o futebol português. Estou a falar de José Couceiro.
—É um amigo. O José Couceiro é um amigo. O Pedro Mendonça também. Qual é a grande diferença? E aí o meu adversário falou bem: a minha equipa é composta por gestores, são pessoas de conhecimento, são de topo. Nós queremos gente que faz, queremos gente que executa, queremos gente que dá seguimento às ideias que ouvimos das várias SAD. Ou seja, é bem diferente de quem, no fundo, tem a experiência de um órgão que não é executivo, conhece a academia e tem vivência política através de um partido. No meu caso, posso dizer, com toda a sinceridade, que tive a honra de ser convidado por vários partidos, para vários cargos políticos. Nunca aceitei, nem sou filiado em qualquer partido. Essa circunstância dá-me liberdade para poder estar à vontade para negociar, já que alguns dossiers têm de ser muito articulados, entre Liga, Federação e Governo.
—São dossiers que têm a ver com questões fiscais, por exemplo, que estão 'entupidos’ há muito tempo, e não se vê por parte do poder político, nem do Partido Socialista, nem do Partido Social Democrata, muita vontade em querer alterar coisas tão básicas, como a questão do IVA para o futebol.
—Nas conversas que tive com o ainda Governo, senti abertura para se conversar nessas matérias do dossier fiscal...
—Esteve sentado, há pouco tempo, na cadeira onde se encontra, o ministro Pedro Duarte, que em relação a essa matéria se mostrou renitente, afirmando haver pouca abertura.
—É uma área sensível, mas a verdade é que, no fundo, tem a ver com a realidade, quer dizer, o futebol é um espetáculo e enquanto espetáculo deve ser tratado como tal.
OS RISCOS NA UEFA
—Os clubes portugueses estão em declínio na UEFA, e, com os Países Baixos já longe, corremos o risco de, dentro de dois anos, sermos apanhados pela Bélgica. Que medidas pretende tomar para inverter esta situação?
—O grande foco está em conseguirmos que os nossos quadros competitivos sejam cada vez mais pujantes, mais capazes, para que as nossas equipas que estão nas competições europeias possam com lutar com as melhores até ao apuramento dos campeões.
—Como?
—Penso que a centralização ajudará, criando mais receitas, mais igualdade, menos distância nos competidores. Sinto nas SAD um grande compromisso em tudo fazerem para conseguirem ter mais espectadores nos próprios estádios, mais qualidade e melhores experiências para os adeptos. Tudo isso será um fator que irá motivar e trazer uma nova competitividade aos nossos campeonatos. Eu estou convencido, aliás, que vamos olhar para cima e não para baixo, para a frente e não para trás.
—Deve fazer parte do licenciamento dos clubes a obrigação de terem infraestruturas compatíveis com o futebol profissional? Isso deve ser rigorosamente aferido e vistoriado, sem ser olhado de forma demasiado benevolente?
—Tem de ser claro o que uma cidade desportiva tem de ter, ao nível das várias valências, do jogo, do treino, das condições para os espetadores, e para a própria imprensa, para que a imagem do produto seja a melhor. Sinto por parte das SAD esse compromisso, essa vontade e esse reconhecimento. O que é que é preciso ter? É isto, e não tem? Quanto tempo deve ter para se apetrechar? Um ano? Dois? Três? E a partir daí ficam definidas as condições para estar no futebol profissional.
OS ESPECTADORES
—Em relação aos espectadores, vi os números até à 26.ª jornada e cheguei à triste conclusão, de que se tirarmos os três grandes da equação, - não contam, nem em casa nem fora - aquilo que temos em termos de assistências é preocupante. O Vitória Sport Clube tem mais de 16 mil espectadores em média, em casa, o SC Braga anda um bocadinho acima dos 11 mil. Duas das equipas que provavelmente vão descer de divisão, o Farense e o Boavista, são quem tem mais espectadores a seguir, e daí para baixo o panorama é francamente mau: o Casa Pia tem mil e poucos, e houve três jogos na I Liga com menos de 800 espectadores. Isto resolve-se sem uma reformulação, diria quase que drástica, dos quadros competitivos?
—Essa é a questão de fundo que muitas pessoas colocam. Mas o problema dos espectadores não é só isso. Tem que haver um compromisso de todos, temos que perceber como é que levamos mais gente aos estádios, temos de saber como é que conseguimos ter uma imagem cada vez mais credível e melhor do futebol. Porque quando se tem uma imagem menos agradável, as pessoas não se aproximam desse produto.
—Mas, se a qualidade do espetáculo também é importante, como é que queremos internacionalizar e vender algo que nem nós próprios queremos consumir?
—Como dizia, a qualidade do espetáculo depende de vários fatores. Eu, como espectador, tenho de me sentir confortável para consumir o espetáculo. O jogador tem de contribuir para esse espetáculo. O treinador tem de incentivar para que as suas equipas tenham comportamentos que valorizem o espetáculo. A decisão dos árbitros tem de defender o tempo útil do jogo. O VAR não pode ter minutos para poder decidir. Acredito que a centralização vem ajudar e vem contribuir para a implementação de várias medidas, que, no fundo, vão ajudar a que isso aconteça. Trata-se de um compromisso em que devemos todos refletir. O meu pai, infelizmente já falecido, dizia-me por vezes: «Reinaldo, antes de fazeres aos outros, põe um espelho à frente, fala contigo». É isso que me tem norteado na vida, passa por princípios e valores que me dizem que se o bem do outro é o meu bem, o mal do outro também é o meu mal...
