A transição de veludo de Roberto Martínez

A transição de veludo de Roberto Martínez

OPINIÃO12.09.202313:15

Goleada ao Luxemburgo sem Ronaldo é a derradeira emancipação de uma equipa que tem novos líderes. Tivesse havido melhor comunicação e o Mundial-2022 poderia ter sido tão diferente…

Apertadas num calendário que desafia a própria condição de desportista profissional, as qualificações para Mundiais e Europeus de futebol são encaradas pela opinião pública europeia como um formalismo e muitas vezes um anticlímax da voragem e vertigem das ligas nacionais e provas da UEFA. Porque é impossível criar ideias táticas e estratégicas em dois ou três dias de treino, os jogos das seleções a meio da época desportiva tendem a ser desinteressantes porque as consequências de estágios curtos não chegam sequer à condição de protótipos, assistindo-se a muitas partidas enfadonhas, sem rasgo ou beleza.

Um bom selecionador, atualmente, tem de ser um excelente gestor de recursos humanos e não tanto um técnico na versão clássica. Quando se pensou em Roberto Martínez para substituir Fernando Santos não creio que o critério tivesse sido o de poder ensinar conceitos táticos e técnicos a Cristiano Ronaldo, Bernardo Silva ou Bruno Fernandes, mas sim o de criar outro ambiente e uma nova forma de liderança. Isto até pode parecer pouco, mas em contexto de Seleção é provavelmente o maior desafio de quem ocupa aquele posto. 

O percurso notável e imaculado de Portugal no seu grupo de qualificação, com seis vitórias em seis jogos e um score de 26-0, não deve ser visto como uma mera consequência da qualidade dos jogadores portugueses. Porque nos lembramos de outros grupos igualmente fáceis e cujos resultados ficaram muito aquém do potencial luso. Há um evidente compromisso entre todos numa fase que também vai marcar a história do futebol português: o período em que a Seleção se vai emancipando, em definitivo, de Cristiano Ronaldo.

Ter alcançado a maior goleada da Seleção sem o maior goleador de todos os tempos de Portugal não é um mero dado estatístico, é a prova de que a equipa sabe o que fazer sem a maior referência de sempre do futebol português. 

O crepúsculo dos deuses são sempre períodos delicados do ponto de vista da gestão, mas Roberto Martínez está a saber fazer esta transição de veludo. Começa a estar à vista de todos, por exemplo, que a liderança no balneário é cada vez mais partilhada, emergindo Bruno Fernandes como a grande voz de comando no relvado, mas também a de Rúben Dias (não por acaso o único totalista da qualificação), fundamental na afirmação de Gonçalo Inácio e António Silva – Pepe, o melhor central de sempre da Seleção, também tem a sucessão assegurada. 

Tivesse havido a sensibilidade e capacidade de preparar o novo papel de CR7 e fazendo emergir novos protagonistas do ponto de vista da importância no grupo e no jogo, Portugal provavelmente teria feito um Mundal-2022 memorável. Há muitos pontos de contacto entre a goleada da Seleção frente à Suíça no Catar e os 9-0 ao Luxemburgo, ambos sem Ronaldo: o jogo de maior toque e associação entre jogadores e a sensação de que as tarefas se dividem mais por todos - um Portugal mais imprevisível. 

Só que há uma diferença entre a exibição diante dos helvéticos e a desta segunda-feira, no Algarve: Ronaldo ficou de fora no Catar numa decisão mal explicada que depois teve consequências negativas no balneário e no desempenho da equipa, enquanto desta vez o selecionador anunciou a titularidade de Gonçalo Ramos no dia do próprio jogo com a Eslováquia, quando o avançado do Al Nassr viu o amarelo que o tirava da receção ao Luxemburgo. Saber comunicar faz toda a diferença.