Leandro Castan na Roma em 2014, ano em que lhe foi diagnosticado um tumor (IMAGO)
Leandro Castan na Roma em 2014, ano em que lhe foi diagnosticado um tumor (IMAGO)

«Descobri no Twitter que tinha um tumor e podia morrer»

Leandro Castan recorda drama vivido na Roma, que no início «escondeu tudo»

Leandro Castan, antigo central brasileiro que jogou durante seis épocas na Serie A, concedeu uma entrevista ao Corriere della Sera na qual recordou o drama vivido quando era jogador da Roma e soube que tinha um grave problema de saúde. Tudo começou quando saiu ao intervalo do jogo com o Empoli, a 13 de setembro de 2014.

«Naqueles 15 minutos, a minha carreira terminou. Uma parte de mim morreu. Durante o aquecimento, senti um desconforto no flexor [músculo que causa a flexão de uma articulação]. No final da primeira parte, Maicon avisou Rudi Garcia: 'Castan não está bem'. Fui substituído. Deixei o campo, de vez. De volta a casa, comecei a sentir-me mal. Na manhã seguinte, a situação piorou, a minha cabeça estava a andar à roda. Pensei que ia morrer», começou por dizer, lembrando que foi ao hospital.

«Depois de uma ressonância magnética, mandaram-me para casa. O médico do clube estava preocupado, mas não me disse o que se passava comigo. Nunca pensei que fosse passar por algo assim. Os primeiros 15 dias foram horríveis. Não conseguia manter-me de pé, vomitava muito, tinha perdido 20 quilos. Estava sem forças. No início, a Roma preferiu esconder tudo. Decidi isolar-me e retirar-me das redes sociais. Mas um dia olhei para o meu telemóvel», contou.

E foi nesse momento que ficou sem chão: «Vi um artigo no Twitter 'Leandro Castan tem um tumor, pode morrer. O medo tomou conta de mim. Ainda não sabia o que tinha. Ninguém me tinha dito nada. Nem o clube, nem os médicos. Ninguém. 'Fica calmo', repetiam para mim. Depois lembrei-me que o meu avô tinha morrido de cancro no cérebro. Pensei que o destino poderia ter sido o mesmo.»

«Queria ganhar o campeonato com a Roma e ganhar na seleção. Em pouco tempo, vi-me numa cama de hospital com um tumor na cabeça. Tive de aprender a viver de novo. A viver uma vida diferente e a lutar contra uma doença que estava a crescer lentamente em mim. Fiz tudo para voltar ao meu nível. Tudo. Não foi possível», lembrou.

Nesse mesmo dia a minha mulher disse-me que eu iria ser pai outra vez. Um sinal de Deus

«Semanas depois informaram-me de que tinha um cavernoma no cérebro. Devia ter-me despedido do futebol. A escuridão instalou-se na minha cabeça. Estava confuso. Quando cheguei à clínica, explicaram-me a situação: 'Se levares uma pancada durante um jogo, podes ter uma hemorragia cerebral e morrer. Ou paramos ou fazemos uma operação. Iam abrir-me a cabeça. Era uma operação muito perigosa e eu não a queria fazer», prosseguiu, recordando que no meio da desgraça, houve esperança: «Lembro-me de chegar a casa nesse mesmo dia e de a minha mulher me dizer que eu iria ser pai outra vez. Um sinal de Deus.»

O antigo jogador, hoje com 38 anos, acredita que a família e a fé o salvaram. «Ao ver um jogo da Roma na televisão senti um clique. Não queria parar. O médico sugeriu que nos encontrássemos depois das férias de Natal, mas eu não podia esperar. Uma semana depois, fui operado. A minha única preocupação era manter-me vivo para não deixar a minha mulher e os meus filhos sozinhos.»

E a operação correu como previsto: «Assim que acordei, desatei a chorar com a minha mulher. Não estava morto. Os meses seguintes foram difíceis, tive de aprender a viver. No início, tinha dificuldade em agarrar num copo em cima de uma mesa. Se olhasse para os meus pés, não conseguia mexê-los. Mas o verdadeiro problema era o futebol.»

«Tenho a imagem do meu primeiro treino depois da operação. Cheguei a casa a chorar. Vou lembrar-me para sempre do momento em que os treinadores me passaram a bola. Olhei para o meu pé e para a bola. Queria pará-la, como gostava, mas o pé ficou parado e a bola passou por entre as minhas pernas. Não tinha controlo sobre o meu corpo. Foi terrível. Queria ser o que era antes, não aceitava não poder fazê-lo. Isto estava a matar-me», relatou, antes de partilhar sensações vividas nos tempos que se seguiram: «Raiva e frustração. Contra mim próprio, contra as pessoas que me são próximas, contra o mundo todo. Costumava chorar muito. Estava nervoso. Tudo parecia estar a correr contra mim.»

Mas gratidão é o que ficará para sempre. «Obrigado a Itália e à Roma. Acolheram-me e apoiaram-me no momento mais difícil. Se eu estivesse no Brasil, não sei o que poderia ter acontecido. O que os adeptos, Sabatini e os meus companheiros de equipa fizeram por mim é incrível. Ofereceram-me os melhores cuidados, pagaram-me o salário e renovaram-me o contrato mesmo sem jogar. E recebi mensagens de toda a Itália: Baresi, Allegri, Del Piero, Bonucci...», lembrou.

A viver no Brasil, «onde tudo começou», Leandro Castan lembrou os treinadores que o marcaram — «Rudi Garcia sempre me protegeu, foi um segundo pai. Com Spalletti tive mais dificuldades (...) disse-me 'O teu nível é este, não podes jogar aqui. Já não jogas mais comigo'. O mundo desabou. Mihajlovic? Fico arrepiado ao falar sobre isso. Vou levá-lo sempre no meu coração» —, recordou o adeus à Roma — «Apercebi-me de que nunca mais voltaria a ser o velho Castan» — e partilhou sensações quando questionado sobre o que pensa quando pensa no tumor: «Agora estou vivo. Um dia ouvi um pastor dizer: 'Um homem sem um sonho é um homem morto'. A partir desse momento, a minha visão mudou. Decidi seguir em frente. Só eu sei o que passei. Medos, dúvidas, caos. Agora estou aqui no Brasil, tenho uma família, vejo os meus filhos crescerem. Às vezes, eles perguntam-me sobre a minha história. Dentro de alguns meses vou levá-los a Roma e contar-lhes quem foi o pai deles. Um menino de Jaú que conseguiu e venceu o maior desafio da sua vida.»

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