Fellaini afinal não se reforma: aos 35 anos, vai ficar livre (e continuar uma carreira de altos e baixos)
Ficou-se hoje a saber que Marouane Fellaini, do Shandong Taishan, iria terminar a carreira. Não por ele, mas sim pelo seu treinador e erradamente, como o seu agente confirmou pouco depois. O médio belga vai sim tornar-se um jogador livre. É apenas mais uma confusão em que é envolvido o nome de Fellaini que não foi, durante grande parte da carreira, uma figura consensual.
Conhecido pelo seu característico penteado, pelo (por vezes, desmesurado) poder físico que apresentava em jogo e pela postura em campo, algo desastrada, que contrastava com a especial habilidade para dominar a bola com o peito, o belga passou por muitos altos e baixos, confusões e mudanças, até chegar, já no ocaso da sua carreira, ao lugar onde vai, inclusivamente, ser homenageado, com uma saída pela porta grande.
A carreira profissional de Fellaini começou ao lado de vários portugueses, como Sérgio Conceição e Ricardo Sá Pinto. A sua capacidade aérea e física, bem como a sua resistência durante os 90 minutos, fizeram do belga uma mais-valia no miolo do Standard Liège. A disponibilidade permitiu-lhe, em duas épocas, fazer quase 80 jogos e na segunda época na equipa principal, os seis golos em 31 jogos do campeonato revelaram-se fulcrais para o título de campeão belga, que já fugia ao clube desde 1983.
A boa forma valeu a atenção de vários clubes ingleses, que viram em si um portento físico que encaixava que nem uma luva no futebol britânico, e nem os dez amarelos vistos pelo atleta no campeonato foram considerados problemáticos: apenas significavam o desejo de disputar cada bola, o que, em Inglaterra, é condição inegociável.
Foi o Everton que, com 17,2 milhões de euros, adquiriu o passe de Fellaini, tornando-o não só na contratação mais cara dos toffees, mas também no belga mais caro até então.
Everton e David Moyes
O Everton revelou-se como o ponto mais alto da carreira de Fellaini e, como muitos jogadores fazem, foi lá que encontrou o seu mentor para o futebol: David Moyes. O técnico britânico, agora no West Ham, foi o seu treinador durante cinco épocas (e meia, mas lá chegaremos), e foi quem conseguiu potenciar melhor as suas características do belga.
A adaptação de Marouane Fellaini foi um processo demorado, mas as questões disciplinares não eram, afinal, uma questão da liga belga. Se no Standard Liège atingiu os 10 cartões amarelos em 31 partidas, em Inglaterra, a marca foi alcançada à 17ª jornada, e precisou de uma reunião com o árbitro principal de Inglaterra, Keith Hackett, para evitar uma sanção mais pesada. Ainda assim, era visível o seu crescimento e, no fim da época, tornou-se no Jogador Jovem da Época do Everton.
⚽️ @Fellaini
— Everton (@Everton) January 10, 2023
🚀 @m8arteta
Everton 2-0 Hull City. #OnThisDay in 2009. 🔵 pic.twitter.com/nTdyN7zzk2
Auge no Everton
Entre 2011 e 2013, Fellaini viveu os melhores anos da sua carreira europeia. O sistema que David Moyes implementou no Everton baseava-se em princípios simples: 4-4-2, futebol físico, direto e vertical. Defensivamente, o belga aproveitou, sobretudo em 2011-12, a necessidade que o seu meio-campo tinha de imposição física, e terminou a temporada como o jogador com mais recuperações de bola em toda a Premier League.
No verão de 2012, acentuou-se a perseguição do Manchester United, que voltou a ser defletida. Foi nessa época que floresceu uma nova dimensão do jogo de Fellaini: a veia goleadora. A existência de jogadores como Leighton Baines e Pienaar, exímios na arte do cruzamento, permitiram que o belga mostrasse todo o poderio do seu cabeceamento. A sua habilidade para aparecer fora do alcance dos centrais provou-se fulcral para o Everton, que acabou em sexto lugar no campeonato, muito graças aos seus 11 golos na competição, cinco deles de cabeça. Foi o melhor marcador da equipa na época, que o potenciou, e a David Moyes, para outros palcos…
O início do Manchester United
Sir Alex Ferguson reformou-se no final da época e, em 2013/14, o escolhido para lhe suceder foi, nada mais nada menos, que David Moyes. O britânico levou Fellaini consigo e, por tê-lo feito logo em agosto, teve de pagar mais cerca de cinco milhões... Não se quebrou, assim a ligação dos últimos cinco anos, pelo menos para já. O tempo veio provar, porém, que este talvez tenha sido um passo demasiado grande, porventura, para ambos.