—Em relação às experiências, há uns anos, quando os jogos começaram a ser dados na televisão, as pessoas não iam ao estádio, porque preferiam o sofá. Hoje em dia, não só nos espetáculos do futebol, mas também na música, os consumidores valorizam cada vez mais a experiência pessoal de ver o espetáculo ao vivo. Este terreno fértil não deve ser aproveitado, tão depressa quanto possível, coisa que se calhar é mais difícil com 18 clubes do que com outro quadro competitivo e outro modelo, provavelmente mais adequado ao nosso País?
—No nosso programa a resposta está clara e passa pela análise das vantagens e das desvantagens em reduzir ou em manter. O nosso produto televisivo é o futebol, e é preciso ver quanto é que vale, se mais se menos, com o número de jogos existente. Mas valerá a pena lembrar que o modelo de gestão da Liga dita que o Presidente e a sua Direção Executiva estudam, apreciam, propõem, e as SAD decidem. Compete-nos avaliar, ter indicadores de gestão, ter informação, sensibilizar para o caminho que achamos que é o melhor, e depois acatar a decisão das SAD.
CENTRALIZAÇÃO
—Não torno à questão da redução e de modelos alternativos, porque de facto a decisão final cumpre às SAD e não estou a vê-los de forma alguma a quererem uma redução, porque infelizmente, apesar de tudo, continuam a olhar primeiro para o umbigo, antes de mostrarem preocupação com a indústria do futebol. Acredita que a centralização vai por diante?
—Sim. Somos pessoas de bem e há um decreto-lei para cumprir. E ou nós somos capazes de fazê-lo internamente, com os ajustes que temos de ter, ou alguém o faz por nós. Sei bem quanto, nesta fase inicial, é difícil o dossier da chave de distribuição do dinheiro. Tenho a noção clara do que é que me espera, das dificuldades que vou sentir e passar, mas também seria injusto se não dissesse que sinto nas SAD a consciência de que esse é o caminho. Compete-nos a nós a capacidade de sensibilizar, para que possa-se fechar o dossier que em junho de 2026 deve entregue à Autoridade da Concorrência.
—Uma melhor distribuição do dinheiro televisivo traria uma maior qualidade, provavelmente, à classe média, que na nossa I Liga não existe e isso tem sido pago com língua de palmo na Liga Conferência, com o que perdemos em termos de pontos-UEFA. Os números que foram apresentados para a pós-centralização, não são demasiado otimistas?
—O que posso garantir é fechar o dossier, e depois, de junho de 2026, ir ao mercado nacional e internacional, para fazer com que o bolo seja o maior possível. Sei que não disse o número previsto, mas eu vou dizer: 300 milhões. Agora se vai ser esse valor, ou ou 200, ou os 170 milhões que temos, não lhe posso prometer.
— E o produto, como está, tem condições para ser vendido para o estrangeiro?
—A centralização é o início, não o fim. E o caminho a ser feito passa por valorizar a competição e criar melhores infraestruturas. Hoje, a receita televisiva que vem da parte internacional é insignificante.
—A propósito disso, o seu adversário aqui dava-me o exemplo da Liga Espanhola e o que a Liga Espanhola ganhou com a centralização. Eu lembrei-lhe que na Liga Espanhola, na altura, jogava o Ronaldo e jogava o Messi, o que para vender para o estrangeiro facilitava um bocadinho as coisas, convenhamos...
—São realidades diferentes e temos essa noção clara. Mas também, já agora, não vejo mal em que possamos vender a nossa Liga em conjunto com outras Ligas, desde que o montante que nos caiba seja superior. São passos que têm de ser avaliados. Mas não faço promessas, porque quem decide o montante é o mercado. A nós, compete-nos ir aos mercados nacional, e internacional para conseguirmos vender o nosso produto, com o melhor embrulho possível, valorizando e comprometendo-nos a evoluir na qualidade
—O mercado televisivo, como vimos muito recentemente em Itália e em França, está em recessão. Que outras formas de financiamento podem surgir para além da centralização?
—Há o mercado televisivo, e o mercado de transmissões, a Netflix, por exemplo. Temos na nossa equipa um realizador, que é o Francisco Antunes, com o objetivo de criamos um conjunto de conteúdos diferentes, que sejam mais uma fonte de receita. Há muita coisa à volta do mercado televisivo, e da própria experiência para o adepto, passível de ser valorizado. Veja a Fórmula 1 que se vende com ‘apps’ e séries... Há na nossa Liga um espaço de crescimento enorme, a nível do ‘marketing’, a nível das marcas, a nível da publicidade, quer locais, quer nacionais, quer internacionais. Acho que também aí, nessa matéria, vamos conseguir dar um passo grande a nível das receitas.
—Que mensagem deseja enviar aos adeptos portugueses de futebol?
— É um orgulho, passados estes quase 30 anos no organismo, poder concorrer à presidência da Liga, para trabalhar, como sempre fiz, com transparência, independência, total imparcialidade, de que tanto o futebol precisa, e espírito de missão. Mas estou consciente de que, até dia 11 vão continuar a tentar maneiras de me desestabilizar, inventando coisas. Mas quero de fazer história e deixar marca no futebol em Portugal.