«No Sporting mudámos o paradigma do futebol nacional»
Filipe Çelikkaya esteve quatro anos na formação do Sporting e por ele passaram vários talentos. Agora no projeto dos Chicago Fire, enquanto adjunto de Gregg Berhalter, na MLS, falou com A BOLA e deixou visão «global» do futebol. Treinou em Portugal, Emirados, Ucrânia, nos EUA. Em Alvalade fez parte da reestruturação do futebol leonino, em sintonia com a equipa de Ruben Amorim.
— Como está a correr a experiência nos Chicago Fire?
— Depois de passagem de quatro anos pelo Sporting, num projeto em que me dediquei muito, e as outras pessoas envolvidas também, estou inserido num projeto de caraterísticas idênticas e se calhar tenho sido um sortudo por ter a oportunidade de me ter aparecido um projeto desta dimensão, num país que recebeu o Mundial de Clubes, vai receber o Mundial e há muita curiosidade pela Liga, que está a crescer a olhos vistos, estou a gostar bastante, estamos dentro dos play-off, que era o objetivo.
— O que o surpreendeu?
— O futebol nos Estados Unidos tem uma regulamentação muito própria, o que permita que seja uma Liga muito competitiva. Fala-se muito do teto salarial, cada equipa tem o seu e depois, em função do investimento, poderemos ir buscar determinados jogadores. Mas o último pode ganhar ao primeiro, para se perceber a competitividade. Existem muitos jogadores que estão a vir para a MLS, Messi é o mais falado; encontram aqui uma Liga em que desfrutam de excelente espetáculo. Recebe bem os jogadores, as famílias e os adeptos promovem um grande espetáculo. Em termos de Liga, estou a adorar a experiência, estou a crescer também dentro desta realidade. Apesar de ter tido outros convites, para estar noutros países e realidades, achei que este projeto, também pelas pessoas que estão envolvidas, faz todo o sentido nesta fase.
— O futebol nos EUA cresce em sintonia com o da Europa?
— Fizemos uma análise muito profunda ao que está a passar-se no futebol global e verificámos que a maioria dos clubes que têm nascido são detidos por fundos norte-americanos. Por exemplo, na Premier League, Itália; nove equipas italianas são detidas por grupos de investimento americanos. Existe uma ligação muito estreita. O futebol neste momento nos Estados Unidos é global, existe capacidade para ir buscar qualquer tipo de jogador. Naturalmente, em termos competitivos e financeiros torna-se difícil competir com a Arábia Saudita, mas temos espaço para grandes jogadores e jovens que começam aqui e depois dão salto para outras Ligas. Fala-se muito do calendário competitivo ser semelhante ao da Europa, isso iria abrir outras portas. As reuniões têm sido feitas de forma ativa, vamos ver se é possível, existem vários climas e fusos horários dentro do país. Por exemplo, aqui em Chicago neva muito no inverno e não sei se seria possível. Vamos ver o que será decidido, mas a Liga é muito competitiva. Necessita de trabalho de base ao longo do tempo, mas tem jogadores com muita qualidade.
— Como viu o Mundial de Clubes?
— Enquanto treinador europeu a trabalhar nos EUA, vi uma grande organização, envolvimento dos adeptos, especialmente nas fases finais, o que para primeira vez acho fantástico. Verifica-se o crescimento do interesse dos adeptos, não apenas americanos, porque na América existe uma grande mistura de nacionalidades, há sempre interesse no futebol. Tive oportunidade de falar com alguns jogadores que estiveram aqui no Mundial de Clubes e todos eles estavam maravilhados com as condições.
— Não comprometerá as épocas das equipas europeias?
— Penso que os plantéis nesta competição poderão ser maiores, deverá haver mais rotação de jogadores... se formos analisar, alguns jogadores têm 1000 minutos durante a época e outros 3000 ou 3500. Sei que todos queremos ganhar, todos competimos para vencer os jogos, mas temos de avaliar estas utilizações. Naturalmente que quem joga mais tem mais lesões... Temos também os salários cada vez maiores e tem de se encontrar competições para que possam ser pagos, a indústria do futebol, em termos televisivos, gera muito dinheiro, e se fizermos uma análise ao que se ganhou é fantástico para qualquer clube. Vejo também uma nova montra para treinadores, para jogadores. Nesta competição, vejo também o reforço dos Estados Unidos como futuro no futebol global. E acho que estiveram muito bem, vai correr melhor no futuro, claro.
