Assédio sexual: a tática proibida
NA vida, como no desporto, há linhas que não podem ser ultrapassadas. Sem subterfúgios, sem VAR, sem desculpas. No caso de assédio do treinador Miguel Afonso a jogadoras da equipa de futebol feminino do Famalicão foram cometidas diversas infrações, segundo o Conselho de Disciplina da FPF.
Primeiramente é preciso perceber em termos jurídicos o que é assédio sexual e quais as suas consequências em termos do Direito: «Trata-se uma conduta indesejada verbal, não-verbal ou física, de carácter sexual, tendo como objetivo violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando esta conduta cria um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante.» Esta é a definição da Convenção para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres.
Neste caso específico, trata-se de punir não só um crime, porque também o é - art.º 170 do Código Penal - mas um comportamento que pode acontecer noutras situações.
A Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF puniu Miguel Afonso com 35 meses - quase três anos - de suspensão e com o pagamento de 5.100 euros. Samuel Matos, diretor desportivo do clube, foi também castigado com 18 meses de suspensão e 3.060 euros de multa.
O órgão federativo sancionou o treinador pela prática de cinco infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 125.º, n.º 1 do RDFPF, qualificadas como muito graves, e Samuel Matos pela prática de três infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 125.º, n.º 1 do RDFPF, qualificadas como muito graves, em cúmulo material.
Sim, decidiu bem o Conselho de Disciplina da FPF porque o poder de um treinador de futebol é grande face às jogadoras que lidera. E liderar implica deveres especiais de cuidado e respeito. O treinador fez o contrário.
Repare-se neste exemplo: enviou mensagens a uma jogadora por si treinada, pedindo-lhe fotografias do seu corpo, sob a promessa de que ficará sob segredo», procurando perceber qual a sua orientação sexual - um assunto que no desporto, e em particular no futebol, é ainda tabu. E enviou-lhe mensagens com o seguinte teor - além de lhe telefonar várias vezes por dia para que a jogadora lhe fizesse companhia até casa, não obstante a resistência evidenciada: «Consoante as fotos forem chegando agagaga»; «Ahhaha podes enviar as fotos q quiseres»; «Ahah anseio por essa foto kkkk»; «Ahahaha pensa cc carinho então na forma cm me vais mostrar o antes e depois ahahah»; «Ajudo te em tudo, mas… Sempre em segredo».
Os pedidos de fotos, o segredo, todo o contexto, deixam claro que a intenção era exercer ilegitimamente o seu poder enquanto treinador, para conseguir concessões sexuais ou para humilhar violando a dignidade da jogadora.
Muitos questionam se estas mensagens são também crime, mas isso será resolvido nos tribunais. O Conselho de Disciplina teve mão pesada, e fez bem, porque o desporto é para as pessoas se divertirem, competirem e conviverem, criando laços saudáveis. Não deve, nunca, ser palco de comportamentos menos próprios. Hoje não há direito ao golo, há o direito à coragem, a mesma que as jogadoras do Famalicão tiveram ao denunciar o caso.