Jogador recorda dependência: «Os médicos disseram-me que já devia estar morto»
A carreira de Omar Bogle já vai longa e conta com passagens por clubes como o Cardiff, o Birmingham e o Wigan, do Championship de Inglaterra, ou até uma experiência na Eredivisie, ao serviço do ADO Den Haag.
Aos 33 anos, o futebolista joga agora no Crewe Alexandra, da quarta divisão inglesa, onde vive uma espécie de segunda vida no futebol, depois de ter passado por graves problemas de dependência que o levaram a uma depressão profunda.
Numa longa entrevista à Sky Sports News, o avançado lembrou como tudo começou, na pré-época de 2024, por causa de uma dor nas costas.
«Não conseguia andar, mal me mexia, não conseguia dormir. Quando adormecia, a dor acordava-me. O médico deu-me medicação para me ajudar a dormir e a aliviar um pouco. Um dos medicamentos já me era familiar, por isso sabia como me faria sentir. Tomei-os durante duas ou três semanas e a dor começou a diminuir», começou por dizer.
Bogle regressou aos treinos e aos jogos, mas quando as dores fortes voltaram, voltou também à medicação. «A partir daí, foi uma descida vertiginosa», admite.
«Não passava um dia sem ter pensamentos suicidas»
O vício escalou rapidamente, assim como as doses da medicação, sem nunca contar a ninguém.
«Mudou-me como pessoa. A minha capacidade de decisão estava completamente descontrolada. Isolei-me de toda a gente. Ia para casa depois do treino, fechava as cortinas, ficava no escuro a ver televisão, passava o dia no telemóvel e não falava com ninguém. Estava na escuridão, deprimido, com pensamentos suicidas. Acho que não passava um dia sem ter esses pensamentos», confessou.
«Os pensamentos surgiam todos os dias, pelo menos uma vez. Com a quantidade de medicamentos que tomava e até onde o vício me levou, acho que, inconscientemente, era isso que eu procurava. Esperava um dia não acordar», prosseguiu.
«Os médicos disseram que eu devia estar morto»
Foi o agente do jogador, Jake Speight, que acabou por aperceber-se da situação: «O meu agente falou comigo quando percebeu que eu ia regressar à pré-época em cerca de 12 dias e não estava em condições, nem mentais nem físicas. Quando olhou para mim, disse que não via nada por trás dos meus olhos.»
«Contei-lhe a minha situação e ele disse que precisávamos de procurar ajuda. Contactou a PFA [Associação de Futebolistas Profissionais], que foi incrível na forma como ajudou e na rapidez com que respondeu. Eles trataram de me conseguir a ajuda de que eu precisava e de me colocar em reabilitação. Sem isso, teria piorado. Teria continuado a tomar cada vez mais. As minhas doses teriam continuado a aumentar. Eu não ia parar», lembrou.
A solução foi começar por um centro de reabilitação: «Quando entrei na reabilitação e fiz as avaliações, os médicos disseram que eu devia estar morto e que provavelmente já tinha tido várias overdoses.»
Omar Bogle não esconde que esse passo foi «assustador», mas decisivo para a cura. No entretanto, elogiou a forma como o clube geriu todo o processo.
«"O clube provavelmente foi alvo de escrutínio por parte dos adeptos, que se questionavam sobre o meu paradeiro no início da pré-época e durante os jogos», afirmou.
«A minha dependência estava a afetar o meu desempenho e o meu temperamento. Penso que isto lhes deu clareza e contexto para perceberem porque é que eu não estava no meu melhor.»
Certo é que Omar Bogle conseguiu recuperar e regressou à competição em novembro: marcou logo no primeiro jogo, frente ao Shrewsbury Town, e bisou depois diante do Burton Albion.
«Ajuda saber que outra pessoa está a passar pelo mesmo e que não somos os únicos. Tenho a certeza de que outros no futebol e no desporto em geral também estão a passar por isto. Na reabilitação, tomamos consciência da dimensão do problema. A minha mensagem é: contem a alguém. Quando as pessoas estão deprimidas, com pensamentos suicidas ou num lugar sombrio, a culpa e a vergonha agravam a situação. Nós internalizamos tudo», explicou o o futebolista.
«Saber que não se está sozinho pode trazer algum consolo. Por isso, falem com alguém de confiança. Partilhem com alguém próximo», concluiu.