O Tratado de Tordesilhas
Devia figurar nos livros da escola tanto a imagem de derrota da Seleção Nacional no Euro-2004 que contava já com Cristiano Ronaldo, como a da derrota na final dos Jogos Olímpicos de Carlos Alcaraz, enquanto representava a sua nação.
Geralmente, quando se perde tem que se olhar para dentro, refletir e encontrar soluções. Os grandes vencedores fazem isso. E é por isso que os dois têm sucesso.
Em ambos os casos, estiveram muito perto de vencer naquela altura. Mas deram a volta por cima, como se estivesse destinado.
Esse Europeu de 2004, realizado em solo português, marcou a estreia de Cristiano Ronaldo em competições internacionais. Com apenas 19 anos, Ronaldo era já uma jovem promessa no futebol europeu, tendo acabado de completar a sua primeira época no Manchester United. Depois de um excelente torneio, na final contra a Grécia, Portugal perdeu e Ronaldo foi visto em lágrimas no final do encontro, uma imagem que ficou na memória de muitos adeptos e provavelmente, dele também.
No primeiro domingo deste mês de junho, quis o destino que os dois opostos assinassem um novo tratado de Tordesilhas.
Na final de Roland Garros, Carlos Alcaraz venceu o italiano Jannik Sinner por 4/6, 6/7 (4–7), 6/4, 7/6 (7–3) e 7/6 (10–2), após salvar três pontos de campeonato e recuperar de uma desvantagem de dois sets a zero. Com certeza que pensou que seria estrondoso ver passado uns minutos a sua Espanha também ganhar outra competição, no caso a Liga das Nações, encontro decisivo frente a Portugal. Mas não era justo. Espanha merecia aplaudir apenas Carlos Alcaraz. E Portugal merecia também fazê-lo com esta geração. Estávamos perante novo tratado de Tordesilhas.
A rivalidade e competitividade é muito visível no futebol, com confrontos marcantes entre as seleções nacionais: no Euro-2004, Portugal venceu a Espanha, por 1-0, na fase de grupos, ao passo que no Campeonato do Mundo de 2010 a Espanha eliminou Portugal nos oitavos de final (sendo que antes disso, num particular disputado no Estádio da Luz, Portugal goleou, por 4-0, sendo que este jogo ficou marcado como das piores derrotas da história da seleção espanhola, na altura campeã mundial e europeia).
Outrora, o Tratado de Tordesilhas foi um acordo entre Espanha e Portugal, sendo que as suas implicações atingiram muitas outras potências europeias, que frequentemente desrespeitavam o tratado e procuravam expandir as suas próprias esferas de influência em terras além da linha estabelecida.
A divisão tal e qual foi pensada, já não é atual. Apesar do talento existir dos dois lados, há quem seja mais empurrado do que o outro. Até mesmo a nível de atletas.
Paulo Futre é português de nascimento e sempre teve uma ligação forte com Portugal e com o futebol português. Brilhou principalmente no FC Porto, onde conquistou a Taça dos Campeões Europeus em 1987, um dos maiores feitos da sua carreira. No entanto, foi em Espanha que jogou o seu melhor futebol e onde foi idolatrado no Atlético Madrid e viveu uma fase de grande sucesso e reconhecimento individual. Um verdadeiro tratado de Tordesilhas bem feito.
Mas, e no que toca a orçamentos, a coisa já é totalmente desajustada.
Em 2025, os orçamentos destinados ao desporto em Portugal e Espanha refletem as prioridades e contextos de cada país. O Orçamento do Estado para 2025 inicialmente previa uma verba de 42,5 milhões de euros para o desporto, representando uma redução de 16% em relação aos 50,3 milhões de euros de 2024.
No entanto, após diversas críticas e proposta de revisão, o Governo corrigiu o valor para 54,5 milhões de euros, um aumento de 8,3% face ao ano anterior.
Esta verba destina-se a iniciativas como o aumento da prática desportiva, a promoção da igualdade de género no desporto e a melhoria das infraestruturas desportivas. Teoricamente, é positivo. Vejamos os nossos vizinhos.
Entre 2018 e 2024, o Conselho Superior de Desportos da Espanha teve um orçamento histórico de 1.800 milhões de euros, um aumento de 63 por cento em relação ao período anterior.
Para o período de 2025 a 2030, está previsto um investimento superior a 2000 milhões de euros. Além disso, existem programas de Estratégia Nacional contra o Sedentarismo, com 87 milhões de euros e destacam-se iniciativas significativas no apoio ao desporto de alto rendimento e à promoção da atividade física.
Enquanto Portugal apresenta um orçamento específico para o desporto (anual), a Espanha investe de forma mais abrangente, com um orçamento total muito superior, refletindo uma abordagem mais ampla e contínua ao longo dos anos. Aliás, desde há muitos anos que a Espanha não é apenas o futebol. E é notório desde o ténis, basquetebol, Fórmula 1, ciclismo, andebol, futsal, hóquei em patins ou atletismo.
No próximo Mundial de futebol, tanto Portugal como Espanha têm legítimas esperanças em voltar a brilhar. Mas é tempo de construir algo a médio/longo prazo e aproveitar o balanço da decisão da FIFA de atribuir a organização do Mundial de Futebol de 2030 a Portugal, Espanha e Marrocos. Outro verdadeiro tratado de Tordesilhas, desta vez com companhia.
A candidatura conjunta, destacou-se pela experiência organizativa e compromisso com um legado duradouro para o futebol mundial. Portugal pode levar esse compromisso para um legado duradouro para o desporto em geral, tal como acontece aqui ao lado. Portugal está longe de ser só futebol — apesar de o futebol ser, de facto, uma grande paixão nacional e parte importante da cultura do país. Vencer a segunda Liga das Nações deve ser só o princípio de feitos ainda maiores.