A Volta a Portugal começa esta quarta-feira e traz muita montanha! (foto Volta a Portugal/Facebook)

Quem pediu uma Volta a Portugal espetacular?

Cinco chegada em alto e percurso com relevo irregular na esmagadora maioria das etapas, e apenas 20 km de contrarrelógio. Interesse assegurado, mas há riscos...

Pediu-se maior competitividade, espetáculo desportivo melhor, mais espectadores e audiências - e a organização da Volta a Portugal tratou de os proporcionar. Pelo menos, terá sido a intenção do diretor da prova, Joaquim Gomes, de promover a 86.ª edição da mais importante e popular corrida do calendário nacional de ciclismo, que se inicia esta quarta-feira com não menos tradicional prólogo, na Maia.

Na quase ausência de equipas de escalão superior ao terceiro (Continental; a única acima é a ProTeam espanhola Caja Rural, da segunda divisão internacional) com consequente inferior qualidade do pelotão e a sua escassez (apenas 116 corredores), os responsáveis da Volta decidiram-se pelo incremento da exigência das etapas (dez mais o prólogo), com maior número das que têm final seletivo, em subida.

Pretende-se fomentar o interesse da competição e cativar mais audiências promovendo a luta, quase todos os dias, pelos lugares cimeiros da classificação geral, e em privilégio dos trepadores aos contrarrelogistas, reduzindo a distância das provas individuais contra o tempo em relevo plano (além dos 3,4 km do prólogo, mais 16,7 km na etapa final, em Lisboa). Para velocistas, poucas ou nenhumas oportunidades em finais disputados ao sprint em pelotão compacto. O que o povo gosta é de montanha.

A Serra da Estrela e a tradicional seletiva subida à Torre não podiam faltar no elenco de etapas (foto Anicolor)

A corrida, que já é reconhecida por ser bastante difícil, incluindo pelos melhores corredores estrangeiros que têm participado, por aliar o perfil montanhoso às elevadas temperaturas que se fazem sentir em agosto no país (como as atuais), está ainda mais dura. Mas há riscos nesta tentativa de dinamização do espetáculo, e não são poucos. Desde logo, a dizimação do escasso e enfraquecido pelotão, pelos efeitos do extremismo do percurso e do calor, que teriam consequências extremamente negativas para a prova.

Haverá cinco chegadas em montanha (em tão-só 10 etapas) - Braga (Sameiro), Senhora da Graça, Guarda, Torre e Montejunto -, seis percursos de média/alta montanha (juntam-se àqueles, a etapa com meta em Bragança) e um permanente sobe e desce mesmo nas tiradas alegadamente direcionadas para os homens mais rápidos (apenas duas: Viseu e Santarém, e ambas ainda com finais inclinados).

Subida ao Montejunto regressa 42 anos depois... (foto Anicolor)

Volta para trepadores, é que se prevê. Ainda que o principal candidato à vitória (unanimemente reconhecido pela imprensa, a sua própria equipa e as adversárias) não seja um especialista em montanha, o defensor do título, Artem Nych. O russo da Anicolor-Tien21 é um corredor completo, mas inconsistente nas subidas mais exigências. Ou foi nas edições anteriores da Volta em que participou, incluindo a última, que ganhou. Em 2024, Nych começou a prova como gregário de luxo do uruguaio Mauricio Moreira ou alternativa a jogar em caso de falência do vencedor de 2022, o que veio a acontecer.

Artem Nych, vencedor da edição de 2024, é um dos principais candidatos ao triunfo este ano (foto Anicolor)

No entanto, o corredor de Leste teve de emergir das profundezas da classificação, depois de ter acumulado atraso importante nas etapas de montanha do Observatório de Vila Nova e da Torre, para a proporcionar uma imprevista, mas ao mesmo tempo normal vitória à então Sabgal-Anicolor, fruto da claríssima superioridade desta equipa face à concorrência e apesar de um surpreendente Afonso Eulálio, cuja revelação catapultou-o para o WorldTour. 

Contrarrelógios serão dois nesta edição da Volta a Portugal (Foto Volta a Portugal/Facebook)

O russo integrou duas fugas decisivas, incluindo a numerosa escapada da penúltima etapa, que o Feirense, do então camisola amarela Eulálio, não teve capacidade para anular, e na Sra. da Graça carimbou o triunfo na geral, com crucial de Frederico Figueiredo, que também o tinha ajudado a vencer em Boticas (a referida superioridade coletiva).

Com tanta montanha, com legitimidade poderá questionar-se o favoritismo de Artem Nych. A resposta é dada pelo próprio corredor, após uma temporada em que mostrou efetiva evolução na montanha, coroada com vitórias nos Grandes Prémios O Jogo e do Douro Internacional. «Ter vencido o ano passado dá-me tranquilidade. Sinto que já não tenho pressão para ganhar», começou por declarar o russo, de 30 anos. «Depois, não sou o único líder da equipa, há outros...», afirmou Nych.

A Volta leva o espetáculo do ciclismo às estradas portuguesas

O camisola amarela da Volta em 2024 refere-se a companheiro na formação Anicolor, Alexis Guérin, um puro trepador, reforço esta temporada, e vencedor do recente GP Joaquim Agostinho e GP Beiras e Serra da Estrela (impondo-se isolado na Torre). O francês pode ser mesmo o único capaz de rivalizar com o campeão em título, prevendo-se a mesma estratégia de liderança partilhada da equipa Anicolor dos últimos anos: desde 2022, quando a equipa ocupou os três lugares do pódio final, o primeiro com Mauricio Moreira.

O uruguaio, que trocou a Anicolor pela Efapel no final da última temporada, é a baixa mais sonante desta Volta, devido a problemas físicos decorrentes de uma prolongada lesão num joelho, desfalcando com relevância esta última equipa, que apostava na sua liderança e assim fica restringida nas aspirações ao pódio aos trepadores Tiago Antunes e Joaquim Silva, ainda falhos de regularidade em provas tão exigentes.

Afonso Silva e David Peña (Tavira) dominaram 1.ª etapa do GP Abimota 2025

Ainda perante as características montanhosas do percurso, o colombiano Jesús Peña, trepador que chegou à AP Hotels&Resorts-Tavira-Farense no decurso da temporada e foi dos poucos adversários a quebrar a hegemonia da Anicolor-Tien21 nas corridas da época (o outro foi o seu companheiro na equipa algarvia Afonso Silva, vencedor do GP Abimota).

O levezinho corredor de 25 anos, que representou a Jayco AlUla, do WorldTour, nas três temporadas anteriores, terá no contrarrelógio final um obstáculo à sua candidatura à camisola amarela, o mesmo do que o equatoriano Jonathan Caicedo da mexicana Petrolike, outro trepador que apreciará as agruras do terreno, mas igualmente com laivos de inconsistência.