O lado obscuro ‘vs.’ o lado positivo do futebol
Jurgen Klopp (Imago)

O lado obscuro ‘vs.’ o lado positivo do futebol

OPINIÃO04.02.202409:31

Não tenho dúvidas de que em Inglaterra as crianças não sabem o nome do presidente da Liga ou da Federação

Pela sua dimensão social, o futebol tornou-se, com o passar dos anos, num setor muito atrativo. Dentro do relvado é a qualidade, a inteligência, o trabalho, o mérito ou o esforço que imperam. Fora dele, infelizmente, não podemos dizer o mesmo…

O lado obscuro

O futebol sempre foi um desporto popular que tem características únicas. Pela paixão que incute nas pessoas, consegue fazer com que a irracionalidade de muitos adeptos venha ao de cima. Ao longo dos anos produziu ídolos e estrelas idolatrados em todo o lado. O alcance do futebol e o mediatismo que lhe está associado são raros, num mundo cada vez mais interligado. Com a evolução e transformação, de um simples jogo numa indústria, começaram a surgir figuras que foram ganhando destaque ao longo do tempo e que não se percebe muito bem qual o seu papel ou contributo.

Se olharmos para dentro, para Portugal, percebemos que existem muitas pessoas que gravitam em torno do futebol e que beneficiam de uma dinâmica pouco transparente. Um dos problemas do futebol em Portugal é que na classe dirigente existem poucas pessoas que entram para servir e não para se servir do futebol. Basta olharmos para os clubes da nossa liga para percebermos o que quero dizer. Num país que é, claramente, um exportador de talento, com vendas astronómicas anuais, como é possível os clubes terem tantas dificuldades financeiras? Como é possível não haver um plano, ou projeto, de crescimento sincronizado que nos permita ter condições para tornar o nosso produto mais atraente?

Ao longo destes anos posso concluir uma coisa: as pessoas que gravitam à volta do futebol estão melhores, mas os clubes estão piores e com mais dificuldades. Existem ainda outros problemas estruturais. Com a evolução da sociedade e da industria do futebol, a exigência sobre aqueles que lideram instituições começou a aumentar. A atenção dos adeptos deixou de estar somente nos resultados desportivos, o foco passou também para outras áreas. Isto criou dificuldades àqueles que se têm aproveitado do enorme crescimento e dinâmica que se tem vindo a verificar no setor do desporto. As estratégias e discursos do passado tornaram-se obsoletos.

A preponderância que Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões, tem no FC Porto é um exemplo claro de uma estratégia que sempre foi utilizada e que agora começa a ter os dias contados.

Numa primeira análise, as claques deveriam servir para apoiar os seus clubes, através de adeptos e sócios organizados. Na realidade, em Portugal e nomeadamente nos três grandes, estes grupos ganharam uma importância adicional. Em várias circunstâncias tornaram-se num aliado de quem se quer perpetuar no poder. No caso do FC Porto esta situação é bem visível. Muito mais do que apoiar a equipa, a sua claque tornou-se num aliado que condiciona adeptos, que ajuda a controlar as Assembleias Gerais (onde os destinos dos clubes são aprovados) ou que alerta os jogadores quando, assim, a direção o entende. Em troca, as claques e os seus líderes beneficiam de regalias que mais nenhum outro sócio tem. Ficam com controlo e gestão da venda de bilhetes, num negócio, de milhares ou centenas de milhares de euros, que é feito por baixo do tapete. O problema é que tudo isto tem acontecido ao longo dos anos, sob o patrocínio dos responsáveis dos clubes, FPF e Liga de clubes que os apoiam e ainda os projetam e dão visibilidade.

Em Portugal temos a ideia que as vitórias justificam tudo e que tudo é colocado para o lado quando a bola entra. A complacência de quem dirige é por demais evidente. Para piorar, o poder político não só tem fechado os olhos como ainda apoia aqueles que dirigem os clubes, entrando constantemente nas longas listas de honra de presidentes que se recandidatam ou fazendo questão de estar presente nas tribunas. A transparência, ética, organização, cooperação e espírito de missão, serão a base para que o futebol português possa evoluir e endireitar-se.

O lado positivo: Klopp

Se em Portugal temos poucos exemplos positivos da forma como, fora do relvado, as coisas se devem fazer, felizmente, há outros países em que tudo é diferente. Se olharmos para Inglaterra, poucas são as pessoas que sabem quem foram os presidentes que se juntaram na década de 90 para lançar as bases daquela que é hoje a maior liga de futebol do mundo. Estes presidentes de clubes não tinham como intenção tirar proveito do futebol. Tinham uma missão e cumpriram-na, na sombra, dando protagonismo aos jogadores e treinadores.

Também não tenho dúvidas de que em Inglaterra as crianças não sabem o nome do presidente da liga, da Federação, dos clubes ou das claques, mas sabem os nomes dos jogadores e treinadores dos clubes que compõem a Premier League. Aqui está uma enorme diferença e que altera tudo: o posicionamento dos dirigentes em Inglaterra é o oposto do dos dirigentes de Portugal! Aqui os presidentes querem ter protagonismo, a começar pelo presidente da Liga. Porquê? Porque têm ambições pessoais que querem alcançar, deixando para trás o mais importante que é o futebol. Falta muito espírito de missão em Portugal! Voltando a Inglaterra, a forma como a Premier League foi criada e conduzida fez com que os valores do desporto se fortalecessem e com que o mais importante não sejam as vitórias.

Klopp é um exemplo de um ídolo. Tem conhecimento, tem energia positiva, é divertido, cria empatia com os adeptos, respeita os adversários, comete erros mas assume-os, tem fair play, tem um futebol intenso e dinâmico e sabe justificar as suas opções. Em nove anos, até ao momento, internamente, apenas ganhou um campeonato. É verdade que ganhou uma Taça de Inglaterra, uma Taça da Liga, uma Champions, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes, mas tudo isto foi em nove anos!!

O anúncio da sua despedida, na televisão do clube, foi pensado e bem executado. Explicou as razões, expressou o seu amor pelo Liverpool e indiretamente motivou os seus jogadores, como referiu Fernando Urbano na sua crónica de quarta-feira. O ambiente em Anfield Road já costuma ser incrível, nos últimos jogos ultrapassou esta definição. Até ao final da época, Anfield será ainda mais especial, porque uma das suas figuras vai-se despedir daquela que foi a sua casa na última década.

Quer ganhe ou não no final, Klopp irá ser homenageado e irá ter um reconhecimento que poucos têm num palco mítico mundial. Claro que as vitórias de Klopp irão sempre ser relembradas por todos, mas o que ficará na retina e deixará saudade a todos os adeptos da Premier League e, sobretudo, aos do Liverpool, é a forma como as suas equipas jogam, o seu sorriso e a energia vibrante e contagiante. Existiram outros que venceram mais e que nunca irão ter o mesmo reconhecimento. Isto só é possível num país onde se dá muita importância aos valores que representam o desporto e, sobretudo, um país onde vencer é importante, mas não é tudo!