ENTREVISTA A BOLA João Costa recorda FC Porto, Seleção, amigo Rui Silva e garante: «Não coloco limites e isso faz com que me supere»
Guarda-redes teve uma formação «dourada», nos dragões e nas seleções jovens, mas as contingências da carreira ousaram tirar-lhe o tapete. Forte, resiliente e com uma superação incrível, nunca desistiu e chegou ao principal patamar do futebol português. Agradece a oportunidade ao Estrela da Amadora, confiança que tudo faz para retribuir, e nesta entrevista a A BOLA fala de tudo sem rodeios, incluindo o sonho de lutar por títulos, jogar competições europeias e chegar à Seleção A
Na época que agora finda estreou-se no principal patamar do futebol português, no caso, ao serviço do Estrela da Amadora. Qual foi o sentimento?
- É um sentimento de um enorme orgulho. Quem tem convivido comigo sabe que era algo que eu procurava já há algum tempo. Tinha tido oportunidades de poder ter estado na Liga, mas, por razões que não dependeram de mim, acabou por não acontecer. Ter chegado a este patamar foi fruto do meu trabalho e do meu sacrifício. Quem conhece a minha história sabe que nem sempre foi fácil. Há um ano estava a jogar um play-off de permanência/descida de Liga 2 e Liga 3 [ao serviço do Feirense] e, como tal, só tenho de estar feliz pelo percurso até aqui.
Chega à Liga dos 28 para os 29 anos. Sente que está esta no ponto de maturação para responder às exigências?
- Sinto. Sou um profissional que nunca está contente e que pode alcançar sempre mais. Eu não coloco limites a mim próprio e isso faz sempre com que me supere. Tudo faz parte do processo e eu precisei desse processo para chegar ao nível em que estou hoje, tanto enquanto pessoa como enquanto profissional. Eu não mudava o meu percurso por nada e acredito quer o melhor ainda está por chegar.
Com que sensações viveu este período e como olha para o futuro?
- Em primeiro lugar, quero aproveitar para agradecer ao clube pela oportunidade que me deu para concretizar o que tanto vinha a procurar. Na altura em que foi [a meio da temporada] era preciso ter confiança em quem estavam a contratar e o Estrela acreditou em mim. Tenho o sentimento de ter de retribuir a confiança e tenho dado tudo de mim desde o primeiro dia. Éramos um grupo espetacular e fizemos grandes jogos, mesmo quando não conseguimos os pontos que merecíamos. É verdade que no fim sofremos e não deveríamos ter sofrido, mas tem que ver com muitos fatores. Acho que a equipa fez um grande jogo contra o FC Porto e depois, quando só faltava o último passo, entrou alguma ansiedade e não jogámos o nosso melhor. Ganhar a um grande, ainda para mais numa altura decisiva da época, traz-nos confiança e pensamos que podemos ganhar a qualquer equipa. Mas a partir do momento em que no jogo seguinte não conseguimos ganhar, levámos assim como que uma bofetada e isso pode ter devolvido alguma desconfiança. No entanto, a equipa superou-se sempre e a união foi a chave do sucesso final.
O Estrela acabou a época em dificuldades, tal como já tinha acontecido quando estava no Feirense. São momentos que deixam os jogadores mais fortes psicologicamente?
- Sem dúvida alguma. Claro que todos os jogadores gostariam de estar só a lutar por títulos, mas, no meu caso, a época passada foi mais uma vitória pessoal. Vim de uma lesão gravíssima, muita gente achava que eu já não voltaria a tempo e ainda consegui ajudar a equipa. Fisicamente não estava nem a metade das minhas capacidades, mas quem me conhece sabe que foi um play-off à João Costa. Foi uma vitória pessoal, fiz dos melhores jogos da minha carreira e consegui ajudar a equipa, que foi o mais importante.
Antes disso tinha estado cinco anos em Espanha, representando Mirandés, Granada, Murcia e Cartagena. Foi um período mais longo do que tinha perspetivado?
- Poderia dizer que sim. Mas fui sempre em crescendo até que no penúltimo ano aconteceu-me algo inesperado. No último dia passei de ser segundo guarda-redes do Granada para não inscrito, por decisão do treinador. Fui obrigado a acatar, tinha contrato, e fiquei um ano sem jogar. Depois, na época seguinte, tive de dar um passo atrás e voltar à terceira divisão, quando vou para o Murcia, e isso foi um dos maiores sustos da minha carreira. Passei de um clube de La Liga para o terceiro escalão. Mas aceitei o desafio e foi aí que se deu o verdadeiro clique na minha carreira.
É nesses momentos que se percebe que não se pode dar nada como garantido?
Precisamente. E eu sou um desses casos. Quando era jovem diziam que era uma das maiores promessas da minha posição e a verdade é que consegui chegar à primeira equipa do FC Porto. Fui campeão da Liga 2 [equipa B], joguei no clube da minha terra, o Gil Vicente, mas depois de estar na primeira equipa do FC Porto, passar para o Gil Vicente e seis meses depois estar na terceira divisão em Espanha tem um grande impacto e não é bom psicologicamente para um jovem. Mas eu tive de passar por isso para maturar o que tinha de maturar, lá está o tal processo de que falava. Quando estamos num grande, habituamo-nos a ter tudo e mais alguma coisa, e depois levamos assim uma chapada e acordamos a pensar que mesmo a dar o melhor de nós diariamente pode não chegar.
Rui Silva é um dos «melhores amigos»
Quando João Costa chegou ao Granada, na época 2019/2020 já por lá estava outro português: Rui Silva. O atual guarda-redes do Sporting foi um dos suportes do compatriota e desde essa altura que ambos criaram laços de amizade que não mais se quebraram. E o sucesso do leão foi também vivido de forma apaixonada pelo tricolor.«Foi um colega ainda mais importante para mim. Ajudou-me bastante numa fase decrescente da minha carreira, lá no Granada. É um dos meus melhores amigos e um exemplo para mim. Ver o percurso dele e a forma como conseguiu atingir as coisas, sem ter uma formação de ouro como eu tive, é um exemplar. Acatei sempre as suas palavras e conselhos. Fiquei muito feliz de o ver a ser campeão nacional. É também uma história de superação de alguém que hoje está no mais alto patamar. É um dos melhores guarda-redes portugueses. Continuamos a manter contacto porque gosto de ter comigo as pessoas de quem eu gosto e que me acrescentam e ele é um desses casos», confessou.