Nuno Pinto lutou 990 dias contra o cancro, venceu e está de volta!

ANDEBOL18.09.202412:30

Andebolista ex-Sporting, de 31 anos, vai regressar aos jogos, no próximo fim de semana, ao serviço do seu Boa-Hora, depois de quase três anos a tratar um linfoma de 16 centímetros de diâmetro

«A notícia que saiu foi que interrompi a carreira. Não foi que a acabei. E é nisso que eu me foco. Porque não quero acabar a carreira por causa disto. Quero acabar como toda a gente: porque chega a uma certa altura em que o corpo já não aguenta. Quero voltar pela paixão que tenho pelo andebol e para provar a mim mesmo que é possível».

O discurso de Nuno Pinto no final de maio, quando se sentou à conversa com A BOLA, numa altura em que estava a iniciar os treinos depois de quase três anos parado para lutar contra um linfoma, estava carregado de vontade. Ainda que a prudência não o deixasse elevar as expectativas para o nível de certeza. Até porque tinha estado mais de 1.000 dias afastado de qualquer tipo de atividade física, numa batalha contra um cancro que o surpreendeu aos 28 anos. Uma massa de 16 centímetros de diâmetro que se instalou entre o pulmão esquerdo e o coração e que lhe deixou a vida em suspenso. Por mais tempo do que ele imaginava.

«No início disseram-me que eu ia fazer um tratamento de seis a oito meses. E que depois disso, o corpo demora mais ou menos um ano a recuperar. E eu pensei: ‘pronto, daqui a um ano e meio estou a treinar e já estou a jogar outra vez’. Não foi bem assim, tivemos de fazer mais uns tratamentos e no total foram quase três anos de tratamentos», recorda.

Dois anos, oito meses e quinze dias. Ou 990 dias, se quisermos simplificar um cenário que de simples não tem nada. E que foi fazendo abalar as certezas de um jovem que sempre fora saudável.

«A minha ideia sempre foi voltar. Só que ali a meio, quando me perguntavam, já não respondia ‘sim, sim, vou voltar’. Dizia ‘vamos ver como é que as coisas correm’. Eu engordei bastante, ganhei 20 quilos e cheguei aos 99. Não sabia como é que ia ficar em termos físicos, se ainda ia estar focado para voltar a treinar. Mas a meio dos últimos tratamentos, já numa parte final, comecei a treinar devagarinho, e fiquei certo de que era mesmo isso que eu queria fazer», nota.

Afinal, é de um amor de toda a vida que Nuno fala quando o assunto é andebol. O desporto que ele começou a praticar aos 9 anos, juntamente com o irmão gémeo, Pedro, para seguirem as pisadas do mais velho, João Paulo Pinto, numa modalidade que herdaram todos do pai. Um amor que ao longo de mais de 20 anos o levou, de braço dado com o irmão gémeo, do GM 1.º Dezembro, em Queijas, até ao Sporting, onde concluíram a formação e Nuno conquistou a Taça de Portugal, depois de vários títulos na formação. O percurso teve ainda uma passagem pelo Belenenses, até que em 2017 Nuno se fixou no Boa Hora até o maldito linfoma o afastar do que mais gosta de fazer.

Mas quem ama luta. E depois da mais dura das lutas, este amor vai voltar a ser correspondido, no próximo sábado, quando o Boa Hora receber o FC Gaia, em jogo da 2.ª jornada da Divisão de Honra, segundo escalão do andebol nacional.

«Nuno, tens um cancro»

Foi longo o caminho até aqui. Estávamos em junho de 2021 e a única queixa de Nuno Pinto era uma «tossezinha» persistente. «Um arranhar que não vinha da garganta, parecia que vinha de dentro», descreve. Na cabeça do atleta, tendo em conta a altura que se vivia, aquele sintoma isolado só podia ser uma coisa: covid. «Fiz testes, e mais testes e davam todos negativo. Fui ao médico, tomei xarope e a tosse foi ficando cada vez pior. Porque aquela massa impedia que a minha respiração fosse normal», recorda.

Foi após insistência da namorada e da mãe que Nuno foi ao médico e o raio-x que fez ao tórax deixou o médio em alerta. Seguiu-se uma TAC que confirmou a suspeita, que Nuno Pinto nunca chegou a ter. «O médico disse-me lá com as palavras dele, que eu ao início nem sequer percebi. E depois perguntou: percebeste o que eu disse?’ Eu disse que não. Porque estava tão tranquilo que até adormeci na sala de espera enquanto aguardava pelo resultado. Não estava mesmo preocupado», garante.

