Jorge Braz: 15 anos de uma liderança de dentro para fora
No desporto de alto rendimento, fala-se muito de táticas, metodologias e resultados. Mas há treinadores cuja verdadeira força não começa no quadro tático ou no plano de jogo - começa no ser humano que são. Jorge Braz é um desses casos. É a antítese do português fatalista: onde muitos veem medo, ele vê oportunidade; onde uns duvidam, ele confia. Quando todos esperam que grite, ele sorri e pede calma. Mas, quando menos se espera, levanta a voz, atira blocos ao chão e encara de frente quem começa a esconder-se. Lidera sem se impor. Serve em vez de se servir. Conquistou tudo e todos ao longo dos anos, não apenas pela competência, mas pela forma como se relaciona com pessoas de diferentes personalidades, ambições e expectativas. Organizado, meticuloso e assertivo nas convicções, quando acredita em algo é capaz de virar o mundo ao contrário.
Transmontano de coração, nascido no Canadá, filho de emigrantes portugueses, Jorge Braz cresceu na pequena aldeia de Sonim, em Trás-os-Montes. À primeira vista, podia confundir-se com milhões de outros homens. Parece discreto, pouco dado a discursos, talvez até tímido. Dá a impressão de ser daqueles que fazem o melhor que podem com os recursos que têm, como tantos outros que percorrem um caminho de pedras.
Só que Jorge Braz não está sempre calado. Quando fala, as palavras ganham corpo e dão vida a cada gesto. A expressão ilumina-se de confiança e proximidade. De repente, a sua voz impõe silêncio e atenção absoluta a todos os jogadores que lidera. E o que ele lidera não é pouco: é o selecionador nacional de futsal.
Quando muitos decretaram o fim de uma era após a saída de Ricardinho, o Cristiano Ronaldo do futsal, Jorge foi o primeiro a garantir, com serenidade, que tudo iria correr bem. Não por fanfarrice, mas porque acreditava de verdade. E tinha razão: com ele ao leme, Portugal conquistou dois Campeonatos da Europa, um Campeonato do Mundo e uma Taça Intercontinental - todos seguidos. Um feito inédito na história do futsal. Durante 7 anos, 2 meses e 21 dias, Portugal não perdeu um único jogo oficial. E, no entanto, a pessoa é a mesma que há 15 anos assumiu o cargo. Títulos, medalhas e troféus não lhe mudaram a essência.
Braz recusa a ideia de que a interioridade é um obstáculo. Para ele, as pedras do caminho não travam - desafiam. É essa filosofia que incute nos jogadores: se é mais difícil, trabalha-se mais; se o caminho é estreito, alarga-se com empenho. No futsal português, essa mentalidade tornou-se regra.
A tranquilidade dele não é ausência de exigência. Quem o conhece sabe que, por detrás do tom pausado, vive uma intensidade competitiva que não tolera atalhos. Braz fala de princípios como outros falam de esquemas táticos. Dedica tanto tempo a preparar uma saída de pressão como a reforçar que não vale tudo para ganhar.
Foi eleito o melhor selecionador do mundo em cinco ocasiões. Mas mais importante do que qualquer prémio é o reconhecimento dos seus jogadores. João Matos, capitão do Sporting e da Seleção, contou-me: A primeira qualidade que o distingue é a genuinidade. Depois, a humildade. Não são palavras vagas: sente-se. Braz consegue agarrar um atleta, puxá-lo para o seu lado, fazê-lo acreditar totalmente nas suas ideias. Confia cegamente nos jogadores - e, mais importante, transmite essa confiança. É isso que nos une a ele. Quando isso acontece, conseguimos dar tudo, mesmo quando parece não haver energia para mais. Essa ligação vem de vários fatores: clareza e consistência na mensagem, metodologia de trabalho, dedicação diária e, acima de tudo, o lado humano. Na Seleção, fala-se muito de ‘família’ - e não é por acaso. Conheço-o desde que era adjunto do Orlando Duarte. Em 2010, antes do Europeu, estava lesionado. Foi o Braz quem defendeu que ficasse no estágio a recuperar. Acabei por jogar e fomos vice-campeões da Europa. Ele acreditou, e isso foi decisivo. Foi o início de uma relação que ultrapassa o campo e se tornou uma amizade verdadeira. Se eu precisar de ajuda, sei que ele está à distância de um telefonema.
Isto diz tudo sobre a pessoa e o líder que Jorge Braz é. E é algo que transcende o desporto - serve de exemplo e referência para qualquer organização, porque, em primeiro lugar, estão as pessoas e só depois a função que exercem seja ela no desporto, numa autarquia, numa empresa etc.
Quando assumiu a Seleção, não teve vida fácil. Chegou a ponderar sair. Mas deram-lhe tempo, confiaram no projeto, e quando o grupo acreditou cegamente na sua liderança, os títulos começaram a chegar. Como me contou o João Matos, ele trouxe algo que eu não tinha vivido nos primeiros anos de Seleção - união, uma voz de líder e, ao mesmo tempo, uma presença quase paternal.
No plano técnico, Braz alia organização ofensiva e defensiva a princípios claros. Sabe manter os pés no chão, independentemente do resultado. Depois de uma conquista, regressa sempre à base, como se fosse o primeiro dia. Esse hábito mantém-se há mais de 15 anos.
Há momentos que ficam para sempre. Na Finalíssima de Buenos Aires, contra a Espanha, Portugal conquistou o título intercontinental. Antes dos penáltis, Braz falou à equipa. Não foi um discurso ensaiado, cheio de frases feitas. Foi puro Braz: genuíno, emotivo, orgulhoso. Que orgulho do cara***. Nós somos mesmo os melhores… Este não perde um jogo nos penáltis, disse, apontando para Edu, o guarda-redes. Depois alinhou a ordem dos marcadores e concluiu: Erick, vais acabar esta m****. Cru, real e autêntico.
