Burúndi Luta por um sonho numa bola do Burundi
O campeonato do Burundi era caso único em África, única liga em andamento. Enquanto todos foram fechando um a um devido ao Covid-19, o campeonato burundês resistiu e a bola continuou a rolar durante semanas, à semelhança de Bielorrússia, Nicarágua, Tajiquistão e, depois, Taiwan, quando Coreia do Sul e Alemanha ainda não sonhavam com o regresso. A suspensão do campeonato aconteceu, mas não pelo coronavírus. A realização de eleições levou a federação a interromper a competição durante semanas, aparentemente porque havia estádios que teriam de ser utilizados para o sufrágio. A suspensão aconteceu a 14 de abril e as eleições são a 20 de maio.
«O campeonato está parado, mas ainda se jogava há pouco tempo. O Covid chegou tarde ao Burundi, mas não sei se o campeonato parou pelo Covid-19 ou pelas eleições. Agora estão a fazer campanha política no país, pode ser por isso. Mas não era normal, o campeonato continuava com as eleições», conta a A BOLA Chris Nduwarugira, 25 anos, médio do Varzim e um dos dois jogadores do Burundi em Portugal - o outro é Abbas, do Bragança, do Campeonato de Portugal.
Nduwarugira conversa connosco em português. Chegou a Portugal em 2016, para o União da Madeira, depois de três anos a jogar no Chibuto, em Moçambique. Depois da Madeira, Chris rumou ao Amora e, dali, assinou pelo Varzim. Tinha 23 jogos pelos poveiros na Liga 2 até à interrupção da prova.
O site Worldometers tem registo de 15 casos de Covid-19 no Burundi, com apenas um morto e sete recuperados, num país com população estimada de dez milhões de pessoas. Pelos dados existentes, o Covid-19 não mexeu com a vida do país. O Burundi é um pequeno território rodeado por Ruanda, República Democrática do Congo e Tanzânia. As fronteiras foram logo fechadas. Quando as federações da Confederação Africana de Futebol (CAF) começaram a interromper campeonatos, a federação do Burundi reuniu-se com clubes e governo e consideraram que não existiam casos suficientes de coronavírus para interromper a prova. Algumas medidas foram impostas. A temperatura passou a ser medida ao público, os jogadores lavavam as mãos antes dos jogos e terminaram apertos de mão e festejos. Chris Nduwarugira compreende por que os compatriotas continuaram a jogar.
«O campeonato parou muito tarde. Estávamos parados aqui há um mês e eles continuavam a jogar. Para nós é um risco jogar, mas lá tem que ser. As pessoas vivem por dia no Burundi, se não forem ao mercado não conseguem viver. Se os jogadores não jogam e não se treinam, não recebem. O governo não ajuda as pessoas como acontece na Europa. É um pouco complicado», refere.
A salvação na bola
A economia do Burundi vive essencialmente da agricultura, a maioria de subsistência. O futebol é uma das paixões dos habitantes, apesar das duas únicas medalhas olímpicas serem do atletismo. O desporto-rei acaba por ser uma forma dos jogadores burundeses procurarem melhores condições de vida. E isso marca a forma como se joga no país. «O campeonato é duro, o jogador do Burundi sonha em chegar longe, têm de trabalhar muito», conta o jogador do Varzim. Tática é coisa que mal existe: «É um campeonato duro, como disse, há campos onde não dá para jogar a bola, é difícil fazer um passe. Jogo duro, agressivo, pouco técnico...»
Chris Nduwarugira jogou no LLB Academic de Bujumbura, a maior cidade do país. O campeonato tem 16 equipas e é liderado pelo Le Messager Ngozi. O clube mais titulado é o Vital’O, atual quinto classificado da Ligue A. A maioria dos jogadores que se destacam vai jogar para o vizinho Ruanda. Chris Nduwarugira foi para o Moçambola. Moçambique abriu-lhe as portas de Portugal. «Tinha o sonho de jogar na Europa. Então trabalhava duro, treinava duas vezes por dia, não dormia, tudo pelo meu sonho», recorda o jogador poveiro, feliz por estar em Portugal: «Os campos são bons, podes passar a bola, dominar. No Burundi há campos bons, há mais ou menos e há péssimos.»
O médio do Varzim fala com emoção do Burundi. O internacional burundês lamenta a falta de empresários que apostem mais no jogador local. «A maioria dos jogadores no Burundi não são profissionais. Hoje já saiu um jogador para a Turquia, mas há poucos empresários, falta força. A maioria vai para Ruanda, Quénia, Zâmbia. Até o campeonato do Egito tem poucos jogadores», lamenta. Chris Nduwarugira vive em Portugal com mulher e filho. Tem um irmão e uma irmã no Burundi e não vai há um ano a casa. Com 25 anos, sonha com voos mais altos no futebol. Mas quem sabe se, no futuro, não estará aqui um agente em potência: «Conheço a mentalidade deles. Quando chegassem aqui, não iam facilitar. Era o sonho deles.»
Leia a reportagem completa na edição impressa do jornal A BOLA desta segunda-feira