Por que deve ser o futebol um desporto diferente do xadrez
Será impossível o Sporting não ganhar o campeonato? Matematicamente não é; por outro lado, acontecem coisas tão estranhas no nosso futebol que é melhor ter calma…
F ALEMOS dos árbitros e do VAR, porque eles merecem. Não sou daqueles que passa a vida a culpar os árbitros, seja os de campo, seja os que estão na Cidade do Futebol a analisar câmaras-lentas e a colocar linhas no campo.
Não sou, porque entendo duas coisas: a primeira é que toda a gente tem direito à sua dignidade e à consequente presunção da sua honestidade e integridade, até dar provas cabais (em futebolês dir-se-ia calaboteanas) de o não ser; a segunda é que, no fim das épocas, entre benefícios e prejuízos as coisas costumam tendencialmente equilibrar-se, caso afastemos o olhar clubístico da análise.
Outra coisa são os regulamentos e as regras. Penso que deveriam ser tão simples, mas tão simples, que toda a gente poderia entender. O futebol não é um jogo complexo; não é xadrez, em que cada peça diferente se move da sua maneira e em casas específicas, que podem ir de uma em qualquer sentido, a todas; em diagonais ou em verticais; só para a frente ou para a frente e para trás; uma ou duas casas, consoante é abertura ou não, mas sempre em frente, salvo se for de passagem… enfim, apesar de gostar de jogar xadrez, pelos desafios que coloca, sobretudo à capacidade de prever, não sou a pessoa mais indicada para me pôr aqui a explicar as suas regras que são complexas e apenas compreensíveis por quem as estudou. E isto sem falar das inúmeras defesas, quase todas batizadas ou com nomes antigos (como defesa siciliana) ou com nomes de grandes jogadores (defesa Alekhine); e aberturas (abertura Ruy López; ou abertura inglesa).
Como sabem, o xadrez é considerado um desporto (a que A BOLA dedica algumas linhas) e também tem juízes. Mas estes, além de controlarem se o tempo está a ser marcado pelo jogador, recebem no final do jogo um relatório de cada contendor com todas as jogadas feitas. Os jogos grandes podem ser interrompidos e retomados um dia depois, cabendo ao juiz verificar se as condições do tabuleiro são exatamente as mesmas da altura da interrupção.
Mudar as regras
N O futebol, que é um jogo básico comparado com o xadrez, as regras são absurdas. Por um lado, instituiu-se, e bem, o VAR para conferir objetividade ao jogo. É discutível: há quem defenda que ver Sérgio Conceição chorar de alegria com um golo do filho é mais importante do que o VAR anular tal golo, confundindo o espetáculo do futebol com o de um filme de drama romântico, mas o VAR aí está.
Porém, em inúmeras jogadas reina o subjetivismo mais aleatório. Recordo-me da carga de Zaidu com o braço nas costas de Pedro Gonçalves (uma questão de intensidade, dizia-se antes de reparar que o pé do defesa do Porto atingira o pé do médio sportinguista). Mas, pergunto eu que não sei nada disto: quando um jogador está atrás de outro, por que raio lhe há de colocar a mão nas costas? Sobretudo se o da frente não vier a cair para trás e ele tenha a intenção de o endireitar? O mesmo com o remate de Luis Díaz, que infortunadamente partiu a perna a David Carmo. Que culpa teve o avançado do Porto por o defesa ter colocado a perna à frente quando ele rematou? Carmo quis salvar o lance, Díaz quis chutar a bola… O Porto quer a despenalização, e tem razão. Como o Sporting a tem, ao pedir a de Palhinha, que levou um amarelo sem ter feito nada, num encontro contra o Boavista, o que o impediria de estar no jogo contra o Benfica. Como se pode perguntar o que está a fazer o VAR num penálti escandaloso a favor do Benfica contra o Moreirense?
