«Para Fernando Gomes, era Mateus Mide e mais dez»
Nuno Pimentel, 45 anos, treinou Mateus Mide nas camadas jovens do FC Porto. Está a trabalhar agora nos sub-23 dos sauditas do Al Fayha. Em conversa com A BOLA, salienta o que lhe saltou à vista no agora campeão do Mundo de sub17, quando ainda numa idade tão jovem: «Quando fui treinador dos sub-15 do FC Porto, o Mateus estava nos sub-14, mas fui sempre acompanhando os treinos e os jogos do escalão dele. Um dia, juntamente com a estrutura do clube, decidimos que ele teria de queimar etapas do seu desenvolvimento e passar a estar permanentemente nos sub-15. O diretor técnico era o senhor Fernando Gomes, o 'Bibota de Ouro', um apaixonado pelo Mide. Dizia que via nele muitas características e qualidades de quando ele, Fernando Gomes, era miúdo. Por vezes, até me pressionava porque queria que o Mateus jogasse sempre, e eu lá tinha que explicar que tinha que ser paulatinamente, pois ainda precisava evoluir em muitos aspetos. Porém, para o senhor Fernando Gomes, era o Mide e mais dez. O Mateus já evidenciava, na transição dos sub-14 para os sub-15, perspicácia no entendimento do jogo e capacidade para pensar rápido e antecipar o contexto do jogo. E tinha já uma velocidade de execução acima da média. O mais difícil no futebol, como dizia Cruijff, é fazer as coisas simples, e o Mateus, muitas vezes, pelo seu repertório técnico, simplificava aquilo que parecia difícil. O golo na final do Mundial representa muito daquilo que é o Mateus: receção orientada e visão de jogo. Mesmo sem olhar, ele estava a perceber a desmarcação do colega e os espaços. Além disso, tem capacidade de finalização e golo.»
Não corre muito, mas corre sempre bem
Sobre os aspetos do jogo que mais evoluíram enquanto trabalhou com Mateus Mide, Nuno Pimentel comentou: «Quando ele transitou para os sub-15, um dos objetivos era melhorar o momento defensivo. Ou seja, que ganhasse intensidade e agressividade, ao nível da reação à perda e dos indicadores de pressão em organização defensiva. Uma das maiores armas dele é a inteligência tática, a perspicácia e a capacidade de entender o timing certo para apertar os adversários, cortar linhas de passe e posicionar-se bem para fechar um espaço. Às vezes, até parece que não corre muito, mas corre muitas vezes bem. Passou a perceber que o momento sem bola é fundamental para se tornar um jogador de elite.»
Sobre o potencial do Mateus para chegar ao topo, o treinador afirmou: «Quando os jovens jogadores demonstram talento e, no caso do Mide, mentalidade competitiva aliada ao trabalho que executa diariamente, destacam-se logo. Ele tem coisas que são especiais, acima da média. Agora, tem que percorrer o seu caminho com etapas bem solidificadas, mas acredito que, se tiver a sorte de não ter lesões e de fazer o seu percurso natural, poderá ser mais um jogador que o futebol português promove de qualidade ímpar.»
Quanto à personalidade e atitude competitiva de Mateus Mide, Nuno Pimentel descreveu: «Ele é um jovem muito especial. Tem um suporte familiar muito forte, que lhe transmite princípios sólidos. O pai foi jogador de futsal de renome no Brasil. Além disso, a estrutura do FC Porto cuida muito desses aspetos mentais e emocionais. O Mateus é muito engraçado, está quase sempre a sorrir e a fazer sorrir, é extrovertido e contagia o grupo, mas é educado, profissional e trabalhador.»
Houve um episódio marcante que Nuno Pimentel relata a A BOLA: «Ele teve uma lesão muscular num jogo e, quando nos reunimos com o médico, este disse-nos que talvez o Mateus ficasse impedido de jogar até final do ano. E ele, menino de 14 anos, apertou-me a mão e disse: 'Ainda vou jogar este ano e vamos ser campeões, e comigo em campo.' Já mostrava superação à dor, paixão pelo clube e vontade de jogar.»
Sobre o desempenho do atacante no Mundial sub-17 e a distinção de melhor jogador do torneio, Nuno Pimentel declarou: «O sucesso da Seleção Nacional foi, sobretudo, a organização, mas não me surpreende que ele tenha sido nomeado como melhor jogador do Mundial. Trouxe perfume, carisma e qualidade ao jogo de Portugal. Num Mundial de sub-17, recheado de jogadores de excelência, esse título foi merecido. O Mateus foi o campeão do campeonato. É justo.»
Por fim, sobre a possibilidade de chegar à equipa principal do FC Porto, Nuno Pimental avançou: «Tem de continuar a fazer o seu percurso, jogando e competindo. Está numa estrutura competente e dará os passos necessários para, a curto/médio prazo, chegar à equipa principal. Vejo-o a ser mais um produto que o nosso futebol potencia para a nata do futebol internacional, mas tem 17 anos e ainda muita estrada para percorrer. Sem lesões, não tenho grandes dúvidas de que, em breve, será mais um jogador português que estará na ribalta do futebol mundial.»
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