Nuno Pinto regressou aos treinos ainda durante os últimos tratamentos (Miguel Nunes)

Até ouvir com todas as letras. «Nuno, tens um cancro».

Seguiram-se dias de exames e mais exames. Um internamento repentino e o início da luta cujo impacto inesperado começou por derrubá-lo. «No dia em que soube que tinha algo grave, que eu nem sabia o que era, e chorei. Chorei durante vários dias. A minha família chorou. Depois tivemos ali uns tempos mais tranquilos, na expectativa do que é que seria. Veio outra notícia a dizer que eu tinha o que já se suspeitava. Chorei ainda mais. A minha família chorou ainda mais», admite. Mas havia que dar uma reposta.

«Tive mais momentos de choro, claro, mas tive de olhar em frente e perceber que tinha dois caminhos. Ou rejeitava a ideia, e acabava por ir não sei para onde; ou aceitava, e o que viesse, vinha! Se tinha de fazer tratamentos, era tratamentos que eu ia fazer. Se os tratamentos fossem ficar em casa a repousar, eu ia ficar em casa a repousar. Os tratamentos foram ir para o hospital, ficar internado, e fazer quimioterapia, foi o que eu fiz», resume.

Da Seleção ao FC Porto: homenagens vieram de todo o lado

Durante a conversa com o nosso jornal, houve apenas um momento em que a emoção na voz traiu Nuno Pinto: quando lhe mostramos o vídeo que a equipa fez quando se soube do diagnóstico do capitão. «Isto foi dos maiores gestos que alguma vez me fizeram. Como é que isto não dá força? Isto tem de dar força. Eu não sei expressar aquilo que senti no momento… depois de chorar o baba e ranho. Deu-me muita força», descreve sobre a partilha do momento em que os companheiros raparam todos o cabelo no centro do campo do Boa-Hora, numa mensagem de apoio: «A batalha de um é a guerra de todos», mostraram então.
Mas essa não foi a única homenagem que ele recebeu ao longo do período dos tratamentos. Longe disso. A Seleção nacional enviou uma mensagem de Tóquio, onde estava a disputar os Jogos Olímpicos e o FC Porto também lhe prestou uma homenagem, numa surpresa preparada pela namorada, Joana Lopes, em cumplicidade com Rui Silva, capitão da Seleção, que partilhou o balneário com Nuno Pinto no Sporting. «Ela ofereceu-me os bilhetes para ir ver o jogo do FC Porto com o Paris Saint-Germain, da Liga dos Campeões. Do nada, o [Hugo] Laurentino veio chamar-me, eu até achava que era para ir falar ao presidente do FC Porto, que estava no corredor para a entrada dos balneários. E depois, quando o speaker chamou o meu nome… não sei explicar aquilo que senti, foi muito complicado. Também porque o FC Porto é o meu clube de coração. Foi muito especial», admitiu sobre o momento em que foi ovacionado pelo Dragão Arena, num momento que o deixou num pranto, e que lhe valeu ainda uma camisola autografada pela equipa do PSG, que tinha alguns dos melhores jogadores do mundo.
«Passar por este tipo de situação sozinho deve ser muito complicado. Eu sei que há pessoas que têm de o fazer. E eu, felizmente, tive muita gente do meu lado. Recebi muitos mimos. Sou um sortudo. Sem as homenagens e os gestos de carinho, seria tudo muito mais complicado», remata.

«Mentalidade de atleta ajuda»

 Olhando para trás e para tudo aquilo que viveu, que não foi fácil, obviamente, Nuno Pinto admite que esperava que fosse ainda mais duro do que acabou por revelar-se. Mas isso também tem a ver com a forma como encara a vida, conforme foi possível perceber ao longo de toda a conversa.

«Foi um período complicado. Mas acho que estava à espera que fosse pior. Se calhar porque as coisas até correram bem, desde o início. E acabei por não sofrer tanto como estava à espera. Sofri, mas o meu maior medo sempre foi como é que iria reagir a partir do momento em que iniciei tratamentos. Nós ouvimos que a quimioterapia é das coisas mais difíceis para uma pessoa, que é doloroso. Então esse era meu principal medo. Só que depois as coisas avançaram, e todos os dias eu recebia uma boa notícia», sublinha, realçando a importância que sente que o desporto teve na forma como ultrapassou o momento.

