«Importa estabilizar jovens e famílias»

A operação ‘El Dourado’, desencadeada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) junto da Academia B’Sports, de Riba D’Ave, desencadeou um terramoto no futebol português, mas também permitiu avaliar que há equipas multidisciplinares a trabalhar no terreno para que as vítimas e as respetivas famílias retomem a vida com o mínimo de consequências. É disso que dá conta Manuel Albano, Relator Nacional de Tráfico de Seres Humanos.

- Em primeiro lugar, qual a sua missão e a quem reporta o Relator Nacional para as situações de Tráfico de Seres Humanos?

- O Relator Nacional de Tráfico de Seres Humanos é o responsável pela coordenação da rede de proteção e de apoio às vítimas de tráfico de seres humanos e compõe organismos da administração pública e da sociedade civil.

- De que forma este caso da Academia B’Sports, inserido na operação ‘El Dourado’, do SEF, se enquadra numa situação de tráfico de seres humanos?

- Uma coisa são as notícias e outra coisa é a condução do processo judicial. Portanto, o que se tem percebido desta situação é que terá sido tipificada como um crime de tráfico de seres humanos. É assim que, neste momento, está sinalizada. Só no final do processo de investigação é que se irá perceber se se enquadrará, efetivamente, nesse crime.

- Qual a razão para havendo sinais de alerta desde há três anos apenas agora tenha havido uma atuação efetiva das entidades?

- Qualquer processo para que possa avançar judicialmente, como aconteceu no Alentejo, em novembro passado, obriga a que o órgão criminal competente, como são os casos da Polícia Judiciária (PJ) e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), os únicos que neste âmbito podem atuar, vão recolhendo provas que possam consubstanciar uma ação no terreno por mandato do Ministério Público. E só quando estão reunidos um conjunto de indícios é que se avançará uma ação no tereno. Este é um caso que ainda se encontra protegido pelo segredo de justiça.

- O sofrimento humano, especialmente de menores, não suscitaria uma atuação imediata?

- Não sei dizer. Não conheço o processo. É uma informação que não tenho e nem tenho de ter. Faz parte do processo judicial. A minha preocupação enquanto Relator Nacional foi que quando se teve conhecimento de que iria ocorrer uma intervenção de que tudo seria feito para garantir que os jovens ficassem em segurança e dispusessem de todas as condições necessárias para prosseguir a sua vida dentro da normalidade possível, enquadrados num estatuto de vítima de tráfico, com acesso a tudo para a sua reconstrução de vida. E isso é o que está a ser feito neste momento.

- Qual a percentagem de casos de âmbito desportivo surgidos no seu universo de atuação?

- Não sei de cor. Quando falamos deste tipo de crime há uma opacidade e ocultação muito grande. Com certeza, por envolver várias dezenas de jovens, as estatísticas vão disparar, mal sejam consideradas vítimas de trafico. Estamos perante aquilo que designamos de uma grande ocorrência. Terá um impacto grande, com certeza em termos estatísticos.

- O que pode falar deste processo, sem quebrar o segredo de justiça?

O Ministério Público é quem tem acesso ao processo. A informação essencial é que havia um determinado número de jovens potencialmente numa situação de tráfico. Com a intervenção das nossas equipas multidisciplinares, envolvendo psicólogos, assistentes sociais, apoio jurídico, foi feita a coordenação para garantir proteção e acolhimento, trabalhando-se com eles todo o processo de reconstrução das suas vidas, seja essa opção feita com a possibilidade de retorno ao país de origem ou integração no nosso país. Cada caso é um caso. Neste momento, importa a estabilização dos jovens e dos seus pais. Vários dos menores já têm os pais com eles, estando a ser ouvidos para memória futura e mesmo na audição estão a ser acompanhados pelas equipas de apoio social, para não sentirem medo.

- Tem conhecimento de haver investigações a outros processos relacionados com o desporto?

- Já houve investigações e outros processos, onde existiram vítimas identificadas e que receberam o apoio necessário. Só se pode atuar havendo conhecimento das situações. Não devemos dizer que há milhares de ocorrências e depois não as denunciar. Para garantir todo o apoio há que funcionar de forma transparente, clara e objetiva. As linhas de apoio, que são cinco, são públicas. E funcionam 24 horas. Tudo o que é campanha nacional indica sempre a forma de contacto. As vítimas não são arguidos, são vítimas, necessitam de proteção, e é isso que tem de ser feito, respeitando a sua liberdade e a sua vontade.

- Perante a sua experiência, qual o quadro legal que poderemos estar a falar?

- Está definido no Artigo 160.º do Código Penal. Tem uma moldura de dois a 10 ou mais anos de prisão, consoante um conjunto de circunstâncias. Será decidido no âmbito do processo.

- E costuma haver penas efetivas ou os arguidos costumam passar incólumes?

- Já têm existido diversas penas efetivas para quem cometeu este tipo de crimes. Contudo, é um crime de difícil prova, pois encerra uma vasta série de particularidades. por exemplo, quais os meios utilizados para coagir, quais os fins com que perpetrou estes crimes e que tipo de ação foi desenvolvida. Por exemplo, se houve retirada do passaporte, privação da liberdade, engano, exploração laboral ou sexual, logro… Tudo isso pode acontecer. A análise deste crime suscita vários requisitos e por vezes é de difícil prova a presença de todos os requisitos. Pode é haver condenação por práticas correlacionadas, por exemplo, auxílio à imigração ilegal, lenocínio…

- Perante as queixas surgidas, de que forma as medidas contra este tipo de atuação criminosa estão a ser articuladas com as entidades desportivas?

- O Secretário de Estado com a tutela já disse que vai avançar com um grupo de trabalho para tentar coordenar os diferentes intervenientes. Já existiram alguns trabalhos com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no sentido de desenvolver medidas preventivas, de regularização das situações junto da FPF de inscrição dos jovens praticantes. Esse grupo de trabalho irá, com certeza, definir outras ações para evitar práticas desta natureza criminal. Acrescento, ainda, que é importante que a comunicação desta situação, e ainda bem que a Comunicação Social fala dela para se perceber que não acontece só noutros países, não seja feita de forma sensacionalista para não criar o pânico social. Não ajuda em nada e prejudica ainda mais as próprias vítimas. É preciso calma, respeito e recato para a investigação prosseguir. Tem sido este o pano de fundo das várias intervenções da Comunicação Social, o que é bom, permitindo um trabalho sério sobre esta delicada temática.

LINHAS DE APOIO ÀS VÍTIMAS DE TRÁFICO HUMANO

Equipa Multidisciplinar Especializada Nacional – 964 608 288

Equipa Multidisciplinar Especializada (EME) Norte– 91 86 54 101

apf.sostshnorte@gmail.com

Equipa Multidisciplinar Especializada (EME) Centro -91 86 54 104

apf.sostshcentro@gmail.com

Equipa Multidisciplinar Especializada (EME) Lisboa e Vale do Tejo – 91 38 58 556

apf.sostshlisboa@gmail.com

Equipa Multidisciplinar Especializada (EME) Alentejo -91 86 54 106

apf.sostsh.alentejo@gmail.com

Equipa Multidisciplinar Especializada (EME) Algarve -91 88 82 942

apf.sostshalgarve@gmail.com