«O meu corpo traiu-me»: ex-Milan anuncia final de carreira com relato impressionante
Mattia Caldara anunciou este sábado o final da carreira, aos 31 anos, marcada por inúmeros problemas físicos, sobretudo depois da temporada de 2018/19, quando sofreu duas lesões graves, uma no Aquiles e outra no joelho.
Numa carta aberta publicada no site do jornalista Gianluza Di Marzio, o agora antigo defesa, que passou por clubes como Milan, a Juventus ou a Atalanta, deixou um testemunho emocionante.
«Uma folha em branco, uma caneta. Fecho os olhos, expiro. Volto a abri-los, chegou o momento. Caro futebol, despeço-me de ti. Decidi parar. Não, não foi uma decisão fácil. Nem sequer é fácil escrever estas palavras. 'Caro futebol, despeço-me de ti'. Continuo a relê-las. Talvez seja uma forma de o aceitar. De o aceitar um pouco mais. Agora encontrei alguma tranquilidade, mas demorei a tomar esta decisão. Tudo começou em julho, após uma consulta com um especialista: 'Mattia, já não tens cartilagem no tornozelo. Se continuares, dentro de alguns anos teremos de te colocar uma prótese'. O meu corpo tinha-me traído. Desta vez, talvez, de forma definitiva», começou por escrever, ele que representou o Modena FC 2018 em 2024/25.
«Foram meses difíceis. Aliás, anos. E não falo apenas desta escolha, mas de muito mais. Falo do que tem sido a minha vida desde que o meu joelho se partiu. Ainda me lembro do primeiro passo após o lance: senti o chão a ceder debaixo do meu pé. Desmoronei. Primeiro fisicamente, depois mentalmente. Estava no auge da minha carreira e, em poucos segundos, tudo mudou. Com o tempo, melhorei, mas nunca mais estive bem. Nunca mais. Nunca mais consegui voltar a ser aquele Caldara», continuou.
Caldara diz que deixa o futebol para «retomar o controlo» da vida: «Tentei, mas já não era possível. Esta corrida atrás de uma ilusão desgastou-me. Queria simplesmente ser quem tinha sido, ser eu mesmo. Retomar aquele sonho que estava a viver e, ao mesmo tempo, a perseguir. Esse sonho transformou-se numa utopia. Vejam, por vezes, a tentativa de alcançar uma utopia pode ajudar a caminhar. No meu caso, destruiu-me. As minhas expectativas e as dos outros, a esperança em algo impossível, a frustração: era demasiado para a minha cabeça, não estava preparado. Não estive bem. Já não era eu mesmo, nem com as pessoas que amava. Já não conseguia andar na rua de cabeça erguida. Tristeza, frustração, escuridão. Não sei se se chama depressão. Mas sei o que senti. Decidi deixar ir. Não para esquecer. Decidi deixar ir para retomar o controlo da minha vida.»
Mattia Caldara recordou os primórdios da carreira, ao serviço da Atalanta, e recordou a mudança para a Juventus, com algum arrependimento à mistura.
«Muitas equipas interessaram-se por mim nesses meses. Em dezembro, fui contratado pela Juventus. E, naquela altura, a Juve era uma realidade à parte, inalcançável. No entanto, nunca joguei pelos bianconeri. Fiquei emprestado em Bérgamo [à Atalanta] e foi a decisão certa. Ainda não estava pronto para um salto daquela dimensão. Cheguei a Turim em 2018, mas sem ficar. Vinha de épocas em que estava habituado a jogar e ali tinha à minha frente Chiellini, Bonucci e Barzagli. 'Tem paciência, Mattia. Fica aqui', repetia-me o Giorgio. Mas eu sabia que não teria espaço.»
«Fiquei poucas semanas, apenas para a pré-época. Quando soube do interesse do Milan, aceitei. Olhando para trás, teria sido melhor ter ficado. Fui fraco de cabeça. Teria sido bom para mim permanecer num mundo como o da Juve, aprender com aqueles campeões, crescer ao lado deles, mesmo sem jogar muito. Faltou-me alguma força mental e maturidade. Talvez a minha carreira tivesse sido diferente, quem sabe», reconheceu.
«Naquela semana, a minha vida mudou»
Depois, o ex-internacional italiano recordou as duas lesões graves que sofreu no Milan: «Cheguei ao Milan. Era a minha grande oportunidade. Naquelas cores estavam depositadas todas as minhas esperanças", começa por recordar Caldara. Contudo, o sonho rapidamente se transformou num pesadelo. "Outubro, um treino como tantos outros. Estava a correr e, de repente, senti algo que nunca tinha sentido, como se alguém me tivesse dado um tiro no tendão. Pensei que me tinham pisado o tornozelo. Virei-me para ver: não estava ninguém.»
«Seguiram-se meses de recuperação. Em março, estava pronto para voltar. Regressei na Taça de Itália contra a Lazio. 'Mattia Caldara está de volta'. Estava preparado para a minha estreia no campeonato», recordou.
No regresso, no entanto, o azar voltou a bater-lhe à porta. «O Musacchio estava suspenso, seria a minha vez. Ia finalmente voltar a jogar na Serie A. Esperei tanto por aquele momento. Sentia-me bem. Sentia-me bem também naquele treino de quinta-feira. Tinha esperado um ano por aquele momento. Tudo acabou em poucos segundos.»
«Tenho essa imagem à minha frente. O Borini cai-me em cima do joelho. 'Crack'. Levantei-me para voltar a correr, não podia ter-me lesionado outra vez. Assim que pousei o pé, caí no chão. A perna não me aguentava, o meu joelho estava desfeito. Um som, um segundo, um instante. A minha alma estava devastada. Foi nesse momento que algo mudou irreversivelmente. "Da lesão no tendão eu tinha recuperado, mas o joelho era diferente. Eu sentia-o. 'Nunca mais voltarei a ser o que era'. Uma página da minha vida tinha-se fechado para sempre. Eu ainda não o sabia. Naquela semana, a minha vida mudou. Mudou para sempre. A minha cabeça não estava preparada para suportar as consequências. 'Mattia Caldara está acabado'», confessou.