Avião da Seleção Nacional aterra em Budapeste no Euro 2020. 'Jet lag' pode ser problema em estágios demasiado longe. FOTO MIGUEL NUNES
'Jet lag' pode ser problema em estágios demasiado longe. FOTO MIGUEL NUNES

Futebol — pré-época 2025/2026 (parte III/conclusão)

Equipas em estágio em vários continentes; a problemática dos fusos horários; jogos e treino em altitude; resultados obtidos e possíveis consequências para o rendimento no futuro imediato

Dando sequência á matéria exposta nos artigos anteriores, e como conclusão desta temática, devo referir o seguinte:

Os clubes que à partida optam por efetuar alguns períodos de preparação fora do ambiente natural de trabalho, para além do aspeto económico, podem advir de outras componentes positivas a considerar, nomeadamente o reforço de uma missão coletiva, encorpando por vezes desafios ou atividades que não se confinam aos aspetos do treino propriamente dito, como a utilização de percursos e jogos energéticos, onde o combate para a expressão máxima de conduta pode exigir no empenhamento para a cooperação, espírito de grupo, capacidade de interajuda resultando quantas vezes no reforço do grupo onde a identidade coletiva se vê reforçada.

É evidente que as condicionantes referidas nos artigos anteriores jamais poderão ser descuradas, nomeadamente o compromisso na participação de cada atleta no modelo de jogo, planificando e operacionalizando a dinâmica do treino por comportamentos ajustados às competências.

As competições a ser realizadas, na minha perspetiva, devem ser de grau de dificuldade crescente, ajudando a construir um resultado positivo, gerando como consequência uma elevada qualificação dos índices de confiança e mesmo a criação de uma onda apoteótica em que a forma de vencer se vê positivamente partilhada. Essa causalidade dos resultados em êxito, poderá originar por outro lado uma tomada de consciência mais operativa no sentido de otimizar o alcance do sucesso no futuro imediato, funcionando como fio condutor de ambição motivacional que poderá influenciar a performance no arranque da época propriamente dita, pois sabemos que o comportamento dos jogadores após os êxitos conseguidos, são distintamente diferentes após as frustrações obtidas.

Não esquecer, contudo, que esse eixo mediador da consciência onde se operam os êxitos em jogos numa pré-época, devem merecer uma notória referência avaliativa, cuja validade apenas será expressa na confirmação desses mesmos êxitos nas competições oficiais que se lhe seguem. Quero com isto dizer, que um embandeirar em arco em jogos numa pré-época com vitórias substancialmente conseguidas também pode funcionar como uma faca com dois legumes (como dizia com certa graça o meu bom amigo, ex-jogador e treinador/líder de sucesso, Jaime Pacheco), caso não se veja incorporada a matriz da humildade por onde passam todos os que fazem das causas do sucesso uma oportunidade para ouvir e corrigir, transpirando rigor no uso da disciplina e aproveitando toda a energia ao serviço da equipa, como um todo.

Outro assunto de importância a referenciar será a seleção dos locais de estágio. Verifica-se que por vezes certas equipas realizam estágios em locais com altas temperaturas e onde o grau de humidade se torna quase insuportável, provocando uma maior quantidade de suor na tentativa do arrefecimento orgânico, já que a circulação sanguínea e respiração pode subir até 20% de fluxo cardíaco (cerca de 4 vezes mais que em situações normais), a média de perda de peso, que no decorrer de um jogo ronda os 4% do peso total do futebolista , pode atingir os 8 a 10% e o aumento dos lactatos para 2 vezes mais do que em situações normais, necessariamente fazendo anteceder os efeitos da fadiga. Descurando-se os aspetos de uma aclimatação prévia, ou a ausência de possíveis alterações nos métodos de treino, que deve ser devidamente reestruturado, sem um descanso operacionalmente eficaz e a capacidade nutricional necessariamente assimilada, poderão ocasionar-se alguns sintomas induzidos pela fadiga, como dissemos derivada das alterações bioenergéticas e poderemos estar perante um ou outra síndrome com o aparecimento de lesões de ordem músculo-esquelética e funcional.

