Adeptos do Beleneneses nas bancadas do estádio do Restelo. A magia de gostar de um clube acima das vitórias e das derrotas — lição do Belenenses
A magia de gostar de um clube acima das vitórias e das derrotas — lição do Belenenses

Pior que perder é ganhar e não ser amado — o exemplo do Belenenses

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O desporto pode ser equiparado a uma arena, onde o ser humano revela o melhor e, às vezes, o pior de si. A linha entre a glória e a derrota é muitas vezes ténue. É por isso mesmo que o desporto emociona tanto. Lembro-me de há uns dias me terem dito que não iam ver a final do Mundial de clubes, por estar já decidido.

As expetativas para o Paris Saint-Germain (PSG) na final do Mundial de Clubes 2025 eram altíssimas, tanto por parte dos adeptos como da imprensa europeia e internacional. O PSG chegou ao Mundial como campeão europeu, após vencer a Champions League 2024–25, um marco histórico para o clube que há anos perseguia esse título. Na meia-final, derrotou (aliás, goleou) o Real Madrid, aumentando ainda mais a confiança dos parisienses. O treinador principal, Luís Enrique, campeão da Europa também com o Barcelona em 2015, era visto como o líder ideal para levar o PSG ao seu primeiro Mundial de Clubes. Pois bem, foram três secos.

Por outro lado, mesmo perdendo e com um treinador a ter um comportamento extra-jogo condenável, não me lembro de ver o PSG tão respeitado e amado como agora. O tão esperado sucesso do PSG, especialmente nos últimos anos, com investimentos milionários, tentou impactar positivamente os fãs de futebol e eventos ligados ao clube. Mas será que Messi, Neymar ou Mbappé conseguiram isso? O emblema da cidade de Paris, para mim, elevou-se com a humildade, conexão forte e multifacetada do seu treinador, extensível a um plantel trabalhador e presente. Neste momento não há uma super-estrela na equipa, mas existe uma super-equipa. Noutros tempos, a falta de tradição histórica comparada a outros clubes mundiais, bem como o ambiente desconectado dos adeptos locais à cultura futebolística francesa, influenciou este distanciamento emocional, principalmente para quem valoriza clubes com uma identidade bem definida.

Tal como Mourinho conseguiu no Chelsea de outrora. Acredito que esse Chelsea foi mais amado nos anos 2000 do que atualmente. Mourinho criou um Chelsea forte, competitivo e com uma mentalidade vencedora, o que mudou o patamar do clube em Inglaterra e a nível mundial. Também há casos em que apesar de o clube pouco ter ganho, tem a admiração de tudo e todos.

O Leicester City durante décadas oscilou entre a primeira e a segunda divisão, sem grandes títulos nacionais. Na altura já era conhecido pelos seus adeptos apaixonados, mas não era considerado um gigante do futebol inglês. Sob o comando do treinador Claudio Ranieri, com jogadores como Jamie Vardy, Riyad Mahrez e N’Golo Kanté, o Leicester surpreendeu o mundo com uma equipa compacta e um estilo de jogo eficiente. Durante toda a temporada de 2015/16, praticamente todos duvidavam dos foxes. Mas o tempo foi passando e continuavam no topo da tabela. O Leicester foi campeão com 81 pontos, mais 10 que o segundo classificado desse ano, o Arsenal.

Contrariamente ao que se possa pensar, não era uma obsessão esta conquista. Foi apenas uma boa consequência do trabalho realizado. Até porque no dia em que foi campeão, Claudio Ranieri foi almoçar com a mãe a Itália. Os festejos ficaram para depois.

Se esta é uma história bonita para se contar futuramente a filhos e netos, houve outras que os meus avós me contaram. A memória que me foi passada vezes sem conta e que mais me marcou, chama-se Clube de Futebol Os Belenenses.

No futebol, a paixão dos adeptos é um fator que ajuda a definir a identidade de um clube, mas nem todos os clubes grandes conseguem manter uma base de adeptos altamente apaixonada ou envolvida. Descreviam o clube como uma grande família de pessoas que adoravam jogar e torcer pelo seu clube de futebol. Era um clube que ganhava muitas vezes, mas perdia ainda mais. Não era isso que importava, era mesmo a identidade única de um clube com adeptos fiéis e apaixonados, mesmo em momentos difíceis. Os azuis do Restelo apoiam o clube com intensidade, mantendo viva a chama do futebol e a esperança de dias melhores. Para ajudar o clube a crescer e ficar mais forte, foi criada uma empresa para cuidar da equipa profissional, chamada SAD, como se fosse um grupo que cuidava do futebol de forma mais séria. Só que, com o tempo, essa empresa e o clube começaram a perceber que afinal não falavam a mesma língua. Foi como se uma parte da família fosse morar longe e não quisesse mais dividir a mesma casa. Então, o clube original, juntamente com os seus amigos, sócios (e apaixonados de sempre) decidiu começar de novo. Do zero. Mesmo na liga mais baixa portuguesa, como se fosse uma escola para aprender a jogar bem de novo. E sabem o que aconteceu? Outra história bonita. A ascensão meteórica azul começou na distrital de Lisboa em 2018 e seguiram-se subidas consecutivas até ao Campeonato de Portugal e, posteriormente, às ligas profissionais. Participaram na segunda Liga na época 2023/24 com estrutura de barro, acabando por descer nesse mesmo ano. A Liga 3 é o seu presente habitat e o grande desafio está aí. Fazer do Belenenses o clube sonhado em 1919 ou continuar na senda das últimas décadas. Interessa fazer parcerias acertadas, conseguir alavancar investimento desportivo e dar o salto para lugares de destaque no desporto nacional novamente. Imaginem um clube com 77 presenças na 1ª Liga, que até ao ano 1982 nunca tinha descido de divisão. O Belenenses, clube campeão nacional por 4 vezes, vencedor de 3 taças de Portugal, com 19 pódios na 1ª divisão. Escolheram renascer. Porque, às vezes, pior que perder é ganhar e não ser amado.