Jorge Andrade: «Todos os dias alguém me pergunta pelo Deco»
Jorge Andrade, 47 anos, chega com um sorriso e sai com outro. Mesmo quando o tema é a lesão complicada no joelho esquerdo, que o obrigou a decidir deixar de jogar aos 30 e leva a que o seu currículo diga que acabou a carreira na Juventus depois de passagens de sucesso por Deportivo da Corunha e FC Porto, para onde deu o salto do E. Amadora. «Nada mau», diz em entrevista a A BOLA, analisando os centrais modernos, o futuro da Seleção, o que se pode esperar da Liga e, claro, aquele lance com Deco. Segunda-feira estarão juntos em Alvalade para o Legends Charity Game, que trará a Portugal grandes lendas do futebol mundial.
— Vai participar no Legends Charity Game, como é que está a preparar-se para reencontrar antigos colegas e adversários?
— É um jogo de que já se falava desde que o presidente Pedro Proença entrou na Federação, vamos ajudar várias instituições. O objetivo é tentar angariar um milhão de euros para distribuir pela Caritas, Cruz Vermelha da Ucrânia e outras instituições. A Alvalade vão regressar grandes craques, que foram estrelas também nesse estádio, o Peter Schmeichel foi campeão pelo Sporting, vai ser o treinador da equipa Internacional, também o Balakov, que é um dos meus ídolos no futebol, outros colegas como Saviola, o Higuita - quem não se lembra -, Larsen, Cafu, Roberto Carlos, os grandes craques campeões do Mundo de 2002 pelo Brasil, e vão jogar contra uma seleção que é basicamente a junção da minha Seleção, que foi o ponto de equilíbrio entre a Geração de ouro, que é do Figo, que vai ser o nosso capitão, e de outros colegas mais velhos, com os campeões da Europa de 2016 – eu é que ‘batizei’ esses miúdos na Seleção, o primeiro jogo do Bruno Alves foi curiosamente contra a Arménia, fui eu que lhe cedi o lugar, o Pepe, que a partir da minha lesão começou a vir também para a Seleção e é um dos jogadores com mais jogos, campeão também várias vezes Liga dos Campeões e também campeão europeu, o Ricardo Carvalho, que fez comigo dupla de centrais, é sempre maravilhoso. E tendo tantos centrais dá para gerir o meu tempo (risos) e não estar tanto em campo, porque espero que eles estejam em melhor forma que eu.
Tendo tantos centrais dá para gerir o meu tempo (risos) e não estar tanto em campo, porque espero que eles estejam em melhor forma que eu
— Dentro os companheiros que vai ter está o Deco...
— Sim, todos os dias alguém me pergunta pelo Deco (risos), desde a minha expulsão em 2004 [na primeira mão da meia-final da Liga dos Campeões entre FC Porto e Deportivo Corunha, a 21 de abril, em que tocou em Deco com um pé e foi expulso, apesar de apelar repetidamente ao árbitro «ele é meu amigo»]...
— Claro, nem é preciso quase fazer a pergunta. Mas fica aliviado por ter o Deco na sua equipa, do seu lado, e espera que o árbitro seja um pouco diferente do que teve nesse jogo?
— Foi o ano em que fiz mais jogos, chegámos às meias-finais da Liga dos Campeões, joguei também todos os jogos do Europeu e estive na meia-final com o FC Porto e aí fui expulso perto de uma final, perdemos na segunda mão e também a possibilidade de jogar contra os meus antigos colegas. O lance foi com o Deco, que é um dos meus melhores amigos no futebol, tínhamos muita intimidade, de casa, como o Boa Morte ou o Fernando Meira. O Deco caiu no chão e eu, em vez de levantá-lo com as mãos, dei um toquezinho nas costas com o pé.
— Ele já estava a levantar...
— Sim, estava mais ou menos a levantar e o árbitro, Markus Merk, achou que eu tinha sido muito agressivo e então expulsou-me. Depois, na segunda volta, o colega que jogou na minha posição, o César, ‘levou bronca’ porque fez penálti sobre o Deco, quando a ‘culpa’ de ele jogar, se calhar foi eu ter sido expulso. Foi um episódio difícil na altura porque era a melhor geração do Deportivo, era o Super Deportivo e era a primeira vez que poderia chegar a uma final. O Mauro Silva levou amarelo e também não jogou na segunda volta. Ficamos mais fracos, o FC Porto foi melhor e depois venceu a Champions como todo o mérito. Ainda houve um tempo em que andámos ali ‘às turras’, mas até o Scolari ajudou: no estágio da Seleção a seguir aquilo foi tema e disse ‘O Jorge é que foi burro’. Para ele toda a gente é burro. ‘O burro sou eu’, não é? Foi a maneira de não dar importância. No fim Merk ia ser decisivo nas nossas vidas, porque foi o árbitro do Portugal-Grécia da final do Euro 2004 e, mais uma vez, não correu bem. Depois troquei a minha camisola com ele, para não me esquecer dele e o árbitro também não se esquecer do jogador que ‘amaldiçoou’ em dois jogos.
Ainda houve um tempo em que andámos ali ‘às turras’, mas até o Scolari ajudou: no estágio da Seleção a seguir aquilo foi tema e disse ‘O Jorge é que foi burro’
— Se esse lance não tivesse sido com o Deco, a sua reação também seria diferente? Ou seja, esse gesto foi por o Deco ser realmente seu amigo?
— Acho que é isso. Com outro colega qualquer do FC Porto - tinha intimidade também com o Ricardo Carvalho, mas talvez não tivesse acontecido. Depois o Jorge Costa, que tinha sido meu capitão no FC Porto, vem a correr e dá-me um encontrão com o peito e diz, ‘o que é que se passa, Jorginho?’ E o árbitro, a ver aquilo tudo, pensou que ele estava também a confrontar. Foi todo um episódio. O nosso saudoso Jorge, nem acredito ainda que estamos a falar dele no passado...
Depois o Jorge Costa, que tinha sido meu capitão no FC Porto, vem a correr e dá-me um encontrão com o peito e diz, ‘o que é que se passa, Jorginho?’ E o árbitro, a ver aquilo tudo, pensou que ele estava também a confrontar. Foi todo um episódio. O nosso saudoso Jorge, nem acredito ainda que estamos a falar dele no passado...
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