Martim Mayer: «Temos de acabar com o espírito burguês no clube»
— Que modelo de gestão é que defende para o Benfica?
— Temos de tirar o espírito burguês que se tem vindo a instalar no clube. Porque é que o Benfica viaja sempre em executiva? Porque é que os hotéis onde fica são hotéis cinco estrelas e de luxo? O que é que isso contribui para os resultados? Os sócios reveem-se nisso e acham que isso é importante? Essa alteração de mentalidade, trago-a comigo. O meu avô era assim. A nação benfiquista pensa assim e, se o Benfica for gerido com esta mentalidade, toda a gente vai sentir o clube mais próximo. São os sócios que subsidiam o clube com as suas quotas e com o seu envolvimento. Há aqui duas questões muito relevantes. Uma tem a ver com os custos e outra com os proveitos. Relativamente aos custos, o Benfica tem todas as condições para ter um poder negocial muito grande. E quando analisamos os FSE [fornecimento e serviços externos], e várias outras rubricas da atividade do clube, não se chega a essas conclusões. Há muita coisa para fazer nessa área. Há muitos contratos que precisam de revisão. Vamos ter de olhar para a estrutura de custos. Vamos ter de renegociar o que há para renegociar e de reorganizar o que há para reorganizar. Do ponto de vista da receita, penso que, apesar de termos um número de sócios assinalável, há ainda muito espaço para aumentar o número de sócios. Estima-se, pelas receitas que vêm das quotas, que existam cerca de 100 mil sócios que pararam de pagar quotas nos últimos anos. Temos de reverter este processo e trazer estas pessoas de volta ao clube. Queremos expandir os sócios, pois, pelo número de adeptos e simpatizantes que temos, o universo de pessoas que poderá passar a ser sócio é muito significativo. Agarrado a isso vem uma subida das vendas de merchandising e depois entramos aqui na questão da ordem do dia que tem que ver com os direitos televisivos. Há duas datas que são lei, que é 2026 e 2028.Isto é um Estado de Direito e em 2026 teremos de estar organizados. Cabe ao Benfica liderar esse processo. O peso institucional e económico que o Benfica tem dá-lhe todas as condições para conseguir agregar junto de si os vários clubes e, em representação desses clubes, poder liderar o processo de centralização dos direitos de televisão. Vamos ter de melhorar o produto, não há dúvida nenhuma, e trabalhar com as instituições certas. A Liga Centralização tem uma palavra muito relevante a dizer sobre isto, e espera-se que se possa chegar a uma solução que seja interessante, que não prejudique o Benfica e que seja muito boa para o futebol português.
— Mas o Benfica dificilmente vai querer abdicar de uma percentagem mais elevada do que aquela que os outros clubes terão?
— Obviamente que tem de haver uma correspondência entre o valor que é perfeitamente possível de estabelecer com o Benfica e com os outros clubes. A questão é que se tem de falar e não se está a falar sobre as coisas. Não existe qualquer método que tenha sido discutido, não existe qualquer ponto de partida e não existe qualquer ponto de chegada. O Benfica não pode demitir-se desta situação, nem ir atrás do processo. O Benfica tem de liderar o processo.
— Se fosse presidente do Benfica, à data das eleições da Liga, teria apoiado Reinaldo Teixeira para presidente?
— Há um trabalho de fundo que tem de ser feito. Não se pode só olhar para as pessoas. Tem de se perceber o que é que o Benfica, enquanto instituição, estrategicamente, vai fazendo ao longo do tempo. Qualquer pessoa, qualquer projeto ou proposta que venham a surgir para se candidatar à Liga ou à Federação, têm a obrigação de vir primeiro falar com o Benfica. É isto que defendo. Mas, para isso, tem de haver peso institucional. E não estou certo de que o Benfica tenha sido nem o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro com quem se foi falar. Isso não pode acontecer. Portanto, tem de se perceber o que é que fez com que alguém que quisesse ir para a presidência da Liga ou para a presidência da Federação ache que não tem de ir falar primeiro com o Benfica. A partir daí, tudo é uma consequência disso. Quando alguém olha para o Benfica, tem de perceber o peso do Benfica e pelos vistos quem olha para este Benfica não reconhece isso. Isso é inaceitável.