Associadas às condições atmosféricas, ainda se verifica (para além das vantagens estrategicamente consolidadas no potencial do marketing que o clube capitaliza de forma substancialmente qualificada), verificamos o caso de equipas que efetuam treinos e jogos em altitude. Sabe-se neste capítulo que as condições de trabalho em altitude, onde devido a uma diminuição de pressão e densidade atmosférica e correspondente diminuição da capacidade de concentração de oxigénio no sangue, faz desencadear uma incapacidade relativa de fornecimento aos tecidos, provocando um aumento de frequência cardíaca e profundas alterações de pressão arterial e consequente grau de dificuldade na execução plena que as condicionantes do treino exige. Em termos gerais, em altitude de forma pronunciada (a partir dos 850m), a força da gravidade diminui, a capacidade de utilização de oxigénio (esta fonte de energia está muito diluída), obriga o atleta a aumentar de forma notória o seu ciclo respiratório para o esforço a prestar, sendo os processos de recuperação muito mais lentos, logo, vendo-se antecipado os processos que conduzem à fadiga. Por outro lado, também se obtêm algumas vantagens no que se refere à assimilação de movimentos que requerem um alto grau de coordenação, permitindo inclusive ver-se aumentadas as possibilidades de aquisição dos níveis de força e velocidade e algumas boas adaptações no que concerne aos exercícios sob o domínio da resistência. Em termos gerais podemos inclusivamente dizer que a capacidade bioenergética, pelo aumento de fixação de hemoglobina no sangue, permite maior adaptação do sistema aeróbico do fornecimento de energia. Inclusivamente até há quem use o treino em altitude para melhoria da capacidade de resistência, pois o consumo máximo de oxigénio pode ver-se aumentado entre 10 e 22%. Claro que isso implicaria estar 12 a 18 dias de treino em altitude com valores situados entre 2000 e 2400 metros …claramente impossível no futebol, dada a necessidade de repetir estes ciclos de treino várias vezes no decorrer da época, além do que os processos de readaptação para a obtenção da performance a este nível se tornam gradualmente lentos.

Ainda neste âmbito, gostaria de referir que o treino em altitude, sendo importante para desportos que impliquem o uso da capacidade de resistência, traz mais prejuízos do que benefícios nos desportos onde a predominância do sistema anaeróbico é mais solicitada, como é o caso do futebol. Nesse sentido, o melhor será treinar ao nível do mar e simular o descanso (dormir) em altitude. Outro dos recursos que poderá ser utilizado, será o uso de câmaras hiperbáricas para o efeito pretendido, no entanto o seu alto valor comercial é, por vezes, um fator impeditivo.

Por último, uma referência a equipas que realizam a periodização e planificação dos treinos numa pré-época em locais distantes e que obrigam a uma adaptação dos ciclos circadianos que a travessia dos diversos fusos horários (jet lag) implica.

Sabe-se que, no que respeita à adaptação do organismo do atleta em relação ao fuso horário, importa anotar uma dissuasão dos ritmos diários das funções psicofisiológicas correspondentes a 1 dia por cada fuso. A título de informação complementar neste âmbito, importa referir que o desenvolvimento de adaptação é variado e determinado pelas capacidades individuais de cada atleta.

Há autores que definem como regra que a hora de dormir e acordar normaliza de 1 a 5 dias, a enquadrar a atividade intelectual e psicomotora, e em 7 a 10 dias se atinge uma excelente resposta a demais capacidades, nomeadamente ao nível da resistência. Mas é claro que existem metodologias de treino quer para prevenir, quer para tratar os efeitos ou sintomas deste síndrome de mudança de vários fuso horários, quer antes do voo (ajustando a hora de acordar), durante o voo (hidratando e efetuando exercitação isométrica seguida de alongamentos) e após a chegada com cargas de treino de fraca intensidade, questões que hoje felizmente são superiormente resolvidas e administradas por equipas técnicas compostas de metodólogos e fisiologistas de elevada competência.

Não gostaria de fulanizar esta questão nas equipas que partem para a época que se vai iniciar. Parece-me, contudo, importante referir que partem em grande vantagem as equipas que realizam uma primeira fase no exterior em locais já conhecidos (por resultados positivos experienciados) e de ambiência reforçada pelas condições criadas e por mim referidas, regressando ao fim dum tempo de ausência curto no sentido de realização de avaliações preliminares, tendo a oportunidade de conviver com as famílias, vendo solidificados os laços de afeto fundamentais que o eixo familiar pode e deve congregar, arrancando para uma ultima fase da pré–época com aceleração dos processos de exigência competitiva e cujos resultados podem oferecer autenticidade pela competência com que se viram outorgados.

Mas … estamos a falar de futebol e por vezes a capacidade humana para se superar é fenomenal. Podem acontecer coisas admiráveis e imprevisíveis que um qualquer processo científico ainda não tem uma devida explicação. E como refere Karl Popper (1902 -1994) «só conheço um caminho para a ciência: encontrar um problema, descobrir a sua beleza e apaixonar-se por ele. Casar com ele e viver até que a morte os separe … a não ser que encontre outro problema ainda mais fascinante que o anteriormente encontrado» … e aí renasce uma nova dança espiritual das ideias, que se convertem num novo estado de crença, rasgando as fronteiras do horizonte dessa viagem inacabada do tempo, onde rejubila e se exalta o sucesso.

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