Ibrox, o estádio que viveu duas tragédias
O Estádio Ibrox, que esta quinta-feira recebe o Benfica, já foi palco de inúmeros momentos de glória do Rangers, mas também carrega o peso de dois episódios trágicos, que provocaram a morte de dezenas de adeptos, e que mancham uma história de 124 anos.
A mudança para o subúrbio de Glasgow que dá nome ao recinto ocorreu em 1887, mas pouco tempo depois foi decidida uma realocação de aproximadamente 100 metros para leste, até que em 1899 foi inaugurado o palco na localização atual.
Pouco mais de dois anos depois, Ibrox conquistou o direito a receber um Escócia-Inglaterra, para o campeonato britânico, e a 5 de abril de 1902 bateu o recorde de assistência, com a presença de 68 mil adeptos. O jogo mal tinha começado quando parte da estrutura de madeira da recém-construída bancada oeste colapsou, abrindo um buraco no qual caíram centenas de adeptos. 500 ficaram feridos, 26 acabaram mesmo por falecer.
«Consta que a Escócia estava a atacar para esse lado e os adeptos inclinaram-se para ver um jogador que subia pela linha, mas não estou certo que essa tenha sido a razão para a tragédia», diz David Mason, historiador oficial do Rangers, em conversa com A BOLA.
O jogo foi interrompido, mas seria retomado após uma curta pausa. Houve receio de lançar (ainda mais) o pânico, até porque muitas pessoas não tiveram noção real do sucedido. «Os jogadores pensavam que era uma situação de esmagamento, mas sem casos graves. Viam pessoas retiradas para o pavilhão, mas julgavam que era por desmaio, e não por algo grave. A verdade é que estava uma tragédia a desenrolar-se e muitas pessoas só perceberam no final do encontro», acrescenta Mason.
O historiador explica que, entre acusações ao projeto do arquiteto e críticas ao material utilizado, «ninguém foi responsabilizado», mas a tragédia mudou a forma de construir estádios no Reino Unido, desde logo no que diz respeito à utilização de estruturas de madeira.
O desastre de 1902 abanou os alicerces de um clube jovem, que prestou auxílio financeiro às vítimas ou às respetivas famílias, e teve ainda investir na renovação do estádio: «Tiveram de vender alguns dos melhores jogadores da altura, e isso atrasou o clube alguns anos.»
Escadaria letal
Na sequência do incidente o Estádio Ibrox teve capacidade reduzida para 25 mil adeptos, mas em 1910 já recebia 60 mil, e em 1939 bateu um recorde que resiste até hoje: 118.567 espectadores num duelo com o vizinho Celtic.
Nos anos 60 do século XX a capacidade do recinto voltou a baixar, por razões de segurança, para 80 mil lugares, mas uma nova tragédia estava anunciada, do lado oposto. Nessa década registaram-se ainda dois incêndios no recinto, mas o perigo maior estava na escadaria 13 da bancada leste, que já tinha originado duas mortes em 1961. Uma década mais tarde, a 2 de janeiro de 1971, dia de Old Firm, dérbi entre Rangers e Celtic, morreram 66 pessoas no Ibrox, e mais de 200 ficaram feridas, entre as 80 mil que assistiam ao encontro.
«O jogo teve pouco interesse, mas o Celtic marcou nos últimos minutos e o Rangers empatou de seguida. Para sair da tribuna era preciso descer uma escadaria consideravelmente íngreme. Eu próprio estava sempre a descer essa escadaria, e havia esse risco de esmagamento. Era preciso tentar ficar na vertical e assegurar que existia espaço para a pessoa à frente. O que se passou ali foi que alguém, ao descer, acabou por cair. Não sabemos a razão, mas caiu e criou um efeito bola de neve. As pessoas começaram a cair por cima uma das outras e foi uma pressão massiva», recorda o historiador do Rangers.
Tal como na primeira tragédia, muitas pessoas nem perceberam o que se passara. Algumas foram confrontadas com a realidade já no pub, quando deram pelos alertas emitidos pelos noticiários televisivos.
Os clubes colocaram a rivalidade de parte para prestar homenagem às vítimas de um desastre que mudou a forma de olhar para a segurança nos estádios britânicos. Os dirigentes do Rangers «decidiram que iam ter o estádio mais seguro que podia existir, para que as pessoas pudessem ir sem medo». «Por essa altura a Alemanha estava a preparar o Mundial de 1974 e as mudanças de Ibrox foram inspiradas no recinto do Borussia Dortmund», explica o historiador David Mason.
Um dos cantos do Ibrox lembra os nomes dos adeptos que perderam a vida no estádio, num memorial que contempla também uma estátua de John Greig, então capitão do Rangers, e uma das maiores figuras da história do clube, que serviu como jogador, treinador e diretor.