Burundi: onde há futebol e… eleições em Maio

Burúndi Burundi: onde há futebol e… eleições em Maio

INTERNACIONAL06.04.202000:23

O futebol do Burundi, minúscula nação africana enclausurada entre Tanzânia e Ruanda, mais pequena que o Alentejo, mais populosa que Portugal, transformou-se numa de quatro atrações mundiais, conjuntamente com Bielorrússia, Nicarágua e agora o Tajiquistão, que convoca atenções e levanta auscultações por este fenómeno raro de desafiar a mais furiosa e abrangente propagação do Covid-19. Jorra dinheiro nos sites de apostas e já há por vários pontos do mundo quem torça pelo Le Messager Ngozi, Aigle Noir, Musongati ou o mais titulado Vital’O, numa Liga nascida em 1972, que congrega 16 equipas.

Do Burundi não se conhecem jogadores com expressão mundial – Saido Berahimo prometeu mas esfumou-se – mesmo que de África para o mundo se descubram talentos e tesouros todos os dias. Pouco afetado até esta altura pelo Covid-19, o Burundi não embarcou na paralisação da vida quotidiana, não travou as mais diversas celebrações, como casamentos e conferências, tudo isto numa das mais carenciadas nações do mundo, onde também não se decretaram suspensões das suas provas desportivas, estando o Campeonato a entrar na fase decisiva, quatro jornadas para apurar o campeão, numa luta onde seguem Le Messager Ngozi e o Musongati. Apesar da Federação de Futebol ter convocado os clubes para uma reunião, a fim de ser discutido o impacto do vírus e a proteção a dar aos jogadores, o Governo foi claro no seu último ofício:

 «Lutar contra o coronavírus é uma luta como tantas outras. É como no passado em que os burundianos combateram o paludismo, a cólera, a desinteria bacteriana, como outras doenças. O mesmo será feito contra o coronavírus. Os burundianos vão ganhar este combate. Vamos todos continuar a trabalhar. O Governo da República pede para que todos rezem e implorem a Deus para que este vírus seja vencido!»

«Que não seja um massacre», Patrick Sota, jornalista do Arc-en-Ciel.

Consegue explicar-me as razões para o Burundi ser, por agora, o único país em África a manter ativos os eventos desportivos?

-Quando o Coronavírus apareceu em todo o mundo, muitos países foram duramente afetados por essa pandemia. Além disso, alguns disseram que o clima do nosso país não poderia permitir que esse flagelo sobrevivesse. É por isso que tudo continuou a funcionar no Burundi. Acabamos de perceber que essa informação não era verdadeira. E que o Burundi é tão vulnerável quanto os países contaminados, mas provavelmente em menor grau. Eu imploro para haver cuidado. O futebol está a ser jogado, mas acho que as autoridades públicas não pensaram que essa pandemia terrível e implacável também nos atacaria. Atualmente há dois casos confirmados. E um terceiro de uma rapariga está em averiguação. É importante saber tudo com exatidão. Se os casos de pessoas infetadas aumentarem, acho que devemos ficar confinados para evitar um massacre. Espero que não se chegue lá! Que o bom Senhor proteja nossa querida pátria

Neste cenário, em que se joga a Primus League, há um entendimento que os jogadores e treinadores se sentem seguros?

 Antes de haver casos documentados de Covid 19, ninguém via o perigo. Não vimos esse flagelo a chegar aqui e, por esse facto, os jogadores e treinadores podem ter-se sentidos seguros. Mas o vírus chega rápido a qualquer parte.

Em relação aos jogos que se fazem, especialmente estas últimas jornadas, há cuidados de segurança e higiene que são levados em conta?

 Há medidas de higiene que são tomadas aqui e ali para combater a pandemia. Onde quer que vamos, os anti-sépticos são disponibilizados e isso promove a higienização das mãos. Vê-se em estádios, lojas, bancos públicos e privados. Todos os serviços privados e estaduais. Em todos os lugares .....Os meios de comunicação estão a sensibilizar tanto quanto possível as pessoas a adotarem um comportamento consistente em relação a esta terrível doença.

Que retrato social e político pode ser feito do Burundi?

É algo longo para que eu possa responder a essa pergunta em poucas palavras. Seria necessário uma análise aprofundada. Devem estar cientes de que o Burundi organizará em breve eleições presidenciais. Maio está a chegar. Os períodos pré-eleitorais são frequentemente marcados por tensões. Graças a Deus até agora, nunca ouvi falar de um caso a caminhar nessa direção. O clima é calmo, por enquanto. Obviamente, há rumores que podem surgir de tempos em tempos e algum envenenamento da opinião. Mas cabe a nós fazer um esforço de reflexão para dissociar o improvável do provável. É preciso ter cuidado com as redes sociais e estar lúcidos, atentos e maduros para não engolir tudo.

O que podemos saber do campeonato e da realidade do futebol do Burundi?

Infelizmente, os meios e a organização não existem para que haja uma adaptação adequada aos padrões do desporto moderno. Provavelmente, são recursos limitados.

Organicamente, existem muitas falhas. Mas, ao olhar o exterior, aprendemos com os outros e começa a chegar alguma coisa! A nossa participação no CAN 2019 (a primeira da história) é uma ilustração perfeita e vivida. E não faltou quem se queixasse das três derrotas, zero golos marcados e quatro sofridos. Devemos enfrentar o resultado: foi um fracasso amargo! Mas não devemos ser do contra face a uma primeira participação.

Há potencial a descobrir nesta Primus League, agora tão em foco no mundo?

Os talentos existem no Burundi, há uma média de 12/15 jogadores que costumam sair para a Europa, outros campeonatos africanos e Estados Unidos, mas os meios e a organização não. São inversamente proporcionais ao potencial que temos no nível individual dos jogadores. É por isso que nossos clubes não passam as pré-eliminatórias nas Copas Africanas. No passado, os clubes como o Vital'O e o Inter Star imprimiam as suas marcas nessas competições internacionais. O contexto sociopolítico ajustava-se a isso, também à organização. E havia uma paixão e uma mania pelo futebol que era real, antes do mercantilismo que chegou com o futebol moderno. Acabam por ser 16 equipes na 1ª Divisão a competir por uma vaga na Liga dos Campeões. Embora haja uma extensão para a Copa do Presidente Pierre Nkurunziza , onde todas as equipes da 1ª e 2ª Divisão competem por um lugar classificativo para a Copa CAF.

Estes dois principais campeonatos de futebol do Burundi estão em andamento. Em breve saberemos quem se qualifica. Esperemos que o coronavírus em proporção muito pequena até agora não estrague a festa. Ou que seja rapidamente dominado para impedir sua propagação.