Muçulmanos e Mouros somos todos
Taremi recebeu toda a solidariedade do FC Porto

Muçulmanos e Mouros somos todos

OPINIÃO24.09.202320:15

Terá o Conselho de Disciplina jurisdição para castigar o Sporting pelas declarações de Carlos Xavier na Sporting TV? Onde acaba a liberdade de expressão e começa o insulto? E quem deve punir?

ONZE contra onze, uma bola, remates, golos, faltas, simulações de faltas. Boas decisões, más decisões, pessoas, sentimentos, fanatismo, emoção. Isto é futebol, é real. Tudo perfeito na imperfeição de um jogo que tem sido, desde sempre, foco de memoráveis momentos, mas também situações menos bonitas. E bonita não foi a declaração de Carlos Xavier, comentador da Sporting TV, quando a propósito de Medi Taremi, avançado do FC. Porto, disse: «O muçulmano quando veio para Portugal nem sabia nadar e agora só sabe mergulhar». Se o avançado simula ou não penaltis, isso estão lá os árbitros para decidir. Se há declarações infelizes, esta foi bem representativa. Mas foi infração disciplinar?

Taremi sentiu-se ofendido, o clube que representa defendeu o jogador, e o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decidiu instaurar um processo disciplinar na sequência destas declarações. Carlos Xavier pediu imediatamente desculpa ao jogador, mas a Federação Iraniana entendeu expressar o seu repúdio pelas declarações afirmando que os «comentários são racistas». O avançado foi mais longe, na sua opinião tratou-se de um «insulto racista ao povo do Irão». Há aqui algum exagero, Taremi não representa o Irão, país que não foi referido na declaração.

A situação é delicada em termos jurídicos, porque o mau gosto ou a falta de educação não se punem em Portugal, felizmente. Mas pune-se a discriminação, tem é de ser provada. E há imensos casos em que a falta de educação no futebol ou a alegada discriminação gera situações aberrantes. Recordemos os insultos violentíssimos de milhares espanhóis, em estádios cheios, contra Cristiano Ronaldo ou João Félix: «Esse português, hijo p*** és», ou «Cristiano homossexual», ou ainda o insulto do jogador do Atlético de Madrid, Koke, a CR7: «És bicha». Juridicamente os órgãos federativos espanhóis não mexeram um dedo.

Presume-se que o insulto esteja relacionado com o termo «muçulmano», jnão com «nadar» e «mergulhar» . E o erro da declaração é designar alguém pela sua religião e trazê-la para o comentário desportivo, político, seja ele qual for. As pessoas são livres de acreditar no que querem, como querem, é um não assunto. Se chamarem alguém de católico ou cristão não é nenhuma infração.

O art. 159 do Regulamento Disciplinar da Liga Portugal refere: «Os jogadores que tenham comportamentos que atentem contra a dignidade humana em função da raça, cor, língua, religião, origem étnica, género ou orientação sexual são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre um mínimo de dois meses e um máximo de dois anos (…)». Mas Carlos Xavier não é jogador, não tem nenhum cargo no Sporting, é convidado para comentar na Sporting T V. E a Constituição da República Portuguesa, no art.º 37, garante liberdade de expressão.

Tem a FPF jurisdição para castigar o Sporting? Só um grande mergulho jurídico permitirá considerar que o Artigo 113 do mesmo Regulamento Disciplinar permite ao Conselho de Disciplina regular a televisão do clube e a liberdade de expressão na mesma. Isso é tarefa para os Tribunais, o Ministério Publico e a Autoridade para a Comunicação Social. E depois ainda há a resposta de Frederico Varandas, presidente do Sporting: «Durante anos ouvi pessoas a tratarem as pessoas de Lisboa como mouros, um discurso divisionista, discriminatório e xenófobo, que alimenta a divisão. Parece que há uma parte do país que são os puros e outra que são os mouros. Não sei se o CD tem noção, acho que tem, mas mouro é sinónimo de sarraceno, de quem pratica o islão. Não acho piada. Acredito que os muçulmanos também não achem piada e lamento que não haja o mesmo tratamento.»

PS - O FC Porto e o Sporting fizeram valer, nas competições europeias da semana passada, a lei do mais forte, ambos com vitórias em jogos fora de casa. O Direito ao Golo vai para os dois clubes, merecem. Esperamos que assim continuem e que o SL Benfica e o SC Braga, no próximo jogo, possam mostrar também que as equipas portuguesas se distinguem pelo talento, qualidade e superação.