OPINIÃO DE VASCO MENDONÇA Que hoje regresse o grande Benfica europeu!

OPINIÃO11.03.202509:00

Selvagem e Sentimental é o espaço de opinião de Vasco Mendonça, consultor de marketing

Não consigo deixar de pensar semanalmente que o futebol português é pequeno para um clube da dimensão do Benfica. A culpa é do clube, que há muito se tornou maior do que Portugal. Perguntei ao ChatGPT se acha capaz de outro clube como o Benfica nascer neste país, e a inteligência tropeça nas palavras. Tento novamente e pergunto-lhe se compreende a grandeza construída pelo Benfica ao longo de 121 anos de história. O software tenta balbuciar palavras curtas e inadequadas. Num mundo dominado pelo uso da estatística para explicar como algo aconteceu ou o que irá acontecer, a computação mais avançada constata a improbabilidade estatística chamada Sport Lisboa e Benfica, um clube com mais adeptos do que o número de cidadãos do país que o viu nascer. Contado, ninguém acreditava, mas basta alguma mundivivência e honestidade intelectual para perceber que é mesmo assim.

Nada disto significa que o clube não deva competir ao máximo nível em território nacional para conseguir uma prestação conforme a dimensão do clube, mas às vezes, numa noite fria e de alguma impaciência, com um jogo decidido na primeira parte, como foi este Benfica-Nacional, vejo a equipa gerir responsavelmente o esforço e dar a bola ao adversário enquanto espera pelo voo para Barcelona, e tenho de concordar que talvez seja mesmo o melhor.

Afinal, foi em noites como a de mais logo na Catalunha que a história do Benfica se escreveu e os ídolos se fizeram. Não preciso de explicar a nenhum benfiquista, porque bastaria uma referência breve a uma dessas noites para podermos passar horas à conversa sobre o assunto, e repetir isso de todas as vezes que nos encontrarmos. Felizmente, o clube já teve muitas noites europeias de que nos pudemos orgulhar. Espero que a de hoje seja mais uma. Leio algures que o Benfica só por uma vez virou uma eliminatória em competições europeias depois de perder na primeira mão, e lembro-me de quantas vezes a computação já falhou, fiel ao registo do adepto mais lírico, quando me disse resumidamente que um clube com a dimensão do Benfica não se explica. Hoje é uma daquelas noites em que temos de confirmar tudo o que pensamos e sonhamos desde miúdos acerca do Benfica, ao mesmo tempo que tornamos o mistério e a mística ainda mais insondáveis.

Se ainda assim precisarem de estatísticas para acreditar, revejam a quantidade de vezes que chegámos à área do Barcelona com perigo nos dois jogos anteriores e acreditem que à terceira será de vez, uma vitória para celebrarmos hoje e mais tarde recordarmos. É aqui que o Benfica deve estar, sempre. É aqui que o Benfica escreve a sua história, é aqui que apaixona os miúdos que um dia se recordarão deste dia, é nestas noites que nos ensina a exigir sempre tanto ou mais — é nestes palcos que o Benfica encontra a sua verdadeira grandeza. Por duas vezes enfrentámos este Barcelona olhos nos olhos e por duas vezes saímos com um amargo de boca, não porque alguém nos tenha diminuído, mas porque, excepcionalmente, não vencemos. Felizmente esta eliminatória joga-se a três mãos e hoje faremos as contas finais. Se perdermos, que nada nestes jogadores e no treinador nos impeça de dizer que fomos fiéis ao emblema e ao respeito que este clube impõe em todo o mundo, antes mesmo de entrar em campo. Faço uso do título deste espaço de opinião: sejam selvagens e impiedosos na execução do plano de jogo, e fervorosamente sentimentais na entrega. É por aqui que se define o Benfica: a capacidade de se agigantar e ser, enfim, igual a si mesmo. Com garra e coração, o Benfica pode ombrear com os melhores, porque sempre foi um deles. Que seja mais um de muitos capítulos épicos na história de um clube incomparável.

Há que confrontar o dirigismo mais questionável

Leio sobre o interesse renovado do Ministério Público nos negócios realizados entre Benfica e Valência, e sou relembrado da importância que teria o clube enfrentar o lado mais sombrio do seu passado recente — antes que sejam, mais uma vez, as autoridades a fazê-lo. Sendo cada vez óbvio que esse esforço não será liderado pela atual direção, só posso esperar que o futuro traga outra liderança com vontade de examinar o que aconteceu afinal a uma instituição que foi capturada pela mentalidade de entreposto, de onde o dinheiro saiu sem rasto nem consequência. O que vamos encontrar no dia em que pusermos um espelho à frente do clube e virmos o que estas matérias realmente representam? Bem sei que o Benfica é demasiado grande para ver a sua grandeza ser questionada ou a sua sobrevivência posta em causa, seja qual for o ato de gestão menos responsável. Mas, negócios como os realizados entre o Benfica e o Valência sempre foram um pedido pouco subtil para que suspendêssemos a nossa descrença e nos convencêssemos da boa fé ou intenção de quem decidia.

Os jogadores eram sonantes, a bola ia entrando mais vezes na baliza adversária do que na nossa, e, enquanto nomes como os de Rodrigo, André Gomes, Enzo Pérez ou João Cancelo nos deixavam memórias no relvado, uma gestão dúbia convencida da mais absoluta legitimidade foi arrepiando caminho. Os que se deixaram embriagar falharam. Não estou a apontar o dedo, porque me incluo nos merecedores dessa crítica. Adormecemos no nosso turno. E, mesmo que a vontade de agora enfrentar o passado seja pouca ou nenhuma por parte de quem lidera, muito mais poderia ter sido feito neste mandato para garantir uma gestão transparente. Esse dia, receio, continuará a tardar, mas estamos todos mais velhos e mais avisados, e também mais escaldados, quando vemos algumas pessoas aparecerem com tiques da velha escola. A esta consciência mais aguda, junta-se uma nova geração de benfiquistas que, apaixonados e sem pedir nada em troca, fazem da exigência o seu nome do meio. Não preciso de ir mais longe: sem a sua dedicação, dificilmente mais de 8 mil sócios teriam manifestado de forma tão expressiva a sua vontade de fazer o Benfica avançar, como demonstrado pela aprovação dos novos estatutos com mais de 91% dos votos. Naquilo que depender destes Benfiquistas, o futuro do clube não vai esperar muito mais.

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