Proença, dirigente de 54 anos, está na presidência da Federação Portuguesa de Futebol desde 18 de fevereiro de 2025
Proença, dirigente de 54 anos, está na presidência da Federação Portuguesa de Futebol desde 18 de fevereiro de 2025 - Foto: IMAGO

A 'selfie' e o microfone

Livre e Direto é o espaço de opinião de Rui Almeida, jornalista

Em cada pessoa há uma perspetiva, uma dinâmica e um comportamento de ação e reação, consoante os estímulos e o reconhecimento de autoridade e de domínio das circunstâncias de quem estimula ou dita regras.

A dicotomia entre chefia e liderança é um velho palco de atuação de estudos comportamentais, e resulta da necessidade que cada indivíduo tem, em si próprio, de reconhecer e validar cada momento em cadeia de responsabilidades ou em atitudes perante determinada situações.

Dito assim, parece académico e será decerto um indicador, mas apenas isso, e talvez por demais ontológico, do que seria ideal em qualquer cadeira de Teoria das Organizações.

Mas é exatamente isso, na prática, o que sucede na maioria das nossas empresas, qualquer que seja a sua dimensão. A propensão para o sucesso é tanto maior quanto for equitativa em relação à melhor liderança, ao melhor apoio, à mais eficaz relação transversal e dimensional, no quesito indispensável entre responsável e responsabilizado.

Ademais, no século XXI (bem ao contrário do que sucedia anteriormente), há fatores tecnológicos que esbatem diferenças operacionais e que ajudam a compreender, a montante e a jusante de cada situação, razões, motivações, pressões, elementos essenciais no processo de tomada de decisão.

O que resta, então?

Claro, as pessoas! O indivíduo, na sua estrutura única, pensante, decisora e atuante. E a sua capacidade uma intransmissível de perceber as realidades, analisar as diversas dimensões e perceber que, ao cabo, haverá sempre uma consequência para cada ação.

Pode ser coletiva ou individual, pode marcar estrutural ou conjunturalmente, mas trará sempre consequências.

Os parâmetros de comunicação, desenvolvidos e estendidos do modo como o foram e são, nos últimos 25 anos, obrigam os responsáveis a um redobrado cuidado.

Aparecer, com toda a imagem de coincidência, à hora dos principais serviços informativos, num local em que há concentração de equipas ENG, microfones e muita sede de soundbites, já não é uma boa solução, sobretudo se emerge da tentativa de se apoderar de feitos alheios ou de momentos para os quais a respetiva presença e participação, sendo um facto, não resultam em mais-valias para a imagem pública de determinada conquista.

Ao longo do tempo e dos tempos, se há coisa que fomos aprendendo nos diversos recantos do mundo e panoramas de competição que abordámos, foi que colocar-se em bicos de pés é uma ótima estratégia imediata, e uma péssima opção mediata.

Porque há um fator transversalmente conhecido e relativamente ao qual não temos a perceção do alcance e das ondas de choque dos momentos atingidos: a memória.

Para tudo, na vida, ela é essencial. No desporto, em particular, temos de a honrar, sobretudo se os protagonistas que dela fazem parte atingiram patamares, à altura a atendendo às circunstâncias envolventes, de grande mérito e notoriedade.

No futebol português, nomes como os de Eusébio, Borges Coutinho, João Santos, João Rocha, Luís Figo, Carlos Queiroz, Jesualdo Ferreira, Pinto da Costa, Joaquim Campos, António Garrido, Vítor Pereira (e, como estes onze, poderia citar outras variantes de onzes de imensa qualidade), não podem ser esquecidos. E, quando o escrevo, não pretendo — obviamente — que sejam emoldurados ou citados a cada passo e a cada evocação. Pretendo algo, creio, muito mais importante e determinante: que o que fizeram e o que marcaram (cada qual a seu modo), na modalidade em Portugal seja suficiente (e é) para termos a plena consciência de que o Futebol já existe há séculos e continuará a existir muito para lá da nossa passagem por lugares que — muitos já o demonstraram — não se compaginam com autopromoção permanente e soundbites de ocasião (apenas para preencher oráculos e valer como aproveitamento do momento).

O apuramento de Portugal para a final da Liga das Nações resultou de um trabalho que — bem ou mal — foi pensado e planeado ao longo dos últimos anos, tal como a criação da própria competição se deve à genial leitura de um português (Tiago Craveiro), visando estabelecer parâmetros de competitividade direta entre os diversos níveis qualitativos da esfera do futebol europeu, um ecossistema onde, tradicionalmente, prevalece uma lógica do mais forte. Ora a Liga das Nações trouxe, justamente, a perspetiva de maior nivelamento entre países e seleções com estruturas mais débeis e talento menos identificado.

Para Portugal e para as outras grandes seleções do cotejo europeu, terá sempre de constituir um renovado objetivo, dependendo a interpretação e análise da respetiva participação dos selecionadores e jogadores.

Os protagonistas são eles. Se algum spin doctor me contradisser, estará a soldo de outros objetivos (admissíveis, permissíveis, mas criticáveis). São o selecionador e os jogadores da equipa nacional que devem estar à disposição após um jogo de meias-finais ganho com tamanho brilhantismo pela seleção de Portugal. O momento é deles e, ainda que o discurso possa ser de loas ao feito e de apoio ao efeito, um Presidente da Federação Portuguesa de Futebol deve, no final de um jogo desses, ser líder e nunca ser chefe. Isto é, deve mostrar a todos (numa perspetiva interna e externa), que o mérito será sempre assacado, pelo menos no local da conquista e nos momentos imediatos, aos participantes diretos.

Pedro Proença (decerto não muito bem aconselhado…), no culminar de três meses em que teve mais publicações nas redes sociais do que o seu antecessor num ano, perdeu em Munique uma bela ocasião para… abrir alas e nada dizer.

Temo que, em futuras ocasiões, o impulso seja mais forte que o recato.

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