Anomalias pandémicas e 'varais'

OPINIÃO15.12.202003:00

1 Chegou ao fim a fase de grupos das provas europeias. Uma fase para fazer dinheiro na Champions, uma fase para mandar para casa equipas que valem muito pouco, na Liga Europa. Na Champions, se exceptuarmos a meritória intrusão do FC Porto, só há clubes dos big five (no ano anterior foi um pleno!). E destes, só não passaram para os oitavos dois clubes, Rennes e Marselha, que manifestamente não têm competência para tal (sendo que este nem para a Liga Europa passou com um futebol abaixo de medíocre), e, mais surpreendentemente, Inter de Milão, último (!) no seu grupo, e Manchester United.


Considerando as duas provas (quadro), a Espanha (7 clubes) e a Alemanha (6) mantêm incólume o número de clubes com que as começaram. Já a Inglaterra mantém os 7 clubes, mas o Man United transitou para a outra prova. Absolutamente decepcionantes foram os desempenhos das equipas francesas (2 apuradas e 3 eliminadas) e da Federação Russa (com um único sobrevivente, Krasnodar, mas agora na Liga Europa). Portugal distanciou-se da Rússia, terá assegurado para os próximos anos a taluda de 2+1 equipas na Champions e aproximou-se de França que, tendo embora sempre uma selecção de gabarito, é um deserto a nível de clubes, se exceptuarmos, evidentemente, o estrangeirado PSG.
Olhando para os qualificados da Liga Europa, temos vindo a assistir a um upgrade. Além de ter mais uma eliminatória, há uma maior presença de equipas das melhores federações e uma mais forte presença de bons clubes de Champions. Vejamos este ano: só da Inglaterra, temos um porta-aviões de clubes: Man United, Tottenham, Leicester e Arsenal. De Itália, Milan, Nápoles e Roma.  Da Alemanha, Leverkusen. Da Holanda, Ajax. Isto, além do Shakhtar Donetsk, Club Brugge e Benfica. Por tudo isto e não só, parece-me de todo injustificada a diferença de distribuição de verbas entre as duas competições. Se a tento compreender na fase de grupos, a desvantagem financeira nas eliminatórias até à final, inclusive, não se compreende. Ou melhor, percebe-se se pensarmos que na Champions está sempre quem manda, de facto, no futebol europeu.


O sorteio foi mais ou menos o que se esperava, tendo em conta que as equipas portuguesas ficaram no 2.º lugar dos grupos. Jogos difíceis, mas superáveis. Quanto ao Benfica, que bem poderia ter sido o 1.º do grupo, o Arsenal é uma equipa gémea, pois ambas padecem da regularidade da … irregularidade. Como tal, uma eliminatória imprevisível.

2 Não sei por quanto tempo vamos continuar a ver os estádios vazios. Não sei por quanto tempo os clubes ainda poderão resistir a esta ausência desportiva e financeira. Apenas sei que os velhos tempos vão demorar a ser renovados e que irão deixar sequelas prolongadas.


Podem vir com todos os argumentos benevolentes, mas jamais serão iguais competições nacionais ou internacionais com o entusiasmo, a cor, a emoção do público em confronto com jogos com fartas bancadas desertas e 22 jogadores a correr sem a cumplicidade e o escrutínio em tempo e espaço reais.
Neste insólito confronto do antes e do agora, há manifestas diferenças e desvantagens. Já foram visíveis no retomar forçado de campeonatos na época transacta. Mas, nesta temporada, vieram completamente ao de cima.

Vejamos, na nossa Liga. Um clube sente-se tão mais confortável quanto maiores são as assistências dos seus adeptos no seu reduto e nos jogos fora de casa. Sem eles, há uma desvantagem desportiva, mas também o problema de uma maior incidência relativa de perda de receitas. Como é notório, e, para falar dos extremos, o público faz mais falta ao Benfica (no Estádio da Luz e fora na maioria dos casos), pois que a média de espectadores seria, na Luz, de cerca de 55000 pessoas, do que em clubes que mais não têm do que 2000 espectadores.


Falo do apoio de sócios e adeptos que empolgam os atletas e os ajudam a superar obstáculos, como falo do seu sentido crítico perante desempenhos colectivos ou individuais insatisfatórios que os estimulam a melhorar. Nada de mais lógico,

se pensarmos que todos nós - e neste caso, os jogadores, treinadores e outros intervenientes - somos, como escreveu Ortega y Gasset, nós e as nossas circunstâncias.
Nas competições europeias estamos, de um modo ainda mais expressivo, a viver um tempo estranho. Ao ver o jogo Barcelona-Juventus, com um Campo Nou, de lotação de mais de 100 mil pessoas, completamente vazio, foi penoso acompanhar Ronaldo e Messi a jogarem num ambiente de quase velório.


