Jorge Nuno Pinto da Costa, um Homem marcante
Falámos sobre o FC Porto, sobre as eleições, sobre as mudanças inevitáveis que se adivinhavam e sobre a família. A sua e a minha. Mostrou-me, embevecido, uma fotografia das netas. Falou-me de sua Mãe e de como esta teve um papel determinante, ao encorajá-lo, para que viesse a assumir a presidência do FC Porto nos idos anos 80. Falou-me do tio que, à socapa, o levava a assistir aos jogos do Porto. O Pai, disse-me, preferia que se concentrasse nos estudos, o futebol era uma distração. A evitar, portanto.
Enumerou, um a um, o onze inicial do primeiro jogo oficial a que assistiu ainda muito jovem. Fiquei surpreendido com a memória límpida. Contou-me uma mão cheia de peripécias, de episódios. Com jogadores, treinadores e outros dirigentes. Do presente e do passado mais longínquo. Fiz-lhe as perguntas que um sócio apaixonado pelo seu clube gostaria de ter feito. Porque optou por este treinador e não aquele. O que correu mal com aqueloutro. Porque decidiu assim ou não de outra forma. Este jogador, aquele e outro mais. Porque saíram. E porque entendeu deixar sair esse e não aquele.
Respondeu-me, longamente, a tudo. Com a paciência de quem está a mostrar os cantos à casa a um aluno curioso no primeiro dia de escola. Ao fim de 42 anos, o Presidente mais titulado da história do futebol mundial esteve ali, sentado a meu lado a desfiar uma parte do novelo. Sobre o nosso clube. A sua vida. As suas memórias. Pinto da Costa era um portista fervoroso. Transparecia-o no contacto, na conversa, nos detalhes das estórias que contava. No modo como se referia ao clube, do futebol ao hóquei, do andebol ao basquetebol. Quis um Porto por inteiro, uno, de combate. A face mais visível é sempre o futebol, a equipa profissional de futebol. Mas ele vivia tudo o resto com a mesma intensidade.
Falou-me do quanto gostava de fado e de poesia. Contou-me que tinha sido desafiado a declamar Régio numa das últimas idas aos fados com o amigo de sempre, Mário Pacheco. «Chamou-me ao palco e pediu-me que declamasse. Olhe, e eu lá fui».
Pelo meio da conversa lá surgiu a política. Explicou-me que foi desafiado umas tantas vezes. «Veja lá, há muitos anos convidaram-me para ser candidato ao Parlamento Europeu», disse-me. «Eu, para o Parlamento Europeu, fazer o quê? Nem levei aquilo a sério!», confidenciou-me. Rimos. Contou-me que em certa altura queriam levá-lo a ser candidato à Câmara do Porto. Nunca quis. Falava da política com a ironia de uma vida cheia. «Sabe? Conheço-os a todos.».
Neste dia que aqui recordo, foram-se juntando várias pessoas em redor da mesa. Apesar de visivelmente cansado, não se negou a uma fotografia ou a dois dedos de conversa. Também por isso as pessoas gostavam genuinamente de o abordar. «Presidente, tire aqui uma fotografia connosco.» «Presidente, renove com o Sérgio.» «Presidente, não deixe sair este e aquele.» «Presidente, esse anda lá a fazer que faz.» Tinha resposta para tudo. Irónico, mordaz, direto quando se impunha.
Aqueles que, como eu, cresceram a acompanhar o FC Porto nos últimos 35/40 anos identificam na figura de Jorge Nuno Pinto da Costa uma personalidade única, singular. Jamais esquecerei as tiradas irónicas, as saídas mordazes, as controvérsias e as polémicas que preenchiam manchetes a um ritmo quase diário.
Jorge Nuno Pinto da Costa não foi apenas o dirigente desportivo mais titulado do mundo. Foi uma força da natureza, um homem que desafiou o improvável e transformou o Futebol Clube do Porto numa máquina competitiva à escala global.
Sob a sua liderança, o FC Porto afirmou-se dentro e fora de portas, rompeu com status quo que até então ninguém ousara questionar e escreveu páginas de glória que ficarão para sempre na memória coletiva de todos os portistas. O seu legado prolonga-se para lá dos títulos e dos troféus que conquistou, das infraestruturas que idealizou, concebeu e concretizou. Pinto da Costa foi um homem apaixonante. Inteligente, sagaz, visionário. Um homem corajoso, defensor intransigente da sua cidade e da região que o viu nascer. Um homem com uma devoção rara e uma fé inabalável que conseguiu dar corpo a um ideal que há 40 anos muitos, se não todos, consideraram um devaneio. Vamos sentir a sua falta.
Descanse em paz, Presidente!