Luz María já não chora por Dí María
Em Rosario, Argentina, há quem jure ainda hoje ter vislumbrado no Parque Urquiza, perto das margens do rio Paraná, uma mulher vestida de branco em gritos lancinantes, chamando pelo pelo filho. Luz María, de seu nome, que se perdeu de amores por um nobre espanhol no século XVII, homem já prometido em casamento e que não podia corresponder a esse amor. Reza a lenda adotada e adaptada por Rosario, que Luz María, por desgosto, se atirou às águas do Rio Paraná com o filho e que desde então não há noite em que não apareça em assombração.
As lendas vão sendo adaptadas. Por virtudes de investigação apurada ou de ou fértil imaginação, haverá quem se lembre agora de garantir que afinal Luz María, La Llorona de Rosario, chora não a morte de um filho mas a partida de dois: Lionel Messi e Di María, que tão jovens deixaram Rosario e atravessaram o Atlântico em busca de fortuna na Europa. E talvez alguém venha agora jurar que, no parque Urquiza, La Llorona deixou de chorar a partida de Di María. O anjo de Luz María.
Há em Rosario uma antecipação de celebração, que pode até começar por uma visita ao número 2066 da Rua Mariano Perdriel, a casa de família de Di María. Onde, com outros bravos sonhadores, fez parte da famosa banda de Perdriel, grupo de amigos que partilhavam um terreno baldio para jogar futebol. É possível que, nesse sonho de outros palcos, Di María tenha gritado, em assomos de guerrilheiro, o «Hasta la victoria, siempre». Senha imortalizada pelo conterrâneo Che Guevara, também ele nascido em Rosário.
O balanço da dupla passagem de Di María pelo Benfica não se mede em números. Não se mede em golos. Não se mede em títulos. Mede-se em emoções gravadas em memórias. E estas convertem-se em gratidão. E porque um obrigado é pouco, custa-me ver partir Di María sem a justa homenagem que lhe é devida. Que nos é devida a nós, adeptos do futebol, honrados por um dos melhores e mais vitoriosos jogadores da história do futebol ter jogado em Portugal. Uma publicação nas redes sociais e uma entrevista na BTV parece-me muito curto para todos. Acredito que o Benfica, que meritoriamente tem promovido várias homenagens a jogadores que o serviram com talento e dedicação, irá a tempo de corrigir esta ausência de uma despedida à dimensão da grandeza histórica do clube e do jogador. Por muito que não seja uma despedida, mas um até já.
A Di María nada tenho a perguntar, nada tenho a apontar, nada a lamentar. Ele é uma das razões para gostar tanto de futebol. Nada faz tanto sentido dizer-lhe agora quanto um profundo obrigado e desejar que continue a ser feliz no Rosario Central.
Di María regressou à primeira casa, quase 20 anos depois de ter partido para jogar no Benfica. Passeando pelo Parque da Independência, parando um pouco a apreciar o Monumento Nacional de La Bandera, onde pela primeira vez se ergueu a bandeira argentina, olhando montras na Rua Córdoba ou até rezando na Catedral de Nossa Senhora do Rosario, é bem possível que Di María esteja a cantarolar os, talvez, dois dos versos mais emblemáticos do poema Volver, escrito por Alfredo La Pera e brilhantemente transformado em tango pelo imortal e genial Carlos Gardel:
«Sentir que es un soplo la vida
Que veinte años no es nada.»