— Falava da Liga Centralização que começou com Pedro Proença como presidente da Liga e que teve como principal rosto na criação Domingos Soares de Oliveira, na altura homem-forte do Benfica. Pedro Proença candidatou-se depois para presidente da FPF e teve o apoio do Benfica e à data das eleições andava lado a lado com Rui Costa. Hoje a realidade é diferente. Como é que tem visto toda essa relação do Benfica com Pedro Proença?
— Não me quero repetir, mas a minha anterior resposta aplica-se aqui. Há um conjunto de entidades que, para estarem em funções, precisam de ter uma relação privilegiada com o Benfica. Esse peso institucional tem de estar sempre presente, para lá das pessoas. Tem a ver com o peso da instituição Benfica junto dessas entidades e isso não está a ser bem-feito.
— Institucionalmente, que relações deve o Benfica ter com os principais rivais, Sporting e FC Porto?
— Precisamos de ter relações institucionais, de respeito, de cerimónia e de decência. E, às vezes, tem faltado. Não somos mais do Benfica se formos indecentes. A relação institucional tem de se pautar por isto e, agora, em relação, por exemplo, à centralização dos direitos televisivos, há que pegar nessa relação institucional e conseguir fazer com que os clubes se sentem à mesma mesa e consigam chegar a conclusões. Precisamos de ter uma relação com os nossos rivais e eles connosco para que isso seja o princípio dos nossos interesses comuns fora de campo. Dentro de campo, temos de ganhar.
Teremos um diretor-geral para o futebol que agregue debaixo de si áreas que neste momento não têm coordenação
— E o que é que o Benfica precisa de fazer para ganhar mais vezes no futebol?
— A nossa abordagem ao futebol do Benfica é feita de cima para baixo. Pretendemos trazer um diretor-geral para o futebol que agregue debaixo de si áreas que neste momento não têm a coordenação que deveriam ter. Estou a falar da formação, do scouting e da equipa A. Esta pessoa terá uma visão global sobre estas várias áreas e poderá criar uma coordenação totalmente diferente daquela que tem existido nestas três áreas. A formação do Benfica é das melhores, ou a melhor do mundo, e há muito mérito naquilo que está feito. Tem de se fazer melhor em cima. O último objetivo da formação tem de ser trazer jogadores de valor à equipa A do Benfica. Juntamente com o scouting, deverão estar coordenados para que essa seja a última finalidade de todo este processo — olhando para o modelo de jogo que este diretor-geral do Benfica venha a escolher, e para as preocupações de sucessão por posição. Um dos aspetos que vai ser focado por este diretor-geral é a caracterização daquilo que queremos que cada uma das posições da equipa principal tenha. Assim vamos conseguir ser muito mais eficientes a formar para a equipa A, direcionar muito melhor a formação e o scouting e, também, ser muito melhores a contratar aquilo que não vem daqui.
— Esse diretor-geral está escolhido?
— Esse diretor-geral está muito avançado, mas à presente data o importante é que esta equipa está coesa e cada um está a trabalhar no seu dossier.
— Se fosse presidente do Benfica, Bruno Lage seria o seu treinador?
—Não me devo pronunciar sobre isso e a razão é muito simples. Nem sabemos se o Bruno Lage, em outubro, estará ou não estará no Benfica. Não tenho qualquer poder de decisão neste momento e o que quer que dissesse, em última instância, só traria prejuízo e instabilidade para o clube. Nunca irei fazer isso. O Bruno Lage é o treinador do Benfica neste momento e a época ainda não acabou. Mantê-lo ou não para a próxima época é uma decisão do atual executivo do Benfica. Para bem do clube e dos máximos interesses do clube, não me queria pronunciar diretamente sobre essa matéria.
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