FC Porto: Mourinho e Anselmi, descubra as semelhanças
Tal como Mourinho em 2002, também Anselmi entrou em janeiro com a época a decorrer, na iminência de três seguidas sem ganhar o campeonato, discurso inovador, decidido a mudar a face da equipa e a perceber com quem pode contar na temporada seguinte. Os resistentes do plantel de Mou é que foram outros... 'Hat trick' é o espaço de opinião do jornalista Paulo Cunha
Quando José Mourinho chegou ao FC Porto, especial ainda sem assim se ter autodefinido, já mostrara serviço como adjunto e fizera trabalhos de qualidade num Benfica à deriva e numa União de Leiria nada habituada aos lugares de pódio onde se encontrava na hora do adeus do técnico para rumar à Invicta.
A 26 de janeiro de 2002, nas Antas, estreou-se no banco dos dragões com triunfo, por 2-1, sobre o Marítimo, jogo a que assisti com a responsabilidade de analisar a formação madeirense — «Briguel a voar sobre os centrais» era o título, alusão ao autogolo de cabeça do defesa a inaugurar o marcador em tempos em que os locais recordavam com saudade um tal de Mário Jardel. Três dias antes, na apresentação, o futuro special one fez manchetes com declaração poderosa. «Para o ano seremos campeões.»
No final da época, o FC Porto terminou em terceiro — atrás de Sporting, alimentado com os golos de SuperMário, e Boavista — e na única vez neste século um treinador que entrou no clube azul e branco com a temporada a decorrer manteve-se no cargo na seguinte.
José Mourinho impôs-se pelo discurso, à data em contraste com a maneira de comunicar dos colegas de profissão em Portugal, e por se perceber que iniciara um caminho com convicção no sentido de construir uma equipa diferente para melhor sob todos os pontos de vista num contexto de três anos sem campeonatos festejados pelos portistas.
«Prometo intenção de futebol de ataque. Prometo que em cada dia trabalharemos para isso para chegarmos a um modelo sistematizado e automatizado. Quando esse dia chegar prometo-vos futebol de ataque; enquanto não chegar, fico-me pela promessa de uma intenção deliberada de futebol de ataque», afirmou, também à data, talvez a antecipar que algumas vozes se ergueriam para duvidar das capacidades dele, conforme se constatou, por exemplo, após derrotas com o Beira-Mar, em casa, e no Restelo, diante do Belenenses, um célebre 0-3 «mau em demasia para ser verdade», segundo o atual homem do leme do Fenerbahçe.
Vinte e três anos e quatro dias depois do baile de debutantes de José Mourinho nas Antas, no dia em que completava 39 anos, Martín Anselmi, hoje com a mesma idade, iniciou funções no FC Porto — vitória, por 1-0, em Belgrado sobre o Maccabi Telavive — em circunstâncias semelhantes.
A conquista da Liga é uma miragem a oito pontos de distância e a confirmar-se que não se vislumbrará o tão desejado oásis a seca será de três anos como naquele final de 2001/02. O argentino, num tom avesso a polémicas, é certo, destaca-se igualmente pela comunicação — a vontade de explicar o que acaba de acontecer nas quatro linhas sem esconder o jogo e fazer os adeptos de parvos com histórias da carochinha que ninguém viu. A urgência da mudança, de forma até mais radical com a revolução que é um sistema de três centrais, convive com o risco de os maus resultados em fase embrionária provocarem ondas de choque como as que se abateram sobre Mou — e sim, houve quem duvidasse que ele fosse a aposta certa para o FC Porto de 2002/03...
Daqui ao verão, exatamente como o técnico de Setúbal na metade inicial de 2002, Anselmi terá de avaliar com quem pode ir para a guerra, quem estará disposto a dar o peito às balas sem fazer figura de corpo presente.
É na constituição do plantel para começar a primeira época planeada à nascença que o antigo timoneiro do Cruz Azul — a cor da cruz que carrega por estes dias... — está em clara desvantagem. É que Mourinho contava, à margem dos reforços que chegariam, com sólida espinha dorsal constituída por Vítor Baía, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Costinha, Deco, Alenichev ou Capucho...
Se financeiramente André Villas-Boas já guiou o FC Porto à Praça da Liberdade e cá de baixo avista o edifício da Câmara no topo da Avenida dos Aliados de tantas celebrações, desportivamente ainda está a sair da Ribeira com longa subida pela frente em direção ao salão de festas da cidade.