Daí estar a haver, por todo o lado, resultados impensáveis ou, pelo menos, altamente improváveis. Só para citar de memória alguns neste ano pandémico de 2020: Bayern 8 - Barcelona 2; Manchester City 2 - Leicester 5; Aston Villa 7 - Liverpool 2; Hoffenheim 4 - Bayern 1; Valência 4 - Real Madrid 1; Borussia Dortmund 1 - Estugarda 5; Shakhtar 0 - Monchengladbach 6; Atalanta 0 - Liverpool 5; Sevilha 0 - Chelsea 4.


No actual contexto, é notória a pouca importância de se jogar em casa, factor que, em condições normais, poderia ser decisivo. Veja-se o exemplo dos 2 jogos entre Barcelona e Juventus. Em Turim, ganharam os catalães por 2-0 e em Barcelona ganharam os italianos por 3-0.


E se olharmos para a classificação actual de grandes equipas, verificamos que o Barcelona é o 8º classificado, a Juventus está em 4º (com 5 empates em 11 jogos), o Man City é o 9º, o Arsenal está em 15º, o Dortmund em 5º e até o Bayern e o PSG não comandam.


Por cá, o Benfica perde no Bessa por 3-0, único jogo que o Boavista venceu, e o Porto, no Dragão, sucumbe diante do Marítimo, que está no último lugar!

3Ainda e sempre a introdução do VAR. Continuo a crer que esta estrutura complementar de arbitragem é um passo positivo na credibilização do futebol e na afirmação mais robusta da verdade desportiva. Também tenho a ideia de que o VAR não é uma solução de chave na mão, mas antes um caminho de aperfeiçoamento dos procedimentos, alargamento do seu âmbito e correcção de erros.


Acontece que, neste caminho, que não é de pedras, mas de sofá, tem-se vindo não a progredir, mas, lamentavelmente, a regredir e até a dar argumentos aos opositores do VAR. Um erro varista é muito mais grave e incompreensível do que um erro da equipa dos árbitros que estão no jogo. E esses erros, mais do que todos os outros de natureza humana, prejudicam a verdade e provocam desconfiança.


Há dois erros possíveis de VAR: o primeiro, é um erro objectivo que não deixa margem para dúvidas e, por isso, pode levantar todo o tipo de suspeitas, seja num fora-de-jogo mal assinalado ou por assinalar, seja numa expulsão em determinadas condições, seja em golos cuja validação ou irregularidade é possível determinar com um elevado grau de objectividade. Exemplifico apenas alguns erros clamorosos: no Farense - Rio Ave, é anulado um golo absolutamente limpo ao Farense, sendo que o árbitro de campo assinalou toque faltoso do avançado isolado sobre o guarda-redes, quando as imagens vistas no sossego da cidade do futebol evidenciaram que nem de perto, nem de longe, houve qualquer contacto físico. Outra situação foi a do penálti assinalado a favor do Sporting em Paços de Ferreira, que, vistas e revistas as imagens, nunca existiu. O mais recente foi em Alvalade, com o atacante leonino a marcar um golo precedido de bola na mão, sabendo-se que agora não serão validadas estas situações mesmo que casuais e não intencionais. Ora, o VAR tinha as imagens indiscutíveis e ficou quieto e mudo no sofá (e Frederico Varandas baniu-as da memória).


O segundo tipo de erros é o que, há uns dias, aqui Vítor Serpa intitulou «o uso e o abuso do VAR», a que acrescentaria o não uso. Aqui o confronto com o erro é - admite-se - mais subjectivo e passível de interpretações várias. O certo é que verificamos que, para casos similares, umas vezes o VAR interpela o árbitro, outras não, umas vezes manda-o ir ao monitor, outras nem por isso. Se, no primeiro tipo de erros grosseiros, podemos falar de distorção factual da verdade, por deficiência oftalmológica ou má-fé, é neste segundo grupo que existem posições dubitativas, habilidosas, voluntaristas. Dois exemplos recentes: um, por excesso, o terceiro golo do SCP em Famalicão, que não me pareceu ser um erro clamoroso para fazer chamar a atenção do árbitro para rectificação da sua primeira decisão. Outro, por defeito: o golo do Paços de Ferreira na Luz deveria, ao menos, ser precedido de ida ao monitor por parte do juiz da partida para aferir do fora-de-jogo.


Nesta matéria, estranho muito o silêncio do Conselho de Arbitragem, que continua encapsulado na sua zona de isolamento e acha que não deve dar explicações a ninguém. Uma pequenina ditadura num país democrático.

4 Uma palavra de reconhecimento pelo muito bem disputado torneio de hóquei (Taça 1947), que juntou as 8 melhores equipas (com excepção do FCP, por razões de confinamento). Fiquei contente pelo Benfica que a venceu, mas também pela contribuição para a valorização deste desporto tão querido pelos portugueses. E parabéns pelas transmissões e narrações feitas por A BOLA TV.