«Ganhei confiança a marcar penáltis a guarda-redes a quem revelava tudo»
Bruno Fernandes marca de penálti ao Uruguai no Campeonato do Mundo (Foto: Newscom World/IMAGO)

ENTREVISTA EXCLUSIVA A BRUNO FERNANDES - PARTE 1 «Ganhei confiança a marcar penáltis a guarda-redes a quem revelava tudo»

NACIONAL19.03.202409:00

Toda a história do gesto que o leva a bater recordes pelo clube; O treinador que o fez mudar e os conselhos de Bas Dost;  Hoje, já tem três formas diferentes de bater consoante o momento

Ninguém marcou tantos penáltis quantos Bruno Fernandes pelo Manchester United. O recorde é seu e a eficácia vem muito de um gesto que tem aperfeiçoado ao longo de muitos anos. Em entrevista exclusiva a A BOLA, o médio revela o momento em que percebeu que tinha encontrado a fórmula certa para os 11 metros.

- É o maior marcador de penáltis da história do Manchester United. De onde vem a inspiração para aquela meia-paradinha?

- Já contei esta história uma vez. Eu batia os penáltis de maneira diferente. Se forem a ver o meu penálti contra o Nápoles, que foi o primeiro que bati enquanto profissional numa equipa sénior, na Udinese, fazia uma paradinha a dois passos da bola. Parava e ainda tinha um, dois passos para bater na bola. Olhava para o guarda-redes muito antes. Antigamente, não se estudava tanto o batedor e, nesse jogo, bati e a bola passou por baixo do braço do guarda-redes e foi golo. Já o segundo falhei. Tive dois penáltis no mesmo jogo, contra o Nápoles. Ainda era muito jovem, senti muito a pressão de bater. Foi a primeira vez que o treinador me disse que seria eu a bater os penáltis… Tínhamos jogadores muito experientes e o treinador disse a todos antes do jogo que seria eu. Assim que o fez senti aquela pressão, de que ia ter mesmo um penálti no jogo. Continuei a bater assim, achei que não estava a ter grande sucesso e depois fui para a Sampdoria. Aí, não era eu o batedor principal e tive um treinador, o mister Lilo [ndr: Salvatore Foti], que até fez parte da equipa técnica do mister José Mourinho agora na Roma, que me disse ‘Ó Bruno, porque é que não olhas para o guarda-redes apenas no teu último passo?’. Fui treinando de maneira diferente, sem saltar, só com um passo, mas com um passo não me sentia muito confortável porque o balanço do corpo não era tão bom e o pé não ficava tanto no sítio onde queria… Quando dava o passo já estava muito perto da bola e não tinha tempo de levantar a cabeça e ver bem… A paradinha surge daí. Ele foi dando dicas e disse ‘tenta dar um pequeno salto a ver se conseguimos’. Passei a treiná-lo, aquilo começou a correr bem, até que venho para o Sporting, onde o Bas Dost também no último passo olhava para o guarda-redes. Só que o Bas tinha umas pernas maiores do que o meu corpo e, no tempo de ele de meter o pé esquerdo e de o direito chegar à bola, o guarda-redes tinha de se mexer se não nunca mais lá chegava. Fui vendo também como o Bas fazia e ele foi-me dando dicas. Aprendi na Sampdoria, aperfeiçoei no Sporting com o Bas Dost.

Hoje, tenho três formas de bater penáltis

Bruno Fernandes com o equipamento alternativo da Seleção para o Euro-2024 (Foto: FPF)

- Em algum momento achou que ia ser tão eficaz quanto é?

- Sim, a partir do momento em que comecei a ver que os guarda-redes que treinavam comigo tinham muitas dificuldades e eu fazia aquilo diariamente. Raramente acertavam o lado ou, quando acertavam, era muito tarde para chegarem à bola. Comecei a sentir confiança, a pensar ‘isto tem tudo para dar certo’. Se tenho três guarda-redes na equipa, todos eles iam à baliza, treinávamos todas as semanas e eles sabiam o que eu fazia, passei a sentir-me muito confortável. Dizia-lhes exatamente ‘sinto-me mais confortável a chutar para um lado’, ‘sinto-me menos confortável a chutar para o outro’, ‘se te mexeres antes…’, dizia-lhes tudo o que se passava na minha cabeça. Pensava assim: ‘Estes vão saber, mas vou para o jogo e o guarda-redes que vai defender não vai saber’. Preferia que eles treinassem a saber tudo o que pensava, e aí eu veria se era difícil ou não defender… Comecei a pensar ‘isto realmente tem um efeito…’ Há muita coisa que vai na cabeça do guarda-redes: ‘O que é que eu faço?’ ‘Ele vai saltar, saio antes?’ ‘Faço de conta de que vou para um lado e vou para o outro?’. Depois, com o passar do tempo, obviamente os guarda-redes começam a treinar, vão ser mais experientes, veem vídeos, veem a tua cara, veem os teus olhos. Hoje, há uma dinâmica muito grande para saber tudo e mais alguma coisa. E eu comecei também a adaptar-me e agora tenho três maneiras de bater. Fixo muito no momento do jogo, no guarda-redes que tenho pela frente, porque o estudo antes, mas também naquilo que sinto no momento em termos de confiança. Imaginemos que é um penálti no último minuto, vou pelo que sinto mais confiança para fazer naquele momento. Posso sentir que o salto é onde me sinto mais confiante perante aquele guarda-redes, porque é alto, tem pouca mobilidade, não é tão explosivo, por mil e uma razões… Ou que é melhor ir direito à bola com uma batida seca porque não tem tanta explosão para chegar aos cantos… Com isso, vou jogando com o guarda-redes, já que ultimamente não temos tido muitos penáltis. No entanto, há dois ou três anos, tivemos uma onda de penáltis muito grande e eu tive de me reinventar.