Ou seja, voltando às regras e regulamentos: ou acreditamos que o VAR é uma forma de suprir erros e jogadas que o árbitro não vê, seja por desleixo ou impossibilidade, e então o VAR pode ter intervenção em lances de que resultem qualquer penalização, desde amarelos a expulsões, passando por livres, cantos e outras jogadas de que podem resultar golos; ou pensamos que o VAR só serve para alguns momentos específicos, que estão agora nos regulamentos (vermelhos diretos, penáltis, foras-de-jogo de que resultam golos). É que se os árbitros que estão na Cidade do Futebol não têm de estar com a máxima atenção a todo o jogo, eu, que sou tolerante, admito que aproveitem para ver o telemóvel ou beber uma cerveja (não sei se existe nas instalações). No jogo do Sporting contra o Paços de Ferreira, segunda-feira passada, dizem os entendidos que ficou por marcar um penálti para cada lado. Mais do que isso, Feddal levou um amarelo que não era, e não levou um que era; Uilton (do Paços) ia partindo a tíbia a Porro e saiu do lance sem cartão… enfim, uma série de erros que, não tendo influência direta no resultado (ao contrário do caso do Benfica com o Moreirense), são inadmissíveis.
Isto não tem de ser complexo. Não tem de haver a rasteira Coates, o encosto Zaidu ou a cabeçada Jardel, como nos jogos de xadrez (pode-se optar por nomes mais gerais). Tem de ser igual para todos. E se não se mexe na regulamentação do VAR rapidamente, perdemos um dos grandes avanços no futebol: a introdução de meios eletrónicos e audiovisuais para a avaliação dos lances. Na terça, Fontelas Gomes, do Conselho de Arbitragem, reuniu com árbitros para um balanço. Alguma coisa se avançou, pois o lance de Luis Díaz foi considerado mal julgado, além de se ter pedido mais concentração a quem está no VAR. É por aí…
Farol que vai à frente
FALANDO do meu (forma de expressão) Sporting, apetece-me dizer que já não é uma candeia que vai à frente. É um farol. E classifico-o assim porque, além de liderar e com distância - 10 pontos para o Porto, 11 para o Braga, 13 para o Benfica - está a tornar-se um exemplo.
O seu treinador destaca-se, pela humildade, boa-educação e talento oratório, dos seus competidores diretos. Aprendam com ele (que também se exalta, como se viu com Carvalhal), mas não fica a remoer nem a justificar-se; aprendam com ele, que sabe reconhecer quando a equipa joga mal sem com isso passar descomposturas aos próprios jogadores, como já o fizeram Jesus e Sérgio.
É um exemplo, porque já colocou 17 jogadores portugueses em campo, no conjunto das provas oficiais. Mesmo descontando Matheus Nunes (que também é brasileiro) e Jovane (que também é cabo-verdiano) seriam 15; Jesus, que jogou sem um único português, poderia ganhar aqui inspiração.
É um exemplo, porque já pôs a jogar nas competições oficiais 11 jogadores vindos da Academia de Alcochete. E entre eles estão estrelas da equipa, como Nuno Mendes, Palhinha, Matheus Nunes, Tiago Tomás, Jovane e o próprio João Mário, para não falar de Max, Gonçalo Inácio, Daniel Bragança, Eduardo Quaresma e Pedro Marques (usados com menos regularidade).
É um exemplo, porque é a melhor defesa da Liga, com 10 golos, menos seis do que o Paços, menos sete do que o Benfica, menos oito do que o Braga e menos 11 do que o Porto.
É um exemplo, porque é o segundo melhor ataque da Liga e tem o seu melhor marcador (Pedro Gonçalves, com 14 golos). No conjunto tem 40 golos marcados, menos três do que o Porto, mais sete que Braga e Benfica, e mais 14 do que o Paços.
Raras vezes uma equipa teve tais resultados quando estão cumpridas 19 jornadas. Quem disser que é por acaso, ou por o campeonato ser estranho; ou por ter apanhado Covid, ou por outra coisa qualquer, só revela mau perder. Anos a fio o Sporting nunca mereceu tanto o que tem, como nesta época. E o herói - sem tirar mérito a outros que também o têm - é Ruben Amorim, aquele que não tem ainda o curso todo de treinador…