«Não sei se a preparação física ajudou, mas digo muitas vezes que a mentalidade de um atleta pode ajudar a batalhar contra um cancro», defende.

A mentalidade e o jogo coletivo, acrescentamos, introduzindo aquilo que de mais importante Nuno teve ao longo de todo o processo, e que o fazia sorrir diariamente, como conta quem o acompanhou de perto. Sorrir para combater o momento que atravessava.

«O sorriso que tem a ver com as pessoas que tens ao teu lado e que nunca te deixam. Passei por isto com todo o apoio: da família, namorada, família da namorada, amigos…  Todos os dias, a toda hora! Nunca me senti sozinho. Eu estive quatro semanas num quarto do hospital, quase não tinha visitas, porque eram tempos de covid e só tinha uma visita por semana. E mesmo assim, todos os dias, eu ia à janela e estavam todos lá em baixo. Claro que há momentos maus, mas é impossível não sorrir. Como é que não vais sorrir?», questiona.

Tudo a acontecer… e a dar força

Os quase três anos de tratamento de Nuno coincidiram com vários momentos familiares marcantes. Acima de todos, o nascimento da sobrinha, Leonor, filha do irmão gémeo, de quem Nuno é padrinho. E cujo timing do nascimento não podia ser mais acertado.

«A Leonor nasceu dois dias antes de eu ser internado no IPO. Veio mesmo na altura certa. Foi como um aviso: ‘Nuno, vais ser internado, mas a tua afilhada nasceu anteontem. Bora! Sai lá daí rápido, porque ela está aqui’. Nem sequer a tinha visto ainda quando fui internado», recorda, garantindo acreditar que a afilhada percebia que algo se passava, apesar de ser tão pequena.

Nuno com a sobrinha, Leonor

«Ela é muito nova, tem três anos, e quando eu estava naquela fase inicial, tinha meses, nem falava, mas eu sinto que ela percebia. Eu era careca, ela estava sempre a tocar-me na cabeça. E um dia tenho a certeza de que vou falar com ela sobre tudo o que aconteceu, os primeiros momentos que teve com o padrinho. É algo muito especial e, claro, nunca me vou esquecer», assegura.

Mas houve muito mais a acontecer na vida familiar do jogador. E tudo marcante. «Depois o meu irmão João casou. Depois nasceu o Duarte, outro sobrinho. Foi tudo aqui nestes três anos. E ainda bem. Se não tivesse acontecido assim, se calhar ia ser mais complicado. Essas coisas boas a acontecer durante este período foi algo muito bom, porque deu-me ainda mais força», resume.

Agora, todos eles vão celebrar o regresso do filho, namorado, irmão, tio, cunhado, amigo ao campo onde ele sempre foi tão feliz. «Não imagino mesmo como vai ser o regresso, mas tenho pensado mais nisso. Não sei se é ansiedade, mas é uma coisa em que tenho pensado muito, nesta se-mana do jogo. Estou bastante motivado, até porque os treinos têm estado a correr bem», revela.

Nuno Pinto vai regressar à competição pelo Boa-Hora (Miguel Nunes)

«Já nem me lembro de qual é a sensação de entrar em campo. Sair do balneário e fazer a entrada, depois o cumprimento, começar o jogo… Já esqueci como são essas sensações. Mas acho que vai ser tranquilo. E se quando tudo acontecer eu sentir aquele nervosinho... aí vou ter a certeza de que fiz a escolha certa».

O único receio de Nuno Pinto prende-se com a condição física, que tem vindo a evoluir bem, mas é uma incógnita como o corpo irá reagir. Durante o verão, o atleta voltou a outra paixão: o andebol de praia, vertente na qual já foi várias vezes campeão nacional, participou em Ligas dos Campeões e até foi campeão europeu em 2022, como treinador, enquanto continuava os tratamentos.

«Estou bem e só no cardio é que ainda sinto que não estou no melhor. Mas a grande preocupação é saber como o corpo vai reagir ao regresso à competição. Afinal, estive parado durante dois anos. E não foi só parado. Foi parado com muita medicação e tratamentos», sublinha.

Mas isso agora é passado. O presente é ver Nuno Pinto provar a si mesmo e a todos os que o acompanharam nesta luta que é possível. Foi possível. Resta viver o tão ansiado momento. 

Nuno Pinto vai voltar a sorrir num campo de andebol (Miguel Nunes)