Inês Pereira em entrevista a A BOLA DR

«Queremos fazer um Europeu ainda melhor que o Mundial»

Navegou com Portugal na Nova Zelândia e viu como ninguém aquela bola ao poste de Ana Capeta. Inês Pereira em exclusivo a A BOLA

-Olá, Inês. Foi uma das heroínas de Portugal no último Mundial, mas para lá chegarmos, temos de fazer uma viagem às suas origens. De onde é que veio esse bichinho da bola? 

-Nunca esteve nos meus planos ser guarda-redes. Fiz toda a minha formação no AC Cacém e no primeiro ano em que estava a jogar vim ver os seniores, lembro-me de olhar para o guarda-redes e pensar que ele era um bocado maluco. Por que não experimentar? Até hoje não me arrependo dessa decisão e sou muito feliz... não por ser maluca também, mas acho que é uma posição com muita responsabilidade e eu gosto disso.»

-O que é que o Atlético do Cacém significa para si?

 -Significa tudo, na verdade... Foi aqui que eu criei grandes bases como jogadora e como pessoa porque tive treinadores que meteram sempre a pessoa à frente do futebol e isso fez-me crescer muito. Sou muito grata ao Atlético.

-Passando à atualidade, como está a ser a experiência internacional na Suíça?

 -Ao início custou-me bastante porque tive de deixar família, namorada... tive ainda assim o apoio da Mónica Mendes [jogadora portuguesa no Servette] que foi na mesma altura comigo, mas depois nós começamos a conhecer as pessoas, o país, o staff... o clube sempre foi cinco estrelas comigo e ajudou-me em tudo o que precisei. Infelizmente, só consegui ganhar a Taça Suíça. Sendo o meu último ano lá, o objetivo é ganhar a Taça e o campeonato. 

-Ser jogadora portuguesa na Suíça é fácil? 

-Eu acho que é fácil porque é um país que tem muitos portugueses. É como se fosse a minha segunda casa porque já conheci bastantes portugueses lá e pessoas realmente muito fantásticas.

-Quais são as principais diferenças do futebol feminino suíço para o português?

-O futebol feminino na Suíça é mais físico, apesar de existir uma evolução tática. Este é o ano em que o Servette está a jogar melhor futebol, mas eu prefiro o futebol português. No futebol suíço há muitos golos de transição. A jogadora portuguesa não tem tanto físico e a jogadora suíça sim. O meu ponto fraco é o jogo aéreo e eu sinto que desde que estou lá evolui também.

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-Regressando aos clubes, foi no Estoril que se estreou enquanto sénior. Que memórias guarda?

-Guardo muito carinho ao Estoril. Se fosse outro clube qualquer não me tinha contratado porque eu tinha acabado de vir de uma lesão. Voltou a dar-me confiança para jogar futebol e foi onde fui chamada pela primeira vez para ir à Seleção.

-E foi lá que encontrou a Mariana Cabral, curiosamente agora treinadora do Sporting, por onde também passou... o que é que a distingue enquanto líder?

-Ela consegue perceber melhor a jogadora por já ter jogado futebol. O feedback que ela dá acaba por ser diferente de um treinador que tirou apenas o curso. O trabalho que ela está a fazer no Sporting é muito positivo.

Tive cinco anos no Sporting e confesso que não joguei aquilo que eu gostava

Inês Pereira no Sporting

-Focando no Sporting, onde se sagrou campeã nacional, como foi essa experiência?

-O Sporting também foi muito importante e tive de crescer muito como pessoa, passei muitas adversidades... Estive cinco anos no Sporting e confesso que não joguei aquilo que eu gostava, mas também era mais nova. Foi um clube que me fez dar o salto mentalmente para jogar no estrangeiro e me fez ser profissional de futebol. 

Se eu tiver de jogar todos os jogos, peço desculpa a quem tenho de pedir, mas eu vou fazer o meu trabalho para jogar

-Hoje a Inês Pereira, que conhecemos, tinha lugar nesta equipa de Sporting?

-Não sei, não sou eu que decido, cabe à treinadora. Eu sou um pouco egoísta no que toca à parte de jogar. Se eu tiver de jogar todos os jogos, peço desculpa a quem tenho de pedir, mas eu vou fazer o meu trabalho para jogar todos os jogos. Se hoje jogasse no Sporting era para ser titular.

-E se lhe ligassem agora do Sporting para voltar? 

-Não quer fechar portas a nada, porque o futuro ainda é incerto, mas se calhar aceitaria. O projeto é bom e é um clube que eu tenho muito carinho.

