Bruno Varela sentiu o apoio de colegas e adversários durante o jogo com o Boavista, no Bessa
Bruno Varela sentiu-se ofendido no Estádio do Bessa (CabineSport - João Mota)

Como se combate a intolerância no desporto?

OPINIÃO11.03.202510:25

O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro e atual comentador de arbitragem

A reação emocional de Bruno Varela a propósito das agressões verbais de que (alegadamente) foi alvo na jornada passada lançam o repto para voltar ao tema das manifestações de intolerância que, aqui e ali, assolam o desporto português.

Infelizmente, continuamos a assistir a situações feias, que colidem de frente com os princípios que devem reger uma sociedade ética e moralmente obrigada a tratar todos com respeito e educação.

Combater o extremismo não é fácil, nada fácil. Mas a verdade é que estes são tempos estranhos, propícios à polarização, à radicalização e cujos tentáculos estendem-se também ao desporto, espaço considerado por muitos como uma espécie de zona verde para a impunidade. As causas para essa forma de estar estão enraizadas em motivações mais profundas, que não se resolvem num abrir e fechar de olhos.

Mas como para quase tudo na vida, acho que a fórmula mais equilibrada para encontrar a solução alia duas armas poderosas: a prevenção e a punição.

A primeira será sempre a ideal, a privilegiada, a prioritária. A segunda a resposta possível ao facto consumado, que se espera exemplar e afirmativa para ser dissuasora.

Parece-me que o melhor seria uma abordagem multifacetada, que envolvesse diálogo educativo e políticas públicas capazes de promover culturas de inclusão.

A educação e sensibilização para questões como racismo, xenofobia, sexismo, homofobia ou antissemitismo deviam estar bem parametrizadas e começar desde muito cedo. Deviam ser passadas e enfatizadas a todas as crianças, para que pudessem crescer num ambiente que apelasse à preservação de valores como igualdade, empatia e respeito mútuo.

Essa pedagogia preventiva não anula naturalmente a importância do conflito. Mas era importante que os mais jovens percebessem que o desacordo só é salutar se for construtivo. Se esgrimir argumentos sem agredir ou hostilizar, pelo contrário: encorajando o diálogo saudável e orientando a diferença para a solução. Isso implicaria reconhecer que, tal como a crítica, a conflitualidade pode em tantas situações originar resultados produtivos.

Ao Estado cabe papel fundamental nesta matéria, nomeadamente reforçando legislação que proíba e sancione toda e qualquer forma de discriminação. Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa (CRP) supostamente garante «a igualdade de direitos e liberdades para todos os cidadãos» e o país ratificou em 2017 o Protocolo n.º 12 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, reforçando leis contra crimes de ódio.

Pelo meio, é importante continuar a fomentar espaços de diálogo entre diferentes comunidades e espetros políticos, procurando a construção de consensos. Uma das estratégias de maior sucesso nesta matéria é a de dar voz a ex-extremistas ou a vítimas de manifestações de intolerância, que através da partilha das suas experiências, procuram promover e incentivar a paz.

No que diz respeito ao desporto, é importante continuar a fazer mais, não obstante os passos significativos dados nos últimos anos. Há que continuar a criar políticas sancionatórias que proíbam comportamentos violentos, racistas ou xenófobos em eventos desportivos. E há que continuar a tentar erradicar desta atividade quem repetidamente já mostrou não ter capacidade moral para frequentar esses espaços.

Sabemos que a missão é difícil e muitas vezes inglória. Basta um mau no meio de cinquenta mil bons para que se crie imagem deturpada do todo.

É aí que entra (ou devia entrar) o dever de cidadania vigilante de quem se senta ao lado daqueles que imitam sons de macaco ou simplesmente disparam barbaridades para quem está lá dentro. É preciso denunciá-los, expô-los e garantir, junto de quem de direito, que são acompanhados para fora do recinto.

Desporto saudável não rima com gente indecente. Com gente que não respeita os seus iguais.

Esta tem de ser uma luta de cada um de nós, para bem dos valores que defendemos, para bem do futuro dos nossos filhos e do futuro de uma sociedade que pretendemos justa e saudável.