Mariana Cabral fala da cratera entre Portugal e EUA e deixa elogios ao 'novo' FC Porto
— Financeira e estruturalmente, duas realidades completamente distintas entre Portugal e EUA.
— Sim, obviamente, Não falei dessa parte [financeira], mas claro que nos Estados Unidos é uma realidade. E mesmo comparando com Espanha, nos Estados Unidos o valor é quase o triplo. E o triplo é muito dinheiro e faz muita diferença.
— Aos 37 anos já está, portanto, a trabalhar para a reforma. Que maravilha.
— [risos] Não sei se é bem isso ainda. Ainda falta muito. Mas vamos andando, vamos andando [risos]. Porque depois não podemos ainda comparar com os valores do futebol masculino. Muitos deles já são absurdos. Também não consigo perceber. Faz-me confusão. E gosto muito de dinheiro, atenção. Isso não quer dizer que as pessoas de esquerda não gostam de dinheiro. Mas faz-me muita confusão que as pessoas não queiram pagar impostos ou que tentem fugir e que façam esquemas. Qual é a diferença entre teres 10 milhões e teres 15 milhões? Já que estamos a falar de questões políticas e, neste caso, económicas, deixa-me dizer também que estas jogadoras que estão há muito tempo nos clubes, que são referências, como a Ana Borges, a Diana Silva, enfim, imensas jogadoras, não têm o dinheiro que elas ganham. O dinheiro que lhes permita depois estarem sem fazer nada o resto da vida. Não é como no futebol masculino. Podem, talvez, algumas agora já viver do futebol, é um facto, mas ali no limiar de alguma qualidade de vida, se pudermos dizer assim. Mas não lhes permite fazer aquele pé-de-meia para que chegue a uma determinada altura e pensem, ok, estou safa. Há essa diferença, sim.
— E desportivamente? Que realidade é esta do clube onde está?
— É muito diferente daquela que existe aqui em Portugal. Em termos de infraestruturas, o clube tem equipa feminina e equipa masculina. A equipa masculina tem um nome diferente, que é o Real Salt Lake, mas é o mesmo clube. E para nós percebemos a dimensão, o clube recentemente teve novos investidores, compraram o clube há poucos meses e pagaram 600 milhões de dólares pelo clube. Portanto, é muito dinheiro. Temos tudo o que a equipa masculina tem, relvados, balneários, ginásios, piscinas, tudo o que é necessário. Só partilhamos uma parte de refeitório, que eu acho que também seria uma coisa impensável aqui em Portugal. Em termos de futebol, também é tudo muito diferente. Há muito foco no lado físico, no treino, depois o técnico e o tático. Mas também as jogadoras, que têm um perfil físico fora do comum, como o caso da Cloé [Lacasse], que está na minha equipa e que lixou-me a vida muitas vezes no Benfica [risos]. A jogadora portuguesa entende muito bem o jogo, sabe o que está a fazer, nos EUA não é tanto assim. Há muito menos tempo para ter a bola nos pés e os duelos são muito mais intensos. É um jogo mais de transições e de ataque ao espaço. O futebol lá é visto como um espetáculo, é um produto que se oferece aos adeptos, sempre com concertos e outras iniciativas. Queria perceber como funcionava a melhor liga do mundo e tive de fazer uma quantidade de formações.
— Por falar em clubes de grande dimensão, o FC Porto já subiu à 2.ª Divisão e está a bater à porta da Liga BPI. Mais uma excelente notícia para o futebol feminino.
— Sem dúvida nenhuma. Até logo pela forma como começou, com o Estádio do Dragão cheio no jogo de apresentação. Foi excecional. A própria Seleção encheu o estádio no jogo com a Chéquia, no Dragão, e isso quer dizer que está a trabalhar-se bem ali. Nós vemos que nos dérbis entre Benfica e Sporting há muitas dificuldades em encher estádios, o que é estranho. Nos EUA, a pior assistência que tivemos até agora foi de 10 mil pessoas. A cultura desportiva é diferente, lá está. Aqui, se Benfica, Sporting ou FC Porto perdem, como que acaba o mundo. Lá não são tão ligados ao fervor clubístico e têm o pensamento de que quando não corre bem será melhor na semana seguinte.
— Voltando a fazer um apelo à sua frontalidade, o que falta ao futebol feminino em Portugal?
— É difícil. O que é preciso é haver um sucesso que mostre que Portugal é bom e que ligue as pessoas a isto. É como as jogadoras espanholas, que depois da dimensão conseguida pela seleção, que ganhou um Mundial, passaram a ser vistas de outra forma. Não estou a dizer que Portugal terá de ganhar um Mundial, obviamente, mas o facto de a Seleção Nacional ir tendo mais sucesso nas várias provas faz com que as pessoas percebam isso. E depois também é preciso que a nossa liga seja profissional e não amadora. Há jogadoras que são talentos e que conseguem chegar a outros patamares, mas precisamos de ter mais condições para que isso continue a acontecer.