Não é um texto sobre futebol, mas tem mais a ver consigo do que imagina
Se a única lógica possível para a Humanidade fosse o lucro, há muito que o teatro, o cinema, a literatura ou a poesia teriam sucumbido. E que dizer da dança, da pintura, da escultura, da música? Claro: poderíamos sempre ter os blockbusters da pipoca, o teatro de variedades ou a música orelhuda de digestão fácil. Mas... será que isso é verdade? Será que sem os verdadeiros pioneiros, visionários e empreendedores de cada uma das artes clássicas haveria sequer lugar às manifestações mais singelas de cada uma? Onde iam buscar a inspiração, para não falar do saber básico?
O que seria de todas estas áreas sem que alguma vez, ao longo da História, se tivesse pensado nelas sem fins estritamente económico-financeiros, virados para o lucro e a prosperidade?
Que seria do teatro, da música, do futebol, sem a criatividade do ser humano e o mecenato que em algum momento teve de existir para permitir que as ideias se transformassem em projetos, os projetos em espetáculos, os espetáculos em cultura e saber, ganhando-se menos ou mais dinheiro com eles?
O futebol tem uma base popular importantíssima, mas também ele dificilmente teria prosperado sem a boa vontade e a disponibilidade da aristocracia decorrente da Revolução Industrial.
Os mecenas e a nobreza da Idade Média e do Renascimento deram lugar, na contemporaneidade, aos Estados. E sim, é aos Estados (sobretudo os de Direito) que cabe garantir a continuidade territorial, assegurar que cada cidadão tem equidade no acesso aos direitos fundamentais e aos secundários (é diferente de igualitarismo, não vale apelar a demagogias).
É fácil explicar e perceber que um habitante dos Açores deve ser tratado como um cidadão residente em Lisboa ou no Porto, embora saibamos que na realidade não o é. Idem para a Madeira.
Mas neste País das brincadeiras, cujo território continental se pode percorrer de lés e lés num só dia e de carro, há agora oito distritos em risco de deixar de ter jornais e revistas nas bancas. Fica claro e explícito algo que sempre fomos negando: há um micro-país no Interior (e no Sul) que não existe para as elites decisoras dos grandes centros — e essas elites não são as intelectuais, como certas pessoas gostam de apregoar, são as financeiras.
Aqui chegados, à falta de mecenas (fundações?) com a visão extra-dinheiro de vários antepassados, deve entrar o Estado, para o qual todos contribuímos, no litoral, no interior, no sul e no norte. Bom, há quem desconte para as economias de outros países ou fuja ao fisco. E não são os imigrantes do Bangladesh, mas isso fica para outra altura.