É possível entrarmos no top a nível europeu

-Considera que houve uma grande evolução nestes últimos tempos no futebol feminino em Portugal? 

-Tanto em clubes como na seleção, estamos a subir imenso no ranking. Não nos podemos dar como satisfeitas onde estamos e queremos impor-nos mais mundialmente. É possível entrarmos no top a nível europeu. Nós estamos a dar todos os sinais que isso eventualmente possa acontecer um dia. A Federação Portuguesa de Futebol está a ajudar também. Na Suíça, a Federação pode ajudar e nunca o faz... Cá, temos o exemplo do Benfica que está nas 16 melhores equipas da Europa e acredito que possam fazer algo bonito contra o Lyon. Na Suíça, vemos o Zurique a ir à Liga dos Campeões, mas nada muda.

Merecemos ter as mesmas oportunidades que os homens têm

-Olhemos para a discriminação no futebol feminino. Sentiu alguma vez isso na pele?

-Felizmente não. Estou muito grata ao Atlético do Cacém, porque era a única rapariga na equipa. A seguir aos jogos eu tomava banho primeiro que os rapazes e mesmo sendo rapariga trataram-me sempre de forma igual, o que aconteceu em todos os clubes por onde passei. Claro que nós não estamos contentes com algumas situações que vemos nas redes sociais de discriminação. Nós só nos podemos contentar quando dissermos que já não há nenhuma discriminação e merecemos ter as mesmas oportunidades que os homens têm.

-A luta pela igualdade salarial é uma luta também sua?

-Sim, mas eu acho que nós não podemos falar igualdade salarial... nós não podemos querer que uma jogadora da Liga Inglesa ganhe o mesmo que um jogador da Premier League, porque a receita do futebol masculino é bastante superior. Muitos clubes querem demonstrar que têm condições, mas acabam por não as ter, e há muitas jogadoras que poderiam receber mais...

-Qual é o ponto de desigualdade que mais a preocupa?

-Eu acho que o futebol feminino conseguiria ter facilmente as condições que o futebol masculino tem... Falo de ginásio, de balneários, de campos. O futebol masculino joga no seu estádio e o futebol feminino também tem de jogar, porque são o mesmo clube. Já acontece algumas vezes em Portugal, mas eu acho que pode acontecer mais. O Benfica, o Sporting e o SC Braga têm condições incríveis.

Rubiales? eu vou estar sempre com a versão da jogadora

-Fazemos já a ponte para o Mundial, que ficou manchado pelo caso Rubiales. Como é que vocês jogadoras viram isso?

 -Há duas versões da história. Eu vou estar sempre com a versão da jogadora, porque apesar de não ter dado muita atenção, acho que é algo que não pode acontecer. Comparando ao futebol masculino, se isso tivesse acontecido com um homem, o assunto no dia a seguir nem estava em jornais... Mesmo na euforia de ganhar e festejar, é preciso manter a postura de presidente.

-Agora sim, falemos das Navegadoras. Ser titular indiscutível da seleção é um objetivo de carreira?

-Como já disse, eu vou ser sempre egoísta e claro que tenho de dizer que o meu objetivo é ser titular, sabendo sempre o privilégio que é representar Portugal. Eu e a Patrícia Morais temos uma relação um bocado peculiar, mas somos rivais. Queremos as duas jogar e damos sempre o nosso máximo para jogar.

Eu recordo-me que já estava toda a gente a entrar dentro de campo para festejar e a bola bate no poste

-E como é a relação com a Kika Nazareth?

-Na verdade, toda a gente tem uma boa relação com a Kika, porque ela é uma pessoa muito dada e afetiva. Quando a Kika está numa sala, toda a gente sabe que ela está presente. Como jogadora, acho que é uma fora de série e que pode ser uma das melhores do mundo também. Se ela quiser pode acabar num clube de topo mundial.

-Abrimos portas à campanha de Portugal no último Mundial. Foi titular no empate amargo com os Estados Unidos que nos eliminou da fase de grupos. Aquela bola ao poste da Ana Capeta...

-Muito frustrante... Eu recordo-me que já estava toda a gente a entrar dentro de campo para festejar e a bola bate no poste, sai, e foi como um balde de água fria. Não foi desta vez, tenho a certeza que da próxima vez iremos estar melhores ainda e vai sorrir para nós.

-Na perspetiva de quem vê da baliza ainda é mais difícil?

-Sim, porque lá está nós conseguimos ver o jogo todo. A bola ao poste foi aquele momento do mini sprint que nós damos para festejar e depois percebemos que a bola não entra. Já estava quase para além do nosso meio campo...

