FC Porto deve reafirmar-se como um grande clube na dimensão desportiva e no plano ético
Decorridos sensivelmente 10 meses desde o ato eleitoral mais participado de sempre na história do Futebol Clube do Porto, é justo afirmar que o clube vive uma fase de transição. Depois de mais de quatro décadas de uma liderança marcante, assente na figura de Jorge Nuno Pinto da Costa, os sócios entenderam ter chegado a altura de virar a página e promover uma profunda renovação dos órgãos sociais. Sinal da vitalidade de uma instituição centenária que demonstrou a têmpera de que é feito o universo azul e branco com a mobilização e o envolvimento massivo da massa associativa.
O FC Porto vive, por isso, um período de ajustamento. Entre uma realidade que se manteve e perdurou, praticamente inalterada, nos últimos 15/20 anos — nos principais protagonistas e no modelo de gestão — e o início de funções de uma nova equipa diretiva, que se propõe reorganizar e modernizar o funcionamento interno do clube, tanto na dimensão desportiva como, e sobretudo, na vertente financeira.
Reposicionar o FC Porto no topo do quadro competitivo, nacional e internacional, é um caminho longo e que vai requerer tempo. Não haverá, creio, um adepto que não tenha esta circunstância bem presente. Assegurar o necessário equilíbrio entre um desempenho desportivo que honre os pergaminhos do FC Porto, garantindo a competitividade e a alta performance das equipas profissionais, sem descurar o rigor orçamental e a necessidade de vender ativos importantes de modo a manter a solvabilidade da SAD, é porventura o desafio número um que a direção presidida por André Villas-Boas terá de vencer.
O ponto de partida com que a equipa de gestão se deparou é conhecido: na última temporada (2023/2024) a SAD encerrou o exercício económico com prejuízos de 21 milhões de euros, um passivo consolidado de 520 milhões de euros e capitais próprios negativos na ordem dos 113 milhões de euros, indicadores que confirmam a dimensão do estrangulamento financeiro com que a instituição hoje se depara.
Diante deste cenário, a administração da SAD desbloqueou um financiamento de 115 milhões de euros através de uma oferta privada de obrigações colocada nos EUA a que se somou um outro empréstimo obrigacionista num montante de 20 milhões de euros com o prazo de três anos (2024-2027). Isto para fazer face a obrigações de curto e médio prazo.
Ainda que este primeiro embate financeiro tenha sido superado, ou pelo menos mitigado, não deixa de ser oportuno atender às conclusões vertidas no relatório que foi recentemente conhecido a propósito da auditoria forense sobre os últimos 10 anos de gestão e que traz alguma luz sobre as razões que explicam uma tesouraria tão depauperada. É ali, por entre documentos de suporte, relatórios de análise e súmula de conclusões, que fica um pouco mais evidente que, pelo menos desde 2014, o clube foi sujeito a uma série de decisões que, no mínimo, aparentam discutível legalidade.
Aqui chegados, concluída a auditoria e conhecidas as principais conclusões, tomaram-se as diligências que se impunham: identificar os respetivos responsáveis pela prática de tais factos, informar os sócios e remeter os indícios às autoridades judiciárias para eventual apuramento de responsabilidade.
Virada esta página, a expetativa dos sócios do FC Porto é que de ora em diante o clube prossiga o trajeto de modernização e de reorganização operacional, assente em elevados padrões de exigência tanto nos procedimentos internos como nas relações com os diferentes stakeholders. O FC Porto deve reafirmar-se como um grande clube na dimensão desportiva, com ambição e sede de vitórias, mas também como um referencial no plano ético e dos princípios. Pela dignificação dos valores fundacionais do FC Porto, pelo contributo que o clube pode dar no sentido da credibilização da área de negócio do futebol e, sobretudo, pelo respeito que é devido ao universo de associados, adeptos e simpatizantes, motores essenciais de toda esta engrenagem.
É, por isso, tempo de prosseguir o projeto de profissionalização dos órgãos de gestão e das respetivas equipas de suporte, de reforçar o foco no reequilíbrio financeiro, na contenção de despesa não essencial e manter um critério apertado na assunção de obrigações futuras. Só estando reunidas estas condições será possível regressar aos sucessos desportivos e à consequente conquista de títulos — ambição primeira de todos os portistas.
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