Sporting: problema sintético... Será mito?
É neste sintético que o Sporting vai jogar com o Young Boys (Polytan/D. R.)

Sporting: problema sintético... Será mito?

NACIONAL13.02.202421:30

Jogo com o Young Boys tem (mais) esta ‘dificuldade’; A BOLA falou com especialista e tenta tirar as dúvidas em torno deste tipo de relvado; Rúben Amorim já foi alvo de lesão grave

A deslocação do Sporting a Berna, capital da Suíça, onde, na próxima quinta-feira, os leões defrontam o Young Boys, em jogo da 1.ª mão do play-off da Liga Europa, traz uma dificuldade para a equipa de Rúben Amorim: jogar num sintético. 

E quando se fala neste tipo de relvado a primeira coisa que vem à cabeça são as lesões. E, nesse capitulo, Rúben Amorim sabe bem do que se fala, pois sofreu na pele uma consequência (ou não) de jogar num sintético, já lá vai quase uma década. 

Rúben Amorim no chão (Paulo Esteves/ASF)

Foi a 24 de agosto de 2014. Neste jogo o Sporting não esteve envolvido, mas também jogaria no Bessa, único estádio que tinha sintético nessa época. Na imagem está Rúben Amorim, então jogador do Benfica, cumpria-se a 2.ª jornada da Liga, e o agora treinador dos leões sofreu uma rotura total do ligamento cruzado anterior do joelho direito, que o levou a uma paragem de mais de meio ano. 

Pois bem, A BOLA foi tentar perceber se estamos perante um mito ou não. Na realidade não há evidências científicas de que ao piso sintético provoque mais lesões do que o natural. Aliás, a maioria dos estudos científicos publicados sobre o assunto conclui que há menos incidências no sintético do que no natural.

De acordo com a The Lancet, a mais credível e prestigiada revista científica sobre medicina, que apresentou uma metanálise - técnica estatística especialmente desenvolvida para integrar os resultados de vários estudos sobre o mesmo assunto -, a conclusão é bastante clara: «Foram selecionados 1447 estudos, 67 relatórios completos e incluídos 22 estudos sobre a matéria em causa. Homens e mulheres apresentaram menor incidência de lesões em relvado artificial. Jogadores profissionais tiveram menor incidência de lesão em piso sintético, enquanto não houve evidência de diferenças na incidência de lesão em jogadores amadores.» Lendo-se, ainda, na conclusão, publicada em maio do ano passado, que «a incidência geral de lesões no futebol é menor em relvado artificial do que em relvado natural. Com base nesta informação, o risco de lesão não pode ser usado como argumento contra os sintéticos, sendo considerada uma superfície de jogo ideal para o futebol». A indicação é do fisioterapeuta Rui Faria. 

Apresentado o ponto de vista científico, A BOLA foi ouvir a opinião de um expert na matéria. Rui Faria é mestre em fisioterapia de desporto de alto rendimento, já trabalhou no Sporting (com as equipas de andebol e futebol de praia), esteve presente em Roland Garros em 2022 e 2023, onde acompanhou o tenista checo Jiri Vesely, e também no US Open (2021) e Wimbledon (2023), trabalha com Auriol Dongmo (lançamento do peso) e, entre outras figuras públicas, com o bailarino António Casalinho (único no Mundo a vencer os quatro principais concursos internacionais de dança). O fisioterapeuta baseia-se na ciência, mas realça que a mente comanda muita coisa... 

Tenista checo Jiri Vesely com o fisioterapeuta Rui Faria (D. R.)

«No futebol tenta-se cientificar quase tudo, mas não nos podemos esquecer de alguns factores. Por exemplo, só a crença dos jogadores de uma possível lesão constitui um factor de risco, é uma imagem que foi sendo criada ao longo dos anos. Estamos a falar de jogadores que praticamente toda a sua vida jogaram em relvados naturais, é algo a que estão habituados, desde o cheiro da relva, à envolvência, passando pela textura, cor, cheiro, o facto de a bola deslizar melhor, ao contrário do que acontece no sintético, que prende mais. São questões sensoriais que estão na estrutura subcorticais relacionada com os nossos mecanismos de defesa. E todos os mecanismos neuro-sensoriais que foram assimilando, agora, é preciso fazer a adaptação, porque o nosso sistema nervoso também se treina e se adapta, pode é ser curto o tempo que os jogadores do Sporting têm para o fazer, tendo em conta quem jogaram no domingo, em relva natural, e voltam a jogar na quinta-feira num sintético», começou por dizer. 

Só a crença dos jogadores de uma possível lesão constitui um fator de risco, é uma imagem que foi sendo criada ao longo dos anos

E ainda no que toca a mitos, Rui Faria faz uma ressalva: «A nível fisiológico não se justifica que os jogadores façam alongamentos antes dos jogos, mas se não o fazem aparece sempre um dor aqui ou ali, porque lhes foi sempre incutida essa crença da necessidade de alongar, mas, hoje, a ciência mostra precisamente o contrário.»

Há ainda que ter em conta outros factores no que à utilização dos pisos artificiais diz respeito: «Por exemplo, nos países nórdicos, tal como refere The Lancet, as diferentes condições meteorológicas dão diferentes características ao crescimento da relva natural o que também parece predispor mais à lesão em relva natural.»  

