Um ‘black start’ aos líricos do apagão
Ao contrário de muitos, eu não achei o apagão de há uma semana uma coisa muito gira.
Tinha o dia todo planeado e ainda o trabalho que tinha destinado estava a começar quando a luz e, mais importante, a internet, se foi. Estava tudo no computador e, apesar de ter bateria, precisava de fazer uma série de pesquisas.
Horas de desinformação seguiram-se, com visitas ao carro para ouvir rádio e carregar telefones. O nosso modesto rádio a pilhas tinha falecido semanas antes e até recebi foto de uma amiga com o transistor dela, orgulhosa, parte do kit de emergência que, por preguiça, ainda não completei. Vão ver o que vou comprar agora, um topo de gama dos rádios.
Crianças na escola, tudo a correr bem, mas quando fui buscar uma delas já só restavam cinco. A outra ligou-me com fome, porque na escola resolveram fechar o bar por não conseguirem cobrar, em vez de alimentar as crianças e pensar na cobrança depois, o que deveria ser a prioridade.
Numa das idas ao carro, pelas 18 horas, ouvi o meu novo herói, o administrador da REN, João Faria Conceição. Declarações claras e calmas, como se impunha, ao contrário do governo - a essa hora o PM de Espanha, Pedro Sanchez, já falara várias vezes -, e previsão de luz daí a 6 horas depois de se fazer um ‘black start’: um procedimento que permite reiniciar a rede elétrica a partir do zero.
A rede móvel, entretanto, ficou muda. Jantámos uma carne grelhada com tomate (Ok, um dos jantares mais saudáveis dos últimos tempos), demos uma volta no bairro ao lusco-fusco, vimos outros vizinhos nos carros a ouvir rádio. Jogámos um jogo e fomos deitar, sem saber como seria a nossa vida do dia seguinte. Sem contacto com companheiros, sem saber como o jornal estava a ser feito. Se a previsão da REN estaria certa. Tivemos luz e dados à meia-noite, estremunhados.
Por isso, sobretudo neste dia, não aprecio que se louve o tempo desconectado. A nossa vida agora é essa e nesse dia eu precisava. Quem sofreu horas para voltar para casa ao fim da tarde, muitos deles nas filas dos autocarros, por falta de metro e comboio, não deve ter gostado; quem depende de máquinas para viver também não.
Todos os dias dá para desligar, basta querer. Façam um 'black start' quando apetecer, mas deixem-me estar ligada.