Tunha falou abertamente de tudo nesta entrevista de final de carreira (Foto: Miguel Nunes)

Voz de um campeão da Europa por Portugal: «Que os mais novos vejam a minha carreira como exemplo»

Aos 40 anos, Tunha colocou ponto final numa carreira de mais de duas décadas. A bola nos pés começou… no futebol, mas foi no futsal que chegou ao topo da Europa. O (antigo) pivô foi um dos heróis da brilhante conquista do título europeu ganho por Portugal, em 2018, e junta esse momento ao campeonato ganho pelo Torreense. A família, os amigos e, claro, Jorge Braz. O professor que é o «patrão». Para a história fica a superação, a resiliência e todas as aprendizagens. Futsal sempre, treinador não

- Decidiu terminar recentemente a sua carreira. Como estão a ser estes primeiros tempos de um ex-jogador de futsal?

- Estão a ser tranquilos, por acaso. Já desde novembro que tinha preparado isto com a minha família. Desde criança, e quando comecei a jogar e a competir, sentia-me bem e era assim que queria acabar. Foi o que aconteceu. Em conjunto com a minha família decidimos que estava na hora.

- Destaca bastante a importância familiar.

- Sim, sem dúvida. É extremamente importante para mim. Ser pai é a melhor profissão que tenho na vida. Tenho três filhos, claro que cada um deles dá dores de cabeça, mas ainda bem que as tenho. Quando chegamos a casa, para eles não importa se ganhámos ou perdemos, vão-nos abraçar da mesma forma. Quando era miúdo tinha um mau perder incrível e lembro-me, por exemplo, de que detestava perder nos jogos de consola com o meu irmão, ao ponto de mandar o comando contra a parede. Com a vida fui aprendendo que a derrota faz parte do processo. É mais um dos fatores de crescimento. Fui-me protegendo que isso fazia parte e sentia-me pior se não fizesse de tudo para ganhar o jogo. Depois, o resultado final já não depende só de nós.

- Tem também uma tia que lhe é muito próxima e que dá ainda mais corpo a essas ligações de sangue.

- A minha tia Edite… É uma segunda mãe. Houve uma altura da vida em que ela viveu lá em casa connosco e com os meus primos, o Mário e o Nuno, e protegia-me bastante. Apaparicava-me muito, protegia-me dos castigos da minha mãe… Eu era terrível e ela protegia-me muito. Agora estou a passar isso com o Diego [filho] e a minha mãe, quando eu lhe conto coisas do Diego, diz-me que é a minha vez de passar por isso porque também lhe fiz a ela. Faz parte [risos].

Carta aberta da mãe Isabel
«Filho, o futebol/futsal foi uma parte importante da tua vida e realizaste o teu sonho. Mas o que realmente importa é o ser humano que és, forte, corajoso e cheio de sonhos. É o fim de uma etapa e o começo de outra. Estarei ao teu lado, como sempre estive, e pronta para te apoiar. Certamente que iremos celebrar novas conquistas. Com todo o meu amor, mãe.» Esta foi a carta escrita por Isabel Fortes, progenitora de Tunha, escreveu ao filho. Que a leu, em voz alta, durante a entrevista. A felicidade era visível num rosto positivamente carregado. De orgulho. De sangue. A lágrima foi inevitável. Porque mãe é mãe. É tudo. «Tenho a cara dela tatuada. É a minha heroína [lágrimas]. Tal como o meu pai. Cada um tem o espaço, sem dúvida alguma. Mas o que ela fez para nos criar [Tunha e irmão]… Saiu muito nova de casa e tomou conta de duas crianças sozinha e isso é incrível. Sinto que o obrigado é pouco para o que ela fez. A gratidão que tenho por ela nunca será suficiente. Fui criado pela minha mãe e depois pela minha tia Edite. Eu e o meu irmão, que é o meu super-homem. Um amor incondicional que temos entre todos, é a nossa base para tudo. Além disso, ainda tenho o meu primo Alex, que eu amo. É da Holanda e quando vinha cá a Portugal levava-me para todo o lado. Sou até padrinho dos dois filhos dele. Foram todos eles, o meu círculo mais próximo, os primeiros a saber da minha decisão [final de carreira]. A todos eles, obrigado por tudo», retorquiu, com profunda gratidão.

- Teve um percurso que contemplou passagem por vários clubes. Odivelas, Castelo, AMSAC, Ereira e Benfica, Torpedos, Ismailitas, Sacavenense, Olivais, Leões Porto Salvo, Fundão, Belenenses, Burinhosa, Torreense e UPVN. Que sentimento guardou de cada um?

- Falta apenas a Academia Musical, que foi na formação. Foi um processo de transição do futebol para o futsal. Era um clube no Lumiar onde estavam muitos amigos meus e eu, mesmo sem bases nenhumas de futsal, fui para lá. Depois o Odivelas contratou-me depois de um torneio e quando fui para lá não tinha bases nenhumas de futsal.

- Como foi essa adaptação?

- Estive sempre aberto a tudo. Há sempre algo que podemos acrescentar ao nosso conhecimento. Apanhei, nessa altura, um treinador muito bom e de que gostei imenso, que era o senhor David Sousa, e tinha lá jogadores da formação do Sporting que tinham a base de futsal. Eu não sabia posicionar-me em campo, não tinha essas noções. Aprendi aí essas bases. Ouvia muito o treinador, mas só jogava. Era livre. Não pensava nas posições, nos timings, isso fui aprendendo mais para a frente. Acho que agora, por exemplo, está a faltar muito o futsal de rua. E eu tinha isso. Sempre fui uma criança pequena, só depois é que dei um salto. O facto de ter passado por muitos clubes ao longo do meu percurso esteve relacionado com os tipos de contrato, uma vez que os vínculos eram curtos.

- Chega ao patamar profissional quando entra no Olivais, clube onde joga durante quatro épocas, para escrever ainda mais história a partir daí. Mesmo sem ter representado um dos designados grandes, sente-se orgulhoso da carreira que teve?

- Sim, sem dúvida alguma. Todos devemos orgulhar-nos do nosso trajeto e eu tenho muito orgulho no que fiz. Quero que os mais novos vejam a minha carreira como exemplo, pensando sempre na aprendizagem e nunca desistindo do que querem. O que traça a nossa dedicação é o nosso compromisso. Quando saio da I Divisão para a II ainda não tinha isso planeado, mas nessa altura eu disse que o meu compromisso, estivesse onde estivesse, não seria baseado no clube onde estava, mas em mim, enquanto jogador e pessoa. No Olivais apanhei jogadores incríveis, que tinham sido campeões nacionais, como o João Marçal, Zezito, Zé Carlos, Estrela, entre outros, e dei um salto do ponto de vista qualitativo. Foi no Olivais que tive o clique. O Zezito, por exemplo, dizia-me que tinha de melhorar o passe, algo que nunca ninguém me tinha dito. Nesses quatro anos cresci bastante.

Tunha abriu o coração nas instalações de A BOLA, nas Torres de Lisba (Foto: Miguel Nunes)