Senhoras e senhores, o CIRCO
Seleção, Cristiano Ronaldo

Senhoras e senhores, o CIRCO

OPINIÃO09.09.202310:14

Estou farto de ver este país achar que todos nós somos culpados. Não! Há culpados óbvios que a habitual hipocrisia deixa suspensos na nuvem

Cristiano Ronaldo, do alto do seu inigualável estatuto histórico, proclamou ao país: “o futebol português é um circo!”. Estava naturalmente a referir-se aos acontecimentos mais recentes, ou seja, aquela peça trágico-cómica que subiu ao palco do Dragão e que fez corar de vergonha os adeptos do futebol português que ainda conseguem sentir algum pudor com estas peripécias circenses, com acrobatas, equilibristas, ilusionistas, voadores do trapézio e, claro, palhaços. Não há circo sem palhaços.

O povo aplaudiu de pé a acusação de Cristiano. Aliás, há muito tempo que o clássico capitão da Seleção Nacional não reunia tanto consenso no seu próprio país.

E, no entanto, passado o empolgamento de uma afirmação tão forte e polémica daquele que é por direito próprio um dos maiores futebolistas de sempre do futebol mundial, somos tentados a pensar que estas generalizações têm o seu lado negativo. O principal é o de anular todo o esforço que entidades, organizações, protagonistas diversos, simples adeptos anónimos, têm feito para modernizar e, sobretudo, moralizar o fustigado futebol português.

Sou pela acusação dos verdadeiros culpados e contra a desresponsabilização que resulta da falsa culpa coletiva. Estou farto de ver este país anunciar que em todos os crimes de lesa Pátria ou de lesa Futebol, a culpa é de todos, das mentalidades, do jeito indisciplinado de se ser português. Não é verdade. Essa é a maneira que as más consciências têm de se desresponsabilizarem. Não é verdade que todos sejamos culpados do que se passou no Dragão ou noutras situações que derrotam o futebol português. Há culpados e há, sobretudo, uma grande hipocrisia, que deixa os verdadeiros culpados suspensos na nuvem.

Reparem a diferença para o futebol espanhol. O caso do beijo do presidente da Federação dado, ou roubado, à jogadora Jenni Hermoso ainda faz correr rios de tinta. Tornou-se uma onda avassaladora que todos decidiram surfar, quer em Espanha, quer no mundo mediatizado. No entanto, nenhum jogador espanhol se atreveria a proclamar em público que o futebol espanhol era um bordel. E com razão. Em Espanha, apesar de todos os exageros que se possam associar a um caso lastimável e condenável, a verdade é que os holofotes incidem impiedosamente sobre o culpado. Ninguém vem dizer que a culpa é de todos os homens, ou que a culpa é das mentalidades ibéricas. Há um culpado e as opiniões só se dividem sobre a natureza e a intensidade do castigo a aplicar.

Em Portugal, o problema não é podermos achar, como Cristiano, que o futebol português é um circo. Se fosse, não viria mal ao mundo do espetáculo. O circo digno e sobrevivente, a todos nos deve merecer respeito. O problema está na ausência de uma autoridade firme que, pela inação, consolida uma atmosfera irrespirável quando se trata de pôr em causa algumas vacas sagradas do futebol português, que têm, de facto, um estatuto especial de impunidade.

Apesar dessa evidente realidade, o futebol português resiste. Há exemplos fantásticos mantidos no buraco negro da nova lógica mediática como a do notável crescimento do SC Braga, um clube que puxa por uma cidade e luta contra o domínio cultural e centralizador de Lisboa e do Porto. E existem sinais de otimismo que se revelam nas atitudes e nas afirmações de novos presidentes de grandes clubes, como Rui Costa e Frederico Varandas, o que nos dá alguma garantia de que as mudanças geracionais no dirigismo português possam trazer ao futebol outra dimensão ética, que acabará por se transmitir aos próprios adeptos.

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