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FC Porto: os sete pecados 'mortais' de Martín Anselmi
Tudo está mal… quando acaba mal. A era Martín Anselmi no FC Porto está prestes a terminar – o técnico argentino está por um fio e durante o dia desta quarta-feira poderão surgir novidades quanto ao seu futuro (por esta altura, seria uma absoluta surpresa que a decisão de André Villas-Boas passasse por mantê-lo no cargo) – e é tempo de lançar um olhar sobre estes cinco meses do argentino nos dragões.
Apresentado no dia 27 de janeiro deste ano, Martín Anselmi assinou um contrato válido por duas temporadas e meia, ou seja, até 2027. Tornou-se no sexto técnico argentino da história dos azuis e brancos, depois de Eladio Vaschetto, Alejandro Scopelli, Francisco Reboredo e Lino Taioli. Nessa altura, acreditava-se no Dragão, inicia-se um ciclo que tinha como grande objetivo reconduzir o clube à glória. Mas antes de Anselmi, já tinha havido… meia época.
O arranque com Vítor Bruno
Isto, porque, recorde-se, o arranque de época sob a orientação de Vítor Bruno tinha sido bastante atribulado – o antigo adjunto de Sérgio Conceição até tinha começado bem, com a conquista da Supertaça (final ganha de forma épica ao Sporting, por 4-3, após prolongamento, isto depois de os leões terem tido três golos de vantagem), mas as exibições seguintes acabaram por nunca convencer os adeptos e a sua saída foi, literalmente, um fim (há muito) anunciado.
Estávamos a 20 de janeiro de 2024, altura em que o FC Porto ocupava, à 18.ª jornada, o terceiro lugar da tabela classificativa da Liga, com 40 pontos, a 1 do Benfica e a 4 do Sporting. Os azuis e brancos estavam ainda em prova na UEFA Europa League, mas já tinham sido eliminados da Taça de Portugal (1-2 com o Moreirense, na 4.ª eliminatória) e da Taça da Liga (0-1 frente ao Sporting, nas meias-finais).
A transição com José Tavares
A transição entre a saída de Vítor Bruno e a chegada de Martín Anselmi foi assegurada por José Tavares, técnico da casa, que orientou a principal equipa do FC Porto nos encontros com o Olympiakos (0-1, na 7.ª jornada da fase regular da UEFA Europa League) e com o Santa Clara (1-1, na 19.ª jornada da Liga).
A solução encontrada pela cúpula diretiva liderada por André Villas-Boas, já se sabia, era pontual, e foi uma questão de dias até que Anselmi fosse oficializado pela SAD azul e branca.
O percurso de Martín Anselmi
Foi, pois, a 30 de janeiro que o argentino se sentou pela primeira vez no banco a orientar o FC Porto. Em Belgrado, na Sérvia, Anselmi estreava-se num duelo frente ao Maccabi Telavive – que não pôde ser realizado em Israel devido a questões de segurança relacionadas com os conflitos que ali se viviam -, da 8.ª jornada da fase regular da UEFA Europa League, e um golo de Nico González (que apenas quatro dias depois rumou ao Manchester City a troco de €60 M) deu o primeiro sorriso ao técnico sul-americano.
Foi o primeiro dos 21 jogos que Anselmi orientou (até agora…) de dragão ao peito. Contas feitas, o argentino guiou a equipa a 10 vitórias, tendo ainda registado seis empates e cinco derrotas. O percurso não foi, de todo, satisfatório, com o FC Porto a terminar a Liga no último lugar do pódio – que discutiu até ao fim com o SC Braga -, a 9 pontos do Benfica e a 11 do Sporting.
Nas provas internacionais, os portistas baquearam no play-off da UEFA Europa League, frente à Roma (1-1 e 2-3), e tiveram uma participação desastrosa no Mundial de Clubes, competição de onde acabaram de ser eliminados depois de empates com Palmeiras (0-0) e Al Ahly (4-4) e desaire diante do Inter Miami (1-2).
Aos maus resultados obtidos ao longo da época juntaram-se também exibições bastante criticadas por toda a nação portista (e não só…), pelo que Martín Anselmi começou, também ele, a ficar sem espaço. A viagem para os EUA, no seguimento da participação do FC Porto no Mundial de Clubes, já foi feita com muitas dúvidas no ar relativamente ao futuro do técnico, e a paupérrima prestação na prestigiada prova terá sido a gota de água. O futuro do FC Porto não deverá coincidir com o futuro de Martín Anselmi. Veremos qual será a decisão da SAD liderada por André Villas-Boas, sendo certo que as hipóteses de o casamento continuar a ser uma realidade são… bastante reduzidas. Ou quase nulas, até.
