Adeptos do Boavista festejam título nacional de 2000/2001. FOTO A BOLA
Adeptos do Boavista festejam título nacional de 2000/2001. FOTO A BOLA

Carta do presidente do Boavista aos sócios

Em dia de Assembleia Geral extraordinária do histórico clube portuense, para dicussão do Plano de Recuperação Económica, o presidente dirige-se aos sócios e apela à presença na reunião magna

Caro amigo,

Hoje aproveito o convite de A BOLA para me dirigir a si. Vi-o há dias de lágrimas nos olhos pelo desgosto de ver a nossa equipa despromovida da I Liga. Sei que não foi o único…

Vi-o ainda, dias depois, desesperado, a comentar o facto de nem na Liga 3 ou no Campeonato de Portugal haver espaço para a camisola de xadrez. Somos muitos a sentir esta dor.

Lembro-me bem de há muito tempo o ter ouvido dizer que era uma questão de tempo até à queda no abismo. Não quis acreditar, mas a verdade é que a memória nos prega algumas partidas e neste caso está tudo documentado: dia após dia, ano após ano, as promessas não cumpridas, o desvalorizar sem fim do património histórico do nosso centenário clube.

É a si que quero dirigir estas palavras, mas sei que estas refletem o sentir de muitos outros. Vivemos um momento único na história do nosso clube, um momento em que desistir não é opção. Todos temos de remar para o mesmo lado e unir os nossos esforços e ações para salvar o nosso clube.

É por isso que o convoco — e a todos os boavisteiros — a dizer presente. Afirme-se e demonstre a grandeza do Boavista comparecendo, hoje, na Assembleia Geral Extraordinária onde vamos, em família, discutir o Plano de Recuperação Económica do nosso clube.

Nesta reunião magna de sócios, vou explicar porque acredito que do momento mais negro e difícil da história do nosso clube, ressurgiremos fortes — mais fortes do que as nossas memórias recentes — e, sobretudo, sólidos.

Teremos na nossa casa, em privado, oportunidade para dizer tudo o que não deve ser dito em público. Chegou o dia em que, olhos nos olhos, vamos apresentar o nosso plano de recuperação do clube.

Chegou o dia em que, com sentido de missão, o distintivo bairrista se sobreporá a todas as diferenças de opinião. Sim, acredito que deste momento de grande dor, em que percebemos que a SAD que durante anos apoiámos já não representa o histórico Boavista Futebol Clube, chegou a hora de fazermos uma catarse e assumirmos que o caminho não é fácil, mas que não há desafio a que um boavisteiro se negue pelo seu clube.

Primeiro deixe-me dizer-lhe — a si e ao seu amigo de outro clube que lhe pergunta se haverá dois ou mais Boavistas a competir — que Boavista há só um: o que foi fundado em 1903 e tem casa no Estádio do Bessa. Aquele de que nos orgulhamos por há quase 122 anos formar homens e mulheres para o Desporto e para a cidadania. Aquele que se substitui ao Estado em matérias tantas vezes esquecidas e maltratadas pelos poderes públicos. Aquele Boavista que deu ao País e ao Mundo alguns dos maiores atletas de sempre nas suas disciplinas, aquele que, com recursos parcos, competiu — e várias vezes venceu — alguns dos gigantes mais poderosos da Europa.

Sei que o seu vizinho lhe pergunta porque é que o clube inscreveu uma equipa na AF Porto, se a SAD também vai participar; e sei que o seu tio menos atento lhe pergunta «então e porque é que clube e SAD não se entendem e fazem uma só equipa?».

Nós os dois sabemos a resposta, e durante muito tempo calámo-nos. Para não prejudicar… Para não sermos o elo de desestabilização que tudo poderia fazer ruir.

Prometo que hoje vou falar-lhe da estratégia da Direção para recuperar o Boavista. Vou explicar-lhe porque é que tenho dito que esta SAD deixou de representar-nos, e — ironicamente — dizer-lhe que não há, ao contrário do que se faz crer, uma guerra entre clube e SAD.

Honestamente, creio que todos já entendemos que há desilusão, sim, mas não confronto. Que há tristeza, mas não sabotagem. Há, apenas e só, o assumir o fim de uma relação há muito condenada.

Eu bem o ouvi dizer, caro amigo e consócio, que era inaceitável o incumprimento do pagamento do protocolo, assim estrangulando também o clube, e asfixiando o nosso tão amado ecletismo. E, no entanto, com sentido de responsabilidade, nem eu nem o meu amigo erguemos a voz em momentos em que a estabilidade era fundamental.

Hoje já todos percebemos: não foi evitada a queda no abismo. Falharam as promessas de diálogo por uma solução, e falhou a solução. A equipa de futebol ficou moribunda, num escalão para a qual toda a estrutura da SAD é sobredimensionada.

Sabe, falei de si ao senhor secretário de Estado do Desporto, com quem tive oportunidade de reunir-me esta semana. Disse-lhe que o meu amigo andava desanimado, e que já só quer que o nosso clube siga o seu caminho, começando de baixo, com honra e dignidade. Que não estamos a pedir nada a ninguém, a não ser o direito a recomeçar. Para quem tem tantos anos de vida e tanto deu não será pedir demais, certo?

Quero transmitir ao Governo de Portugal, à Federação Portuguesa de Futebol, e a outros interlocutores com os quais me cruzo diariamente, que, em desespero, os clubes têm aberto as portas a maus investidores. Quantos não são encostados à parede e confrontados com a argumentação de que «é isto ou é o fim?».

É justo dizermos que os boavisteiros fizeram tudo o que estava ao seu alcance para evitar este desfecho, não acha? Agora façamos ouvir-nos, e digamos bem alto que uma SAD que não respeita a história e responsabilidade social do Boavista, não nos representa. Esta SAD não cumpre o protocolo assumido para utilizar o Estádio do Bessa e o nosso emblema ao peito. Como manter uma relação assim? Se os negócios são firmados com base na boa-fé, e quando um clube abdica da maioria do capital social, fá-lo acreditando que o investidor honrará os compromissos assumidos e respeitará a sua identidade e história, há uma questão que tem de ser colocada na agenda política: não podemos continuar a aceitar que clubes históricos sejam forçados a constituir SAD sem que existam mecanismos eficazes de supervisão...

Já percebeu que num dia em que apelo à razão, escrevo-lhe do fundo do coração. As emoções intensas que vão na alma de cada um de nós não devem, no entanto, condicionar-nos ou levar-nos a cometer precipitações fatais. Devem, isso sim, guiar-nos. Se há coisa que nós os dois sabemos, caro amigo, é que os nossos atletas das várias modalidades, os jovens que se iniciam no nosso clube, vão continuar a garantir a atividade do Boavista e a honrar a nossa história.

Os atletas e treinadores que vão representar a nossa equipa na Associação de Futebol do Porto tudo deixarão em campo para que ano após ano subamos mais um degrau na escada que nos levará de novo à I Liga.

Este caminho não será fácil, mas há um rumo, sabemos o caminho a fazer e como percorrê-lo. Este é um momento definidor da nossa história e cada um de nós é chamado a cumprir o seu papel. É em nós e por nós que o nosso clube existe.

Todos somos poucos para mostrar ao Mundo que Boavista só há um e é eterno.

Somos corajosos, nada tememos e é com este distintivo bairrista ao peito que seguimos em frente. Pelo Boavista, sempre!

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