Throwback to when Marouane Fellaini had a £23.5m release clause that expired on July 31st at Everton.
— Football Tweet ⚽ (@Football__Tweet) February 5, 2021
Then Man Utd bought him in September for £27.5m. 🤣 pic.twitter.com/GZwZ31juDu
Os maus resultados e as exibições fizeram cair Moyes ao fim de pouco mais de meia época. «Até chorei. Ele não era um segundo pai, mas era quase. Ajudou-me muito», admitiu Fellaini, sobre a demissão do técnico.
O belga era, quando não estava a contas com lesões, um espelho da equipa: as suas exibições, ao contrário das que havia apresentado nas épocas anteriores, eram pobres, com pouca disponibilidade física e definição, e fizeram com que fosse considerado, por muitos, uma das piores contratações da época.
Van Gaal, Mourinho e Solskjaer
A estadia de Fellaini no Manchester United manteve-se extremamente adversa à vontade da massa adepta. A sua atitude, outrora aguerrida, era agora vista como displicente, de um jogador que, para eles, estava a jogar num patamar acima do seu. Ainda assim, voltou a encontrar, de certa maneira, a veia goleadora ao serviço de Van Gaal, com seis golos no campeonato (três deles de cabeça). No ano seguinte, voltou a aumentar o número de partidas que disputou e conquistou o primeiro título pelos red devils: a Taça de Inglaterra.
Com a chegada de Mourinho veio também Pogba, que ocupou a sua posição, ao lado de Ander Herrera. O treinador português, contudo, gostou da postura do belga, foi-lhe dando tempo de jogo, e Fellaini terminou 2016/17 com 47 jogos disputados, mais do que em qualquer outra época da sua carreira.
A época seguinte começou a mostrar algo que viria a agravar-se: os problemas físicos. Se na época anterior não tinha tido qualquer lesão, Fellaini parou 34 partidas por questões físicas em 2017-18, a última completa de Mourinho.
Em 2018/19, o treinador português saiu a meio da temporada e entrou Ole Gunnar Solskjaer, que teve, como uma das primeiras medidas, vender Fellaini. Em entrevista, o belga mostrou-se amargurado com esta decisão: «Um dos melhores treinadores do mundo queria-me, mas chegou um técnico novo e não estava nos planos dele. Tive de sair e não me arrependo. Ele quer ficar só com jovens, alguns deles chegam ao balneário e vão logo para as redes sociais. Está errado».
Nova vida na China
Ao serviço do Shandong Taishan, Fellaini vive uma nova vida, começando pelo seu famoso cabelo. O médio já não usa o seu penteado tão conhecido, optando por um corte mais curto. O seu jogo viu mudanças: subiu mais no terreno e joga, sobretudo, a segundo avançado, tendo já feito, inclusivamente, um hat trick só de cabeceamentos!
As épocas mais goleadoras da sua carreira voltaram – já por duas vezes marcou 13 golos numa época - e é um ídolo no Shendong Taishan, contribuindo, para esse estatuto, os títulos que já conquistou: uma liga e duas taças da China.
Marouane @Fellaini scored an eight-minute headed hat trick for Shandong Luneng 😎 pic.twitter.com/zFLWtJdPai
— 433 (@433) July 29, 2020
Em retrospetiva...
A carreira de Fellaini sempre foi coberta de um carisma único que só ele conseguia mostrar. A fase de Manchester United acaba por ser, naturalmente, mais escrutinada, e as atitudes dentro e fora de campo mostravam, por vezes, um atleta que jogava no limite do desportivismo. Howard Webb, ex-árbitro, chegou a descrevê-lo, após um incidente contra o Liverpool, como «um rufia, que não sabe jogar sem usar os cotovelos».
Incidentes como a expulsão contra o Manchester City, por agressão a Sergio Aguero, ou um puxão de cabelos ostensivo a Guendouzi, ficaram na memória dos adeptos, que continuam a revelar alguma hostilidade ao jogador. Porém, há ter em atenção que a distância – no tempo e no espaço – pode deixar cair os melhores tempos deste belga que, a partir do meio-campo, ainda fez 18 golos em 87 internacionalizações pela Bélgica. Nos melhores anos europeus de Fellaini, era um jogador com um impacto incontornável. E agora, na China, o seu trabalho não passa ao lado dos adeptos de Shendong, que têm preparada uma homenagem especial na última partida pelo emblema chinês.
🇧🇪 Marouane Fellaini leaves China side Shandong after 5 years as legend of the club.
— Fabrizio Romano (@FabrizioRomano) November 4, 2023
He’s now available as free agent, ready for new chapter as his agent denied all recent reports on retirement. pic.twitter.com/xCxz7pEuSn