As questões sensoriais, a cor, o cheiro, a textura estão na estrutura subcorticais relacionada com os nossos mecanismos de defesa

Mundial EUA-2026 

A lesão grave do quarterback Aaron Rodgers, 39 anos, quatro vezes eleito Jogador Mais Valioso (MVP) da NFL, jogador de futebol americano dos New York Jets, que rompeu totalmente o tendão de Aquiles, abriu uma discussão nos EUA, que é um dos países anfitriões, a par de Canadá e México, da 23.ª_edição do Mundial de futebol, em que a FIFA já exigiu que todos os palcos dos jogos tenham relva natural. 

«Sabemos que o futebol não é uma ciência exata, mas as estatísticas mostram que não se verifica grande diferença em jogar num relvado natural ou sintético. Fala-se numa solução híbrida, certo é que terão de mudar tudo, dado que a maior parte dos estádios nos EUA são direcionados para a prática do futebol americano», comenta Rui Faria. 

«Sabemos que o futebol não é uma ciência exata, mas as estatísticas mostram que não se verifica grande diferença em jogar num relvado natural ou sintético. Fala-se numa solução híbrida, certo é que terão de mudar tudo, dado que a maior parte dos estádios nos EUA são direcionados para a prática do futebol americano», comenta Rui Faria

Topo de gama

Segundo a Polytan, empresa responsável pela instalação do sintético no Estádio da Suíça, em Berna, trata-se de um produto topo de gama: «A Direção do Young Boys deu importância primordial à mais alta qualidade. A excelente estabilidade da forma desempenhou um papel tão decisivo quanto a alta densidade da fibra, a absorção de choque muito boa e o mínimo acumular de calor. Todos estes critérios são cumpridos pelo LigaTurf RS PRO II CoolPlus, graças ao seu design inteligente de fios e composição de materiais, e ao seu moderno preenchimento EPDM, que também ajuda a garantir que a relva sintética do Estádio da Suíça demonstre excelentes propriedades de jogo».

Filipe Martins, treinador, de 45 anos (Sérgio Miguel Santos/ASF)

Impacto, dores nas costas e o bater na bola

Quanto ao planeamento de um treinador para preparar a equipa para um jogo num sintético, A BOLA falou com Filipe Martins, que esta época, ainda no comando técnico do Casa Pia teve essa missão, frente ao Rabo de Peixe, dos Açores, na Taça de Portugal.

«Pessoalmente evito ao máximo treinar em sintético, a não ser o necessário e opto por fazê-lo em dois treino na semana. Há sempre a ideia e sensação de que se possam lesionar, ou porque as botas não são adequadas ou os pitons prendem, além do impacto que lhes causa e as dores nas costas», salientou. 

No que à preparação diz respeito, Filipe Martins é claro: «Basicamente é fazer com que se adaptem ao bater na bola, no sintético salta mais, se estiver molhado foge facilmente, é preciso bater mais por baixo. Mas, claro, depende do sintético, os da Taça de Portugal são bem diferentes daquele que o Sporting vai pisar. No fundo, tudo tem que ver com a forma de ligar dos jogadores com o efeito psicológico que isso lhes causa.»

Outros jogos do Sporting em sintéticos 

Hugo saiu lesionado (ASF)

23 de novembro de 2003. Jogo da 4.ªeliminatória da Taça de Portugal, entre Sporting e 1.º Dezembro, o minuto 24 ficou marcado pela lesão de Hugo, antigo central leonino, sofreu uma rotura total do tendão de Aquiles da perna esquerda. No Campo Conde de Sucena, em Sintra, o Sporting seguiu em frente na prova, após vitória por 2-0, com Liedson e Clayton a serem os autores dos golos.

Liedson em ação (António Pedro Santos/ASF)

27 de setembro de 2006. O Sporting deslocou-se a Moscovo para defrontar o Spartak, em jogo da fase de grupos da Liga dos Campeões, num encontro que se realizou em relva artificial, tendo terminado empatado a um golo, com Nani a marcar o tento dos leões.  

Nani após assistência médica de Frederico Varandas (Vítor Garcez/ASF)

5 de dezembro de 2014. Em jogo referente à 12.ª jornada da Liga, no Estádio do Bessa, Nani recebeu assistência médica, na altura de Frederico Varandas, que dá indicação ao banco para que o jogador fosse substituído.  

Relvado sintético, em Oleiros (Sérgio Miguel Santos/ASF)

12 de outubro de 2017. O Sporting visitou o modesto Oleiros, em jogo da 3.ª eliminatória da Taça de Portugal, sendo que os leões aceitaram jogar no campo do adversário, sem que Jorge Jesus, treinador à época, se mostrasse contra este tipo de relvado.  

Sporting em Astana (Miguel Nunes/ASF)

14 de fevereiro de 2018. Faz hoje seis anos que o Sporting estava a pisar um sintético para fazer treino de adaptação. Foi em Astana, na 1.ª mão da Liga Europa, em que os leões venceram, por 3-1, com golos de Bruno Fernandes, Gelson Martins e Seydou Doumbia. Jorge Jesus era o treinador e mostrava-se contra os sintéticos: «No dia a seguir os jogadores parece que levaram com um pau».