Chegar à Luz, onde vai estar um inferno encarnado, a precisar de ganhar é bem diferente de chegar à Luz, onde vai estar esse mesmo inferno encarnado, mas a poder empatar... Este é o 'Nunca mais é sábado', espaço de opinião de Nuno Raposo
O minuto 90+3’ do Sporting com o Gil Vicente pode ficar na história deste campeonato. Vem aí o dérbi da Luz, águias contra leões numa luta titânica pelo título, o jogo do ano, mas pode aquele golo de Eduardo Quaresma ficar nos registos como o momento do ano…
Aos 90+2’ o Sporting, que entrara em campo em Alvalade, a sua casa, sabendo que uma vitória com os gilistas lhe devolveria a liderança da Liga em igualdade pontual com o Benfica, estava perto, muito perto, de falhar às portas do jogo decisivo. Aos 90+2’, os verdes e brancos estavam na iminência de perder a liderança e chegar à Luz com menos dois pontos do que o rival e por isso obrigados a ganhar para ainda poderem ser campeões na última jornada. Mas aos 90+3’ tudo mudou. E mudou muito…
Jogadores reagiram ao triunfo sobre o Gil Vicente e renderam-se ao golo de Eduardo Quaresma. Harder, Gyokeres, Inácio, St. Juste, Quenda, entre muitos outros, como... Coates enviaram mensagem ao central
Chegar à Luz, onde vai estar um inferno encarnado, a precisar de ganhar é bem diferente de chegar à Luz, onde vai estar esse mesmo inferno encarnado, mas a poder empatar. E não vale a pena vir com a conversa de que uma equipa não entra para empatar, de que só pensa na vitória, de que se não o fizer põe-se a jeito. Toda a gente sabe que ir para o jogo decisivo, ainda para mais na casa do adversário, e contar com dois resultados faz diferença.
Tanto toda a gente sabe disso que Alvalade explodiu aos 90+3’, quando Eduardo Quaresma rematou de fora da área e marcou. Chorou o central, chorou a bancada, emoções de vitória e alívio. Por algum motivo aquele golo decisivo foi assim festejado até pelo treinador, que correu do banco de suplentes de braços abertos até à linha lateral oposta para ir abraçar aquele herói improvável daquela noite.
É claro que um golo de Pavlidis e 1-0 para o Benfica deitam esta teoria ao ar e deixam caminho aberto ao título para o Benfica. É óbvio que mais um de Di María acaba de vez com esta tese e faz do dérbi dos dérbis o momento do ano. Mas também é um facto que um de Gyokeres, ou dois, que pelo menos dê o empate ao leão faz do golo de Quaresma a chave para um sucesso que assim fica mais ao alcance dos verdes e brancos mesmo que a jogar em terreno adversário. E nesse caso, no caso de o Sporting conquistar um bicampeonato que lhe foge há mais de 70 anos, não haverá forma de não recordar o 90+3’ de Quaresma como um momento decisivo, o que permitiu que o empate tenha servido para chegar à última jornada com o leão campeão.
O Eduardo Quaresma consegue fazer este tipo de jogos quando está concentrado, o que me preocupa é ele manter este nível. Todos os jogadores com talento podem fazer um bom jogo, os jogadores com talento e mentalidade é que podem jogar numa equipa grande. Fico muito feliz por ele, mas como treinador o que me preocupa é o dia de amanhã. O facto de chorar é de alguém que sente muita pressão, depois de anos em que teve dificuldades em Tondela e na Alemanha. Mas o que me preocupa é a forma como vamos gerir a cabeça do Eduardo. Bom jogo, amanhã tem de recuperar e tem de voltar ao mesmo tipo de concentração. Hoje era obrigatório e ele obrigou-se a estar concentrado. Agora, todos os dias, numa equipa grande como Sporting, essa é a minha grande preocupação. Digo ao Edu 'bom jogo, mas amanhã há treino'
O momento 90+3' de domingo passado teve um herói improvável, que mais improvável se tornará se o momento levar o Sporting ao título. E Eduardo Quaresma mereceu aquele golo. Genuíno, não sei ingénuo ou imaturo, o defesa-central de 23 anos tem demorado a crescer. Lançado por Ruben Amorim naquela tardia fase final de 2019/2020, que porque adiada pela pandemia se prolongou pelo verão adentro, o defesa acabou por jogar apenas três jogos na época seguinte, a do primeiro título do agora treinador do Manchester United. Depois foi emprestado a Tondela e Hoffenheim, sem sucesso, e voltou a Alvalade em 2023/2024 para ser campeão mas não sem antes estar com um pé fora do Sporting no mercado de inverno. Só que antes dele abrir em janeiro, teve a confiança de Amorim para ser titular com o FC Porto e no 2-0 a 18 de dezembro de 2023 fez exibição primorosa e até marcou um golo numa jogada genial que o VAR invalidou. Foi um momento e peras, chorou e foi destaque na vitória. E motivou a explicação de Amorim que atrás coloquei entre aspas.
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Eduardo Quaresma é jogador destes momentos. E continua a crescer. Precisa porém de deixar de ser esse jogador de momentos para se afirmar como o defesa adulto que pode ser esteio no futuro do Sporting. Pode agarrar-se de vez aos 90+3' com o Gil Vicente. E se o Sporting for campeão, pelo menos uma asa do troféu será para ele agarrar.