Outra marca sua: nunca se coloca acima do coletivo. O todo é sempre maior do que o eu. Assume que as decisões são do staff, mas a sua mão está em tudo o que é estratégico. É o mesmo homem nos bastidores e no banco: descontraído quando é tempo para rir, sério quando é preciso foco. Lida com a pressão confiando no trabalho, na equipa técnica e nos jogadores. João Matos recorda: Ele repete sempre: «Os mais importantes são vocês.»
Os valores são claros: respeito, humildade, seriedade, dedicação e ambição de ser melhor no treino seguinte. O dia mais importante é sempre o próximo.
Jorge Braz não é homem de vaidades. Em entrevistas, devolve os elogios, apontando para a humildade herdada da infância em Sonim, para o esforço coletivo do staff e para o compromisso da equipa.
Podia ter seguido para o futebol - e chegou a recusar duas propostas. Pesou mais a paixão pelo futsal, que transformou numa causa e num projeto de vida. A influência de Orlando Duarte foi determinante nesse caminho. Numa entrevista recente, Braz admitiu: Aprendi muito com ele, não só sobre treino, mas sobre liderança e valores. Esta semana, o próprio Orlando disse-me: Homem fantástico, de dimensão humana rara. O expoente máximo da evolução do futsal em Portugal. Um treinador extraordinário, com uma liderança notável. O seu trabalho é mais do que uma profissão: é um projeto de vida. A sua obra está longe de concluída. E Orlando não está sozinho... Há poucos dias, Marquinhos Xavier - selecionador campeão do mundo pelo Brasil - partilhou comigo palavras que reforçam a dimensão de Jorge Braz: É com enorme alegria que felicito o amigo e grande profissional Jorge Braz pelos anos dedicados ao futsal português e mundial. Mais do que um treinador de excelência, o Braz tornou-se para mim um amigo de verdade - uma pessoa especial, com quem tive o privilégio de partilhar experiências, histórias e aprendizagens que levo para a vida. Enquanto selecionador do Brasil, confesso que gostaria de o ter enfrentado muitas mais vezes. Cada duelo teria sido uma oportunidade de crescimento, um desafio que certamente me teria ajudado a tornar-me um treinador ainda melhor. O Braz é movido por um compromisso raro: desenvolver o jogo e fazer evoluir todos à sua volta. O título mundial que conquistou trouxe, sem dúvida, visibilidade sem precedentes ao futsal português. Mas o seu legado vai muito além das taças - está nas ações de valorização dos profissionais, na capacidade de inspirar, e na forma como elevou o nível de exigência e qualidade no país. Desejo-lhe muitos mais anos à frente da Seleção, com saúde para manter essa energia contagiante e sabedoria para continuar a tomar as grandes decisões que moldam o futuro. O futsal mundial agradece!
Jorge Braz não construiu apenas vitórias - construiu um legado que se mede pela admiração dos seus pares e pela marca que deixa no futsal mundial. Braz sabe que, quanto mais se vence, mais se exige. Mas também sabe que as vitórias inspiram para lá do desporto. Se forem boas pessoas na vossa atividade diária, é impossível não serem felizes, repete muitas vezes. Esta frase, simples, é a síntese de uma filosofia que já devia ter mais espaço em todos os setores da sociedade: competência aliada a valores.
O Presidente da República já disse que o país se pode inspirar na seleção de futsal. Braz retribui com comportamentos. Não se vê nele vaidade vã ou sede de protagonismo; vê-se compromisso. É por isso que, no meio do ouro das medalhas, ainda se emociona ao falar de um vinho com o nome da sua aldeia, Sonim, cuja venda reverte para causas sociais.
O que ele e a sua equipa têm feito é muito mais do que ganhar jogos: é derrubar preconceitos. Em Portugal, ainda se ouve «é só futsal». Está na hora de perceber que o futsal é um cartão de visita do país no desporto mundial. É seguido, respeitado e tem impacto direto na imagem de Portugal lá fora. É competitivo, emocionante e formador. E tem um líder que nos lembra que vencer pode - e deve - significar respeitar o adversário, honrar a camisola e trabalhar até não haver mais forças.
Joel Rocha, treinador do SC Braga, confessou-me: Nos últimos 15 anos, o Jorge Braz revolucionou, de forma silenciosa mas firme, o futsal português, europeu e mundial. Sou fã do Braz - da pessoa, do líder, do treinador e do selecionador. Conquistou todos com o tempo, sem se impor. Primeiro na equipa técnica, depois junto das associações, clubes e jogadores, e, por fim, levando o futsal português ao mundo. Este futsal é feito por pessoas e para pessoas. Não é um futsal para resultados, mas para servir quem o vive. Ora nem mais, é este o futsal que queremos. Diria até que é este o desporto que pretendemos.
Jorge Braz não é apenas treinador. É um líder que se constrói de dentro para fora. Já provou o seu valor. Agora, cabe ao país fazer a sua parte: seguir o seu exemplo na liderança em várias áreas e, concretamente no futsal, valorizar os protagonistas, investir na base, encher pavilhões e dar ao futsal o reconhecimento que, há muito, já conquistou.
E eu também acredito que o melhor ainda está para vir.
Um agradecimento especial ao João Matos, Joel Rocha, Orlando Duarte e Marquinhos Xavier, que tanto contribuíram para este artigo.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.