«Mau feitio? Os jogadores intensos são difíceis de entender»
Bruno Fernandes protesta contra as perdas de tempo dos jogadores do Nottingham Forest (Foto: Action Plus/IMAGO)

ENTREVISTA EXCLUSIVA A BRUNO FERNANDES - PARTE 2 «Mau feitio? Os jogadores intensos são difíceis de entender»

SELEÇÃO20.03.202409:00

Médio diz-se exigente para extrair o melhor dos colegas em prol equipa; Quer que sejam também exigentes com ele; Interpretação dos seus gestos fora de campo não é a correta, alega

Em entrevista exclusiva a A BOLA, Bruno Fernandes falou das críticas de que é alvo quando o veem gesticular em demasia com os companheiros, questionando inclusive a sua atitude enquanto capitão de equipa.

- Tem-se assistido a um crescimento seu de influência na Seleção. Sabemos que há sempre vários líderes numa equipa, mas vemo-lo cada vez mais a apontar, a gesticular, a mostrar-se como líder em campo… Um líder mais estratégico, não tendo a braçadeira.

- É um bocadinho natural. Não penso muito nessa questão. Muitas vezes cai bem, muitas outras cai mal. Há pessoas que gostam, outras que não gostam. Há pessoas que veem o apontar como esbracejar, porque para nós em campo é difícil transmitir as mensagens da maneira como estamos aqui a conversar. É praticamente impossível. Normalmente, temos de usar mais os braços, gesticular. Estamos muito longe uns dos outros para conseguirmos perceber as mensagens que queremos passar uns aos outros. É como eu digo… Sai-me um bocadinho natural, não é por querer ser mais líder. Faz parte do meu jogo. Nunca me escondi, independentemente de estar com jogadores mais velhos ou mais novos. Se achar que tenho de transmitir alguma mensagem vou sempre transmiti-la em prol da equipa e do jogador a que a estou a transmitir também.

Dei-me muito bem com Jorge Jesus porque gosto de treinadores exigentes

- Porque é que todos os grandes líderes parecem ter mau feitio?

- Vemos sempre a questão do mau feitio… Por exemplo, quando temos um treinador que é duro, exigente, muitas vezes o jogador vê isso como mau. Já eu dou-me bem com treinadores que são bastante exigentes. Dei-me muito bem com Jorge Jesus, que é um treinador de quem quase ninguém diz que é fácil de lidar. Lidei muito bem com ele, porque gosto de pessoas exigentes, gosto de pessoas que exijam de mim, porque o facto de exigirem de mim faz com que nunca esteja adormecido, nunca esteja satisfeito com aquilo que tenho. Gosto que os jogadores ao meu lado sejam também exigentes comigo, que me peçam mais, que me peçam para errar menos. Muitas vezes, isso transmite a imagem do mau feitio, porque vem da forma como vivenciamos o jogo, de como somos tão intensos…  e os jogadores intensos são difíceis de entender. Tenho essa noção de que provavelmente há muita gente a quem não cai bem certas coisas que faço, mas por todos os balneários que passo digo sempre que se algum jogador não se sentir à vontade com a maneira com que falo com ele, com a maneira como lhe transmito a mensagem, estou aberto para não o fazer ou para tentar fazê-lo de outra maneira. Que eles me digam ‘ó Bruno prefiro que, quando pare o jogo, venhas à minha beira e mo digas’, porque há jogadores que sentem muito quando, por exemplo, falham um passe e tu lhe dizes ‘não procures esse passe, procura outro’. Obviamente, para fora, se alguém me vir gesticular, pensa o quê? Está a reclamar porque o colega falhou o passe… E, muitas vezes, o público vai dizer ‘o Bruno tem razão, o colega não devia ter falhado o passe’ ou, por outro lado, dizem ‘fogo, que chato! Está a reclamar com o rapaz que falhou o passe’. Por isso, há jogadores em que tenho de ir perto deles. No fim da jogada, aproximo-me e digo ‘não vejas esse passe, vê o primeiro movimento e deixa esse movimento aparecer. Vai arrastar jogadores e joga a bola no segundo movimento’. Estou a dar um exemplo. Há jogadores a quem tem de ser dada a mensagem desta forma porque não lidam bem com a mensagem logo após o erro.

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- E quando a mensagem é para si?

- Sou um jogador que com um mensagem imediata logo após o erro fica chateado, mas fico chateado comigo mesmo, porque sei que errei. Levo uma dura desnecessária porque tinha de ter feito algo de diferente, pensado melhor, decidido melhor. Todos somos diferentes, da mesma forma que todos os adeptos são diferentes. Uns vão pensar de uma maneira do Bruno, outros de outra, e tenho de aceitar ambas. Aceito isso muito bem. Não tenho problema algum de que as pessoas pensem que tenho mau feitio, porque tenho encontrado muitos adeptos, principalmente dos rivais, que acabam a dizer ‘fogo, e não é que ele é boa pessoa? Não tem nada a ver com o que é dentro do campo’. Dentro do campo são vivências, são momentos, são segundos em que as emoções estão à flor da pele, em que temos de transmitir as coisas o mais rápido possível e da maneira que achamos que é mais imediata para ter resultados.

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- Mas já teve esses episódios no balneário, já foram ter consigo e lhe disseram diretamente, por exemplo, ‘não fales comigo assim’?

- Nunca tive aquele confronto do ‘não fales comigo assim’. Tive sim eu a perceção de jogadores que ficam muito em baixo se alguém falar com eles ou se eu falar com eles. Eu próprio tenho de ter essa noção de o estar a prejudicar em vez de estar a ajudá-lo, de estar a tirar menos rendimento dele do que aquilo que eu pretendo. Se está a ter o efeito contrário vou ter diretamente com a pessoa e pergunto ‘não te sentes bem com a forma como que transmito a mensagem? Preferes que o faça de outra maneira? Preferes que espere que o jogo pare ou aguarde pelo intervalo? Preferes que passe a alguém que te passe a ti a mensagem? Tenho de encontrar soluções. Coloco-me no lugar deles. Se alguém me dissesse algo que prejudicasse o meu jogo iria sentir-me mal durante o encontro, não ia ficar bem comigo mesmo. Começamos a pensar em demasiadas coisas, sobretudo quando somos mais novos. Fui aprendendo com o tempo. Quando cheguei a Itália, e os italianos são também muito duros, muito rígidos e a hierarquia é uma coisa que existe e tem de ser respeitada ao máximo, aprendi rapidamente que aqui está o treinador, aqui estão os mais velhos, aqui estão os miúdos e depois vens tu, que acabaste de subir à primeira equipa. Os miúdos ainda estão por cima de ti. Aprendi muito à maneira italiana, à maneira dura, como é que se lida com o balneário, porque também tive a sorte de ter muitos colegas experientes dentro desse balneário, que faziam esse papel de falar comigo e de tentar perceber como eu me sentia melhor, em campo e no resto. Fui aprendendo e é uma das coisas que tento fazer. Provavelmente, tenho muito a melhorar, mas vou tentando fazê-lo, a fim de retirar o máximo dos meus companheiros de equipa.