— Como vê os três grandes clubes portugueses nesta altura?
— Olho para o Sporting e vejo continuidade, maturidade do projeto. Naturalmente que quando as coisas correm muito bem há cobiça de clubes maiores pelos jogadores que tiveram mais destaque, mas continuo a ver qualidade e estabilidade no plantel. O Benfica, capacidade de investimento, porque tem; e plantel com maior prosperidade em relação ao ano anterior. Há a importância de encontrar equilíbrio. Poderemos falar de tudo e mais alguma coisa, mas depois o que conta para a estabilidade de clubes desta dimensão são as vitórias. O Bruno e a sua equipa vão à procura de vitórias, e têm todas as condições para isso, porque têm um plantel com muita qualidade. O Porto, ainda se encontra naquela fase de transição, à procura de um líder. É interessante perceber [nas contratações] que são muitos jovens, com características peculiares, estou curioso em perceber como Farioli poderá mexer na equipa, mas é clube com novo treinador, com caraterísticas próprias, está sempre a competir ao mais alto nível, portanto existe essa pressão diária para ter rendimento. Mas a Liga está competitiva, o SC Braga também fez um investimento muito grande.
— Passaram-lhe pelas mãos jogadores como Quenda, quando esteve na formação do Sporting. Orgulhoso?
— Felizmente ao longo da minha carreira tenho tido um espírito construtor, que gosta de começar pelos talentos de raiz, implementar ideias e tentar deixar uma marca neles. Acho que tive, dentro do Sporting, um contributo no desenvolvimento dos jovens. Jogadores numa equipa B muito jovem, que já não é idêntica à de agora. Atualmente a equipa B de um clube como o Sporting já necessita de reter talento; para subir de divisão, para ficar numa segunda liga, o que não acontecia no tempo que estive aí com o Rubem [Amorim], em que tínhamos urgência em colocar os jovens, perceber se podiam ter rendimento e depois vende-los ou aproveitá-los na equipa A. Este era pensamento macro. Foi a construção estrutural do futebol leonino, foi o que aconteceu e deu muito trabalho. Com foco na formação, na identidade do jogo e na estabilidade interna. Não só o Quenda, mas passaram-me jogadores que hoje em dia estão no futebol mundial com ADN Sporting a ter jogos e perfomances de grande qualidade. Falamos do Renato Veiga, que não foi aproveitado na equipa A e está a fazer o seu percurso; por exemplo o Chico Lamba, que foi vendido ao St. Étienne, que, mesmo que seja da segunda Liga, continua a dar proveito ao Sporting. Se calhar muita gente não acreditava nele. E deu três milhões e meio ao Sporting, para um menino que quase nunca foi utilizado na equipa principal. O Geny Catamo teve de sair duas vezes para voltar e ser decisivo na conquista dos títulos. O próprio Eduardo Quaresma... Portanto, há aqui uma quantidade de jogadores que, se olharmos, ao longo de cinco anos, aquilo que foi feito e onde eles estão, acho que é um grande orgulho para qualquer sportinguista que gosta dos jovens e da formação. Todos eles acabaram por retribuir, com a suas competências, aquilo que o Sporting lhes deu na formação. O próprio Mateus Fernandes, Chermiti, Fatawu deram dinheiro ao clube, e outros que não tiveram tanta exposição, Tiago Santos, que está no Lille, são tantos que já não me lembro de todos. Mas é um orgulho ter feito parte de uma equipa que acho que mudou o paradigma do futebol nacional. Acredito que Quenda, tal como o Dário Essugo, foram os dois contratados pelo Chelsea, vão ser a curto/médio prazo dois jogadores nos quais vamos ter muito orgulho na Seleção Nacional e nos seus clubes.
— Está nos seus planos voltar em breve a Portugal?
— O futebol é o momento. Quando fui abordado para vir para aqui nunca foi no âmbito de abdicar da carreira de treinador principal. Isso foi transmitido de forma clara às pessoas do Chicago Fire e eles disseram-me que sabiam e me ajudariam no futuro, e que precisavam do meu conhecimento. Depois de uma conversa destas fiquei com mais certeza que queria dar este passo. Curiosamente, já este verão, tive clubes para ingressar, mas achei que não era o momento certo para sair. Voltarei assim que encontrar um projeto interessante, em qualquer parte do mundo. Sou treinador global e não fecho a porta a nenhum destes projetos.
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