Os 7 pecados
1 – Sistema tático. De forma absolutamente legítima, o argentino decidiu implementar o sistema de que mais gosta e, como tal, chegou ao Dragão com a ideia bem vincada: uma linha de três centrais, quatro elementos no meio-campo e três jogadores na frente de ataque. Na prática, um 3x4x3. Mas faltavam, desde logo, centrais para esta equação. As opções eram poucas e as existentes… não corresponderam. Ao ponto de terem sido feitas adaptações, como foram os casos de Eustáquio e Tomás Pérez, dois médios de origem. A estratégia nunca colheu e os resultados provaram-no. Até que Anselmi mudou com o Al Ahly, alinhando num 4x4x2 clássico. Naquele que pode ter sido… o seu último jogo.
2 – Comunicação. Também aqui Anselmi deixou a desejar. Nas conferências de Imprensa e/ou nas flashes nunca ficou claro que o técnico tivesse soluções para os problemas que iam surgindo partida após partida. Ainda podia dar-se o caso de haver um tipo de comunicação para o exterior e outra para o grupo, mas a verdade é que as exibições nunca o provaram. O que deixa margem para a interpretação de que os jogadores nunca absorveram verdadeiramente a(s) sua(s) ideia(s).
3 – A queda de Samu. O menor aproveitamento de Samu também carece de uma análise estratégica. Afinal, é factual que os números do ponta de lança baixaram (e de que maneira) desde que Anselmi chegou ao clube. Antes disso, o camisola 9 tinha contabilizado 18 golos em 25 jogos, mas sob a orientação do argentino apontou apenas nove tentos (metade, portanto) em 20 partidas. A falta de agressividade coletiva no último terço ofensivo ajuda a perceber esta diferença do Samu da primeira metade da época para o Samu da segunda metade.
4 – Dependência de Mora. É inegável aos olhos de qualquer apreciador de futebol que Rodrigo Mora é um daqueles jogadores que tem de… jogar sempre. Porque tem uma qualidade técnica superlativa, um dom inato para a prática do futebol. E o menino disso deu conta em todos os jogos que realizou, terminando a época com 35 aparições, 11 golos e quatro assistências. Quando marcou ou quando ofereceu, fê-lo quase sempre com uma classe suprema. Em simultâneo, gizou lances só ao alcance dos predestinados, como que pintando verdadeiras obras de arte. Sobre o génio do camisola 86 (e o facto de ter já condições para jogar em qualquer equipa de topo europeia) estamos conversados. Mas será que Anselmi não poderia ter tido outras soluções para o coletivo e não esta apenas dependente da magia de Mora?...
5 – Mora e Moura. Talvez só estes dois elementos conseguiram ter rendimento verdadeiramente à imagem de cada um. O criativo, já se sabe, é de outro planeta, o lateral/ala esquerdo (que terminou a época com 42 jogos, quatro golos e 11 assistências) foi subindo de produção ao longo da temporada e cotou-se como um dos poucos catalisadores do ataque portista. Mas não teria o técnico argentino a responsabilidade de explorar outros jogadores para que a estratégia pudesse funcionar?
6 – Pepê. Se olharmos aos registos individuais, o ano do internacional brasileiro não pode ser visto como tendo sido assim tão mau: 45 encontros, seis tentos apontados e quatro passes certeiros. Mas olhando para as três épocas anteriores (147 jogos, 19 golos e 24 assistências), talvez se esperasse (ainda) mais do extremo. Que foi também várias vezes utilizado como interior, recorde-se. Mas sempre com bastante rendimento. Algo que não aconteceu esta época, com o número 11 a parecer, muitas vezes, desligado do coletivo. Talvez tivesse faltado uma melhor interpretação das suas características para que os adeptos pudessem continuar a apreciar o Pepê que os deliciou nos três anos anteriores de dragão ao peito.
7 – Os (não) titulares. Analisando, a frio, o plantel que Anselmi teve à sua disposição – e fazendo a devida ressalva de que não foi por si construído -, também podemos constatar que houve jogadores que eram, na teoria e na prática, titulares quase indiscutíveis, mas cujo rendimento acabou por não justificar a permanência no onze. Falamos, por exemplo, de Alan Varela, Eustáquio ou até mesmo Fábio Vieira, elementos que têm qualidades sobejamente conhecidas e que, por essa razão, tinham tudo para ser autênticos esteios do coletivo. Mas a verdade é que os seus rendimentos foram extremamente irregulares. Fosse por questões físicas ou… estratégicas. Como por exemplo: Varela a organizar? Não faz sentido, é um jogador de equilíbrios. Eustáquio como central? Não tem rotinas e falhou muitas vezes na ocupação de espaços (perdendo-se, ao mesmo tempo, uma hipótese altamente credível para o setor intermediário). Fábio Vieira como ala? Nunca será a função do esquerdino. Porque Fábio Vieira nunca será… Otávio. Sim, o internacional português que, sendo também um criativo, conseguia jogar a partir de um ala e coordenar todo o jogo ofensivo dos dragões. Mas Fábio Vieira é mais refinado, é jogador de bola no pé e não de andar a correr atrás dela. É jogador de último passe e de (alta) definição. Para jogar por dentro e nas zonas de decisão.