-O que recorda do discurso do selecionador Francisco Neto no final?

-Foi de muito orgulho e que seríamos justas vencedoras. Todas as jogadoras acreditavam, estávamos todas mãos dadas para conseguirmos a vitória e o intervalo foi mais aquele boost de 45 minutos até à morte e 'vamos conseguir os três pontos'.

-A Jéssica Silva chorava no final do jogo e foi visível a frustração coletiva. Como é que a Inês viveu esse momento?

-Acabámos por nos consolar todas e estávamos a chorar, não por não nos termos apurado, mas por termos sido superiores e feito muito mais que as bicampeães mundiais. Eu pelo menos chorei de orgulho, de saber que dei tudo o que tinha a dar. Deixei lá lágrimas e suor. Mentalmente também foi muito desgastante. Estávamos muito longe da família, horários completamente diferentes, e acho que acabou também por ser o acumular de tudo.

-Como é que é a adaptação de uma pessoa que vai para a Austrália e para a Nova Zelândia?

-No avião nós já nos tentávamos adaptar ao horário da Nova Zelândia. Felizmente, não tive grandes problemas com a parte do sono, mas sentia que estava muito mais cansada do que o normal. Era capaz de adormecer às nove da noite e acordar às nove da manhã. Houve jogadoras que dormiam duas, três horas por dia, mas a Federação e a parte médica foram incríveis nesse aspeto e não nos faltou nada, com medicação e tudo o que quiséssemos ao nosso dispôr.

-E em termos de apoio, a família acompanhou-a nesse Mundial? 

-Não estiveram lá na Austrália e acabava por ser muito complicado falar com eles. Falava mais de manhã, mas quando voltava do treino já estavam todos a descansar.

Acho que o Mundial foi o upgrade do que o futebol feminino precisava em Portugal

-Dos portugueses em geral, sentiram que estava toda a gente convosco?

-Desde o Mundial que nós sentimos cada vez mais também o apoio dos portugueses. Às vezes estamos na rua e já nos reconhecem muito mais. Acho que o Mundial foi o upgrade do que o futebol feminino precisava em Portugal.

-E a companheira nos bons e maus momentos quem foi? 

-Eu dou-me muito bem com a Ana Capeta. No Mundial ela foi o meu porto seguro. Foi aquela pessoa que eu tinha os braços dela e ela tinha os meus... Jogávamos muito PlayStation, computador. Se perguntar a uma Kika que se dá mais com todo o mundo [risos]… eu sou mais reservada.

-Olhando para a estreia frente aos Países Baixos... O que é que sentiu?

-Senti-me muito nervosa. No ano passado, o europeu não correu como eu queria. Foi uma aprendizagem para o Mundial. Entrei frente aos Países Baixos para comer relva, como todos os outros.

-O Mundial foi brilhante, a Liga das Nações foi uma deceção?

-Não foram os resultados que queríamos, mas foram jogos complicados em que não estivemos no nosso melhor. É uma aprendizagem e agora vamos ter o apuramento para o Europeu. Não é voltar a ser o mesmo Portugal, mas ter resultados positivos.

-Uma conquista internacional já vos passa pela cabeça?

-Sempre que entramos numa competição, o nosso objetivo é ganhá-la. Já nos batemos contra seleções teoricamente superiores a nós... é jogo a jogo e, no final, conquistar algum troféu europeu ou mundial.

-É fazer um Europeu ainda melhor que o último Mundial?

-Sim, queremos passar a fase de grupos e depois continuar o nosso trajeto.

Passes curtos

-Melhor defesa?

-Penálti na Algarve Cup contra a Austrália

-Momento mais alto da carreira?

-Ser Campeã Nacional pelo Sporting

-Jogar com os pés ou ágil nos postes?

-Ágil nos postes

-Um Mundial ou Champions Feminina?

-Um Mundial

-Quem é a mais brincalhona da Seleção?

-A Kika Nazareth

-E a mais séria?

-Ana Dias

-Chocolate suíço ou um bom pastel de nata?

-Um bom pastel de nata

-Ídolo no futebol feminino?

-Hope Solo

-E na vida?

-A minha mãe

-Se escolhesses um jogador do futebol masculino que te identificasses, quem seria?

-Iker Casillas

-A jogadora mais difícil que enfrentaste?

-Sam Kerr

-Número de camisola preferido?

-12

-Se não fosses jogadora, o que serias?

-Fisioterapeuta

-FIFA ou PES?